domingo, 6 de outubro de 2013

HÁ CERCA DE 56 ANOS OCORREU A TRAGÉDIA MARITÍMA QUE ENVOLVEU O REBOCADOR “NEIVA” E A FRAGATA “FIGUEIRA DA FOZ” QUANDO EM TRANSITO DE SETÚBAL PARA O DOURO

O rebocador NEIVA (2)

 A baleeira do NEIVA recolhida pelo MARIALVA já em Massarelos, Porto


27/03/1957 - A história do naufrágio já localizado ao mar da Figueira da Foz, está a a atingir as últimas páginas. No entanto o mistério paira e não se desanuviará. Duas embarcações registadas na capitania do Douro, o rebocador a fogo NEIVA(2) e a fragata FIGUEIRA DA FOZ, que, durante dias, trouxeram ansiedades  e preocupações pela falta de noticias, na viagem de Setúbal para o Porto, perderam-se definitivamente. Com elas, treze homens – o total das tripulações – desapareceram também nas águas agitadas do Atlântico. Nem uma testemunha ficou para relatar a tragédia.
O último capítulo é descrito à volta de um cadáver, que o rebocador MARIALVA encontrou no mar e trouxe ontem para o Porto.
Desde que foi assinalado o achado dos despojos, o MARIALVA manteve-se em comunicação com as estações marítimas. Alguns pormenores demos já ontem com a lista dos marítimos. Restava a identificação; e ela fez-se com a chegada do MARIALVA, que passou á Cantareira, dez minutos depois das cinco horas da manhã. Lentamente com a bandeira nacional a meia-adriça, aquele rebocador subiu o rio. Ainda era escuro, mas o dia começava a clarear. Quinze minutos depois, atracava no cais da Àgua, em Massarelos.
Aguardavam-no já as autoridades marítimas, para cumprimento das formalidades. Entramos a bordo, para colher elementos – uma possível versão da tragédia. E fomos bem sucedidos.
O mestre Júlio Parracho, que comanda o MARIALVA, homem do mar, firme e decidido, tem exposição clara.
Com 53 anos de idade, anda no mar há 40. Embora o seu tronco familiar venha de Ílhavo, nasceu na Nazaré, onde os pais estavam acidentalmente. Mas a gente do mar move-se de porto em porto. E, assim, a partir dos 2 anos, fixou-se em Matosinhos. Agora reside em Leça da Palmeira, na rua Fresca, e tem dois filhos no mesmo rumo. Um é oficial da Marinha Mercante e outro estuda.
Mestre Júlio Parracho vai além das obrigações da profissão. É um estudioso das coisas do mar. Logo que subimos à ponte de comando, deparamos com um sextante – utensilio raro numa embarcação, especialmente de cabotagem. No entanto, ali estava, para nos dar a primeira indicação da pessoa que tínhamos na frente.
COMO FOI ENONTRADA A BALEEIRA
Mestre Parracho que faz da ponte de comando o seu “beliche”, e apesar do dispêndio de energias com esta viagem, não só nos recebeu afavelmente como prestou todos os esclarecimentos com nitidez.´
- Que nos diz do naufrágio?
- Deu-se um pouco ao norte da Vieira de Leiria, a calcular pela posição da baleeira.
- Como soube da notícia?
- Saí de Setúbal às 22 horas e meia do dia 26, com rumo ao Douro, que é o meu porto de armamento. Além de mim. Trago mais oito homens; é esta a tripulação do MARIALVA. Quando navegava ao norte do Cabo Carvoeiro, já cerca das 9 horas (gmt) do dia 27, captei pela rádio telefonia, uma informação do arrastão espanhol REPOLA, transmitida a toda a navegação, de que tinha avistado um bote semi-submerso, com o nome de NEIVA pintado. Perguntava se haveria alguma ligação com as embarcações desaparecidas. Mas não falava de qualquer cadáver na baleeira. Entrei em comunicação com o REPOLA e perguntei a posição da baleeira. Como me indicasse 29.55 N de latitude e 9.17 W de longitude, verifiquei que estava a 25 milhas ao sul. Para lá me dirigi. Ao meio dia legal, observei a meridiana e deu-me para ponto a primeira latitude. Mas antes disso, já tinha percorrido a área de mar em todos os sentidos: Leste, Oeste, Norte, Sul: Feita a observação, andei um pouco mais para terra, no rumo do Leste verdadeiro e acabei por encontrar a baleeira. A posição que o REPOLA me havia dado era um pouco mais ao mar; A baleeira tinha descaído um pouco. Tivemos ainda dificuldade em a localizar, porque de facto, andava submersa, apenas uns escassos 20 centimetros fora de água: Compreende-se que era difícil vê-la. O mestre Espanhol disse-me que q bordo não havia ninguém, morto ou vivo. Mas, pesquisando bem com o meu binóculo pareceu-me ver um vulto humano.
