sábado, 7 de fevereiro de 2009

O NAVIO-MOTOR “PAULA BUSCHER” EM AVEIRO E O INCIDENTE ANTEVISTO POR MIM

O PAULA BUSCHER deixando o porto de Leixões, 05/06/1965 - Foto F. Cabral


Meados da década de 60, o navio-motor Alemão PAULA BUSCHER, 65m/498tb, que servira por alguns anos a Portugal Lijn, VNGCo’s, Roterdão, em regime “long time charter” na carreira de Leixões, Le Havre e Dover, tráfego mais vocacionado para este último porto e destinado a paletas de madeira de pinho para construção ou caixaria, terminara a descarga e o fretamento em Leixões, pelo que foi entregue ao seu armador.
Uma sexta-feira, pelas 17h00, o PAULA BUSCHER, após eu ter tratado das usuais formalidades da saída e do respectivo “off-hire”, zarpara de rumo ao porto de Aveiro em lastro, que demandou no dia seguinte pelo alvor, indo acostar a uma das pranchas-cais do porto bacalhoeiro da Gafanha da Nazaré, onde às 08h00 iniciou as operações de carregamento de toros de pinho, material próprio para escoramento das galerias das minas. Nessa altura ainda não existiam os actuais cais comerciais. O PAULA BUSCHER tanto em Leixões como em Aveiro foi agenciado à Garland, Laidley, do Porto, firma onde entre outros sectores, eu tratava do atendimento aos navios.
Sábado, cerca das 15h00, a fim de levar a documentação da carga, tomei o comboio na estação de São Bento, o qual chegou cerca das 19h00 à estação de Aveiro, viagem bastante demorada e tormentosa devido a problemas na via férrea, onde o meu colega Manuel Spratley da Silva me esperava.
Terminado o jantar seguimos no seu Ford Cortina para bordo do PAULA BUSCHER, que já estava a receber carga no convés. Este género de carga, que é estivada com os próprios toros, servindo de escoras, colocadas ao alto e ao longo das bordas do navio, amarradas com cabos de sisal ou arame, ficando o grosso dos toros empilhados pelo meio e peados também com cordame, cabos de arame ou correntes, é muito susceptível de correr à borda e criar sérios riscos ao navio.
Muitos vapores que saídos do rio Douro ou do porto de Leixões transportando este género de carga destinada aos portos carvoeiros de Inglaterra ou fardos de cortiça, paletas de madeira adornaram e acabaram por se afundar em pleno Atlântico ou na boca das barras deixavam borda fora alguma carga de convés, devido ao impacto com a forte ondulação, que durante a época invernosa, usualmente se fazia sentir.
Pelas 23h00, com a carga já ao nível da ponte do comando, o que na gíria se dá o nome de ”barda”, notava-se que o navio fazia bastante balanço e adornamento a bombordo, pelo que chamei à atenção do capitão e do oficial para aquela situação nada agradável, a modos de curiosidade, uma vez que o caso não era da minha competência, se bem que eu não queria ir parar a uma cama de hospital ou coisa ainda pior e além disso depois do desastre consumado, seria uma carga de trabalhos para mim e para o meu colega. Aliás haviam estivadores já amedrontados com a situação.
Capitão e oficial pareceram não ter gostado do meu reparo e fizeram ouvidos moucos. Eu a bordo já não me sentia em segurança, pelo que me apressei a completar a papelada e cerca das 23h45, logo após o capitão ter assinado a documentação e guardado os envelopes no “ship’s bag” e ter ido para a ponte de comando, senti o navio a ranger e a inclinar-se demasiadamente a bombordo.
Sem mais nem menos, peguei na pasta e, sem perda de tempo, encaminhei-me para terra, conseguindo-o com alguma dificuldade e tão depressa saltava para o cais, a prancha de portaló deslocou-se, tendo ficado suspensa no convés das baleeiras. A tripulação e os estivadores a bordo, apavorados, corriam por todo lado que era sitio, só lhes faltou lançarem-se à água da ria, pudera! O meu colega Manuel Spratley da Silva estava em terra. O navio ficou bastante adornado a bombordo e só a prancha-cais o segurou. Caso tivesse caído a estibordo ou seja para o lado da ria, com certeza tinha-se voltado e nós, muito possivelmente já não estaríamos a escrever estas linhas.
Sanada a situação, felizmente sem danos materiais e humanos, foi parte da carga devidamente reestivada e peada, graças a umas garrafas de uísque para os estivadores e pessoal em terra dadas pelo capitão e pelas 02h00 de Domingo o navio ficou pronto. A Garland, Laidley apenas actuou como agente de navegação do carregador, o qual fretara o navio, não havendo da parte daqueles agentes qualquer responsabilidade pela estiva. O porto de Aveiro, nesse tempo, não tinha estiva organizada, era um mestre estivador local que se encarregava de angariar trabalhadores rurais e pescadores da ria ou então do Porto/Leixões ia um mestre e um conferente, que não fora o caso.
Eu e o colega Manuel Spratley da Silva deixamos o porto de Aveiro pelas 00h30 sob forte neblina, e chegamos ao Porto pelas 03h00. O PAULA BUSCHER, juntamente com um outro navio de nacionalidade dinamarquesa, que também carregara toros de pinho, largaram da Gafanha da Nazaré pelas 06h00 de Domingo e cerca das 14h00 vi-os a navegar com dificuldade, caturrando na vaga de nortada fresca, contra a costa da Foz do Douro, de rumo ao porto de Bordéus.
Resta acrescentar que no porto de Aveiro já se afundaram por adornamento o arrastão bacalhoeiro português CIDADE DE AVEIRO e mais recentemente o navio cimenteiro espanhol XOVE, tendo deste perecido quatro elementos da tripulação.
O PAULA BUSCHER foi entregue em 04/1953 pelo estaleiro Rolandwerft, Bremen, como ALBERT LUFT a H.M.Gehrckens, Hamburg; 1954 HERBERT LUFT, mesmo armador; 1954 HASIBAL, Cie, Orano Maroccaine, França; 1964 ALDEBARAN, Generale d’Armement, França; 1964 PAULA BUSCHER, Wilhelm Remmer Buscher, Bremen; 1970 HESHAM, Dubai National Shipping, Dubai; 1971 SALEH, Dubai; 26/12/1972 naufragou ao largo de Khor al Fakkem, Golfo de Oman.
Rui Amaro

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