Imediatamente mandei aproar à baleeira e em poucos minutos reconhecemos que de verdade se tratava a baleeira pertencia ao rebocador NEIVA.
A abordagem, é fácil ajuizar que nos trouxe emoção. Somos homens do mar, sentimos e vivemos como irmãos. Íamos buscar mais um dos nossos. Enrolado nos cabos, lá estava um corpo, que rapidamente reconhecemos, era o Henrique Simões, moço da fragata FIGUEIRA DA FOZ.
- Ficamos com a cabeça â razão de Juros – é esta a expressão do mestre Parracho – tanto mais que já tinha sido tripulante do MARIALVA e servido sob as minhas ordens. Por um momento perdemos a coragem de lhe tocar. Mas tinha de ser. Os homens do mar têm de ser duros, porque a vida também é dura. Trouxemo-lo para bordo e amarramos a baleeira para vir a reboque. Enquanto executávamos a manobra, encontramos na baleeira, uns “albaiões”, espécie de calças de caqui, com peito alto, de tipo Americano. Suponho que pertence este despojo ao contramestre do NEIVA, Joaquim de Sá. Lá estava, também, uma boia do rebocador, a atestar que houve mais náufragos na baleeira.
- E depois?
- Continuei ainda a pesquisar o mar, desde as 13 horas e meia até ás 16. Entretanto, no decurso destes trabalhos, reconheci que não era possível trazer a baleeira a reboque. Mandei que a metessem a bordo, com as dificuldades que bem se podem calcular, pois o mar era de pequena vaga, com vento moderado de Norte e bastante cachão do mesmo lado. Pelas 15 horas veio à fala comigo, o salva-vidas D CARLOS, do porto da Figueira da Foz, e, durante uma hora, ainda cruzamos o mar em várias direcções, mas os nossos esforços foram improfícuos. Nada mais encontramos.
Comuniquei, então, à Rádio Naval da Boa Nova, com quem estava em contacto desde as 9 horas e meia, para assinalar o meu achado. Depois foi o rumo ao Porto. E aqui estamos.
COMO SE TERIA DADO O NÁUFRAGIO
Perguntamos agora ao mestre Júlio Parracho que impressão tinha do naufrágio.
- Esclarece-nos de pronto:
- Tanto o NEIVA como a FIGUEIRA DA FOZ tinham mestres competentes e habituados às lides do mar. As tripulações eram afoitas. Verifiquei, porém, que na baleeira não fizeram uso dos remos. No lugar onde deviam servir as forquetas, não havia sinal de terem sido coçadas, o mesmo observei por toda a parte superior da sua borda. A “tabica” também não apresentava sinais de os remos a terem coçado.
Admito que todos os náufragos chegaram a estar a bordo do pequeno barco, pois, apesar de a sua lotação ser para dez pessoas, podia comportar bem os treze tripulantes. Tinha caixas-de-ar de cobre, e não era fácil submergir completamente com o peso. Faltava-lhe o bojão da “jaja”, que é o buraco de escoamento da água.
- Como explica a tragédia?
- É muito difícil, porque são escassos os elementos que recolhemos no mar. Entretanto.
- O NEIVA foi avistado por um barco de pesca Espanhol na manhã do dia 22, terça-feira, por alturas de S. Pedro de Muel. Na noite seguinte, houve muito temporal, Possivelmente a fragata abriu água, o que é natural, tratando-se de uma embarcação de madeira, embora recentemente tenha sido bem reparada. Mas a carga era de cimento, à volta de 273 toneladas. Impotentes para dominar a água, que tanto pode ter sido por falta de forças como por avaria das bombas, o mestre e tripulantes da FIGUEIRA DA FOZ devem ter reconhecido a impossibilidade de chegar ao Porto. Teriam, então, pedido socorro ao NEIVA. A gente do rebocador, por seu turno, apercebendo-se do que se passava, teria largado por mão ou colhendo o cabo de reboque, preparando-se para tentar a abordagem da fragata, para salvar a tripulação. Nestas condições de tempo e do mar, com os homens exaustos, admito que não era possível fazer uso da baleeira da fragata.
Vejamos agora, o momento critico: Houve naturalmente intensidade na abordagem e o rebocador foi arremessado contra a fragata: o pânico deve ter sido imediato, e nem sequer puderam fazer uso das duas baleeiras do rebocador. Assim, enquanto uma delas foi +ara o fundo com o rebocador nos seus picadeiros, a outra foi lançada à água. Na confusão que sempre surge nestes momentos, a hora de salve-se quem puder; e todos procuravam atingir a baleeira. E veio o segundo desastre.
Talvez por essa precipitação, poucos lá chegaram. Ou ainda outra versão, talvez mais conforme com elementos achados. Todos lá chegaram, aglomerando-se todos os treze homens na pequena baleeira, e não lhes foi possível fazer uso dos remos para manobrar da melhor maneira a defenderem-se do temporal.
- Está, então convencido que os homens ainda poderiam salvar-se?
- Sim, os homens poderiam aguentar-se na baleeira, embora o temporal fosse muito violento nessa noite, em que localizo a tragédia, a de terça para quarta-feira. Com as caixas de ar em cobre, a baleeira não ia ao fundo mesmo que nela estivessem o treze homens. Mas houve qualquer elemento que desconhecemos e que os impossibilitou de manobrar a embarcação, e de fazer uso dos remos.
E o mestre Júlio Parracho conclui:
- Eu senti este naufrágio mais que qualquer outra pessoa, porque orientei a construção do NEIVA, e fui seu mestre durante 12 anos, até 1942. Alguns dos mortos tinham sido também tripulantes no MARIALVA, O Bernardino da Encarnação, o fogueiro, o Henrique Simões, e outros cujos nomes me não vêm à memória. Era pessoal bom, todos competentes e destemidos.
O MARIALVA rebocador de serviço da zona costeira internacional, que vai desde o Cabo Finisterra, a Norte de Portugal, até ao Cabo de Gata, no Mediterrâneo, e à costa do Norte de Africa, pertence à firma Pascoais Unidos., Lda, Matosinhos, com o mestre Júlio Parracho e os seus oito tripulantes, teve neste caso papel destacado em busca dos náufragos, mas infelizmente dos seus esforços resultou apenas esta missão dolorosa; trazer para o Douro um cadáver. E, a propósito da tragédia, mestre Parracho fala-nos da emoção difícil da sua classe:
- Este mestre do NEIVA, O Armando Ferreira Neto, esteve anos desempregado devido à crise de trabalho que atravessávamos na nossa profissão.
Rematando a nossa entrevista, mestre Parracho acrescenta:
- Isto foi uma infelicidade. O NEIVA que saíra de Setúbal no doa 21, às 20 horas, devia demorar 20 horas na viagem até ao Porto, mas o temporal atrasou-o, e, na noite de terça-feira para quarta-feira, desapareceu sem deixar testemunhos. Calculo que tenha submergido a Oeste ou já a Norte do Cabo Mondego, pois o vento era do Norte e deve ter feito correr a baleeira para a posição que a encontramos.
Cerca das 9 horas da manhã estiveram a bordo as autoridades sanitárias da Marinha e da Delegação de Saúde e pouco depois o cadáver do malogrado moço da fragata FIGUEIRA DA FOZ foi removido para o Instituto de Medicina Legal, sendo os despojos entregues na Capitania.
AO DESPOJOS QUE DERAM Á COSTA CONFIRMAM A VERSÃO DO NÁUFRAGIO
Desde quarta-feira que estão a dar à costa, em Palheiros de Mira, um pouco a sul de Aveiro, alguns destroços de uma embarcação. Os fragmentos arremessados pelo mar, parecem terem pertencido à fragata FIGUEIRA DA FOZ. São, no entanto, elementos parcelares, destruídos, que apenas vêm confirmar a versão que acima reproduzimos. O mestre Júlio Parracho foi, ontem, à tarde, até Mira, e esteve no Marco da Carniceira, onde esses despojos apareceram. Da sua observação pessoal, técnico competente e esclarecido, concluiu que, de facto, a fragata foi que primeiro abriu água, até porque o fundo não apareceu.
Isto, ainda mais arreiga a convicção que de facto foi a colisão das duas embarcações a causa do naufrágio.
Agora um leve comentário: Se havia barcos desaparecidos, com 13 vidas a bordo, de que se desconhecia a sorte, e despojos dum naufrágio estavam a dar à costa, a Guarda-Fiscal devia ter comunicado de imediato o caso à repartição competente para ser centralizado. Neste caso já que os barcos estavam perdidos, restava tentar o salvamento de algumas vidas, se todo não fosse possível.
Este comentário funda-se ainda na impressão colhida do infeliz Henrique Simões ter morrido horas antes de o MARIALVA encontrar a baleeira, e não por asfixia. Isto é, foi o último a manter-se na baleeira, e sucumbiu por enregelamento ou qualquer outra causa, mesmo por afogamento.
REGRESSOU AO TEJO O PATRULHA QUE FORA DESTACADO PARA PROCURAR ENCONTRAR AS EMBARCAÇÕES DESAPARECIDAS OU SOBREVIVENTES
Depois de ter efectuado aturadas pesquisas, que resultaram infrutíferas, regressou ao Tejo, procedente do mar da Nazaré, o patrulha NRP SANTIAGO, que havia saído com o objectivo de encontrar destroços do rebocador NEIVA e da fragata FIGUEIRA DA FOZ, e foi acostar à base naval do Alfeite.
Dois aviões levantaram voo também para colaborar nas pesquisas, mas não obtiveram o resultado desejado, pelo que regressaram à base.
A LISTA DAS VITIMAS
NEIVA: Mestre, Armando Ferreira Neto, 45 anos, da rua dos Dois Amigos, 298, Leça da Palmeira; contramestre, Joaquim de Sá, de 52 anos, da Calçada da Arrábida, 283, Porto; maquinista, Aurélio Neves, de 55 anos, da rua do Campo Alegre (Bairro Passos José); fogueiros Francisco Pinho Monteiro, de 46 anos, da Corredoura, Oliveira do Douro; Bernardino da Conceição Brenha, de 58 anos, da rua de Santa Luzia, 381, e José António Marques da Silva, de 38 anos, de Lavadores, Gaia; marinheiros: Manuel Oliveira Caseiro, de 68 anos, da Afurada; Henrique da Costa, de 51 anos, da Foz do Douro e Albino José Morais Lago, de 24 anos, da rua do Casal Pedro.
FIGUEIRA DA FOZ: Mestre, Joaquim Correia de Almeida Lapa, de 52 anos, da Rua Viterbo de Campos 16, Gaia; marinheiros: José Joaquim de Almeida Lapa, de 31 anos, filho do mestre, da fragata, da rua de Trás, Candal, Gaia; Artur Fernando da Silva, de 41 anos, da rua do Comércio do Porto, Porto, e Henrique Simões, de 48 anos, da rua Viterbo de Campos, Gaia.
O mestre do rebocador, Armando Ferreira Neto, era muito conhecido nos meios desportivos do Porto e foi jogador no Leça Futebol Clube.
NEIVA (2) – 23,15m/ 82tb/ 09mh; 1933 entregue por José Gomes Martins, Estaleiro do Ouro, Porto, a Joaquim Gouveia, Lda, Porto. A máquina e outros materiais foram aproveitados do NEIVA (1) ex BURNAY 2º; 195_ NEIVA, Lemos, Gomes & Cia, Lda, Foz do Douro, Porto.
FIGUEIRA DA FOZ – 30,29m/ 201,71tb; 1919 entregue por um estaleiro de Vila do Conde a Joaquim Gouveia, Lda, Porto; 195_ FIGUEIRA DA FOZ, Lemos, Gomes & Cia, Lda, Foz do Douro, Porto.
NOTA DO AUTOR DO TEXTO
Aquando do naufrágio, lembro-me do meu pai, piloto da barra, pela fonia dos pilotos, estar fazer chamadas consecutivas pelo rebocador NEIVA, e a pedir colaboração a outras embarcações, porque os familiares estavam à porta da corporação dos pilotos, aguardando boas novas, o que, infelizmente não se concretizaram e até porque um dos tripulantes, o Henrique da Costa era irmão de dois pilotos da barra do Douro e Leixões, Bento da Costa e Alberto da Costa, e pai de dois amigos meus o António e o Firmino, já falecidos. Também eu aqui em minha casa estava de escuta na frequência de onda marítima, à espera de qualquer comunicação.
Mal sabia o mestre Júlio Parracho, do rebocador MARIALVA, que colaborou nas buscas e trouxe para o Douro a baleeira e o corpo do desditoso moço da fragata, que passado alguns anos, mais propriamente a 07/12/1959, iria ter a mesma sorte dos seus camaradas do NEIVA, juntamente com os tripulantes das fragatas CANTANHEDE e MICAELENSE, aqui diante da barra do Douro, acerca de 3 milhas para Oeste, já a chegar a bom porto. Perderam-se 17 vidas das três embarcações.
Fontes e imagens: Jornal O Comércio do Porto.
Rui Amaro

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