Dado que a barra do Douro se encontrava impraticável para a saída da lancha de pilotos P4, todos os navios iriam ser abordados pela lancha P1 da secção de Leixões – era uma alternativa que a maior parte dos portos portugueses não possuía, o que lhes restringia o movimento marítimo em ocasiões de mar nas suas barras – pelo que os pilotos, manhã cedo, seguiram para Leça da Palmeira no carro eléctrico da linha 1, tendo antes recebido instruções do piloto-mor José Fernandes Tato, que em principio haveria movimento para os navios de maior porte e os dois iates-motor, que eram o Meteoro e um outro, que já não me recordo do respectivo nome, deveriam vir à barra e aguardar ordens.
Segundo me divulgou em tempos, o piloto Henrique Correia Hugo, que no carro eléctrico acompanhava o seu colega Pedro Reis da Luz, este ao passar diante da barra e observando o jeito da ondulação, murmurou dizendo, “levo o navio para junto da barra e quando surgir um liso, faço-me à barra” ao que o colega retorquindo, aconselhou-o a não proceder como tal, porque depois iria ter complicações graves, e teve-as graves e trágicas para ele e para mais seis, que perderam a vida, salvando-se apenas dois tripulantes, um pela lancha P1 e outro pelo salva-vidas Visconde de Lançada da estação do ISN da Foz do Douro. Verdadeira e incompreensível incúria!
Após a usual consulta dos pilotos, no cais dos Marégrafo, presidida pelo piloto-mor e verificando-se que a ondulação embora de andaço, não impedia a entrada dos navios de maior porte, cerca das 09h00, foi içado no mastro do cais do Marégrafo e do castelo da Foz, o grupo de bandeiras relativo ao calado de água de quatro navios de maior porte.
Três desses navios Portugueses, aproximaram-se da barra seguidos do Meteoro, tendo tomado a dianteira o vapor Outão, 41m/218tb, precedido do navio-motor Rui Alberto, 48m/474tb, que passaram a barra sem grandes percalços, e logo a seguir vem de entrada o navio-motor Caramulo, 46m/340tb, todos carregados com cimento ensacado, o qual ainda a uma certa distancia foi envolvido por forte ondulação, que não lhe causara qualquer contrariedade.
O malogrado piloto deve ter olhado para noroeste, lá para as Longas e vendo que se ia dar um liso e desobedenço às ordens do piloto-mor faz-se à barra, tomando a vez do petroleiro Penteola, 53m/544tb, que já vinha a navegar para a barra e acabou por desandar para fora, ainda com o Caramulo, ali mesmo à sua proa e que muito possivelmente lhe tolheria os movimentos. O Meteoro vinha em lastro, portanto presa fácil da ondulação, e a cerca de uns quatrocentos metros começa a suportar a forte maresia traiçoeira, aliás já não havia hipótese de desandar para fora, e atingido por um enorme andaço de mar, correndo na vaga acaba por adornar sobre bombordo e submerge nas águas daquele mar maldito, vendo-se o piloto e os tripulantes de convés a debaterem-se com a maresia, desaparecendo um aqui outro ali.
Gritos lancinantes se ouviram em terra, naquele local, que – tantas vezes - tem sido teatro de tragédias semelhantes. Um deles nadava para a barra mas sentindo que a corrente do rio lhe era desfavorável, teve a inteligência de se deixar ir ao sabor da corrente, nadando para o largo, acabando por ser resgatado pela lancha P1 timonada pelo cabo-piloto Aires Pereira Franco e pelo piloto Eurico Pereira Franco, cunhados do piloto Pedro Reis da Luz. Um outro segue o piloto, este de compleição forte, que conhecedor nato da área, nada na direcção do molhe de Felgueiras, infortunadamente recebe uma pancada de um qualquer destroço e quando está perto do referido molhe bate com a cabeça numas pedras, ficando
Em dado momento, Fernando da Silva Marques (Pacharra), um jovem local de 19 anos, vendo o piloto Pedro Reis da Luz a desfalecer, não hesita, salta para águas revoltas e nada célere em seu socorro, alheio a todos os perigos que o ameaçavam. As vagas altas como montanhas faziam medo. Munido de uma corda, instruído e auxiliado do paredão pelo velho lobo do mar José Teixeira da Silva (Zé Relojoeiro), possuidor de um palmarés de enorme número de salvamentos e muito entendido nestas lides e ainda pelo ex marinheiro Ilídio da Costa Pinto, além de outros locais, conseguiu trazer o infeliz prático da barra até às escadas de leste do molhe de Felgueiras, Uma ambulância levou-o inanimado para o Hospital de Misericórdia, onde já chegou sem vida.
Pedro Reis da Luz, 50 anos de idade, casado, prático muito competente à 22 anos, fora protagonista de vários salvamentos naquela maldita barra, onde veio a perecer, pelo seu arriscado e desnecessário arrojo. A tripulação era na sua maioria Algarvia, dois deles naturais de Ílhavo e um de V.N. Milfontes. Um jovem da praia da Aguda veio no navio a convite do motorista, seu cunhado, e acabou por perder a vida.
Eu e minha mãe, vivendo aqui junto da barra do Douro, ficamos na maior das aflições, visto constar que era o meu pai, o piloto José Fernandes Amaro Júnior, que conduzia o Meteoro, felizmente estava a bordo de um outro iate-motor, o pequeno Guida, que estava no rio a aguardar ordens para largar, acabando por não sair.
O Meteoro, que fora construído pelo estaleiro Rijkswerf, Holanda, em 1907 para o tráfego comercial, pertencia à Sociedade de Transportes Marítimos Judith, Lda, Porto, que o empregava no tráfego nacional costeiro, com eventuais idas a Marrocos e Gibraltar, a qual também fora proprietária dos iates-motor Judith 1º, Cumpridor e mais tarde do Vianense. Havia sido adquirido, tempos antes, ao velejador Português António Herédia, que o utilizava como iate de recreio sob o nome de Nereida e tivera como seu capitão, João dos Santos Redondo, piloto da barra do Douro e Leixões.
Rui Amaro
Fontes: Imprensa Diária
Meu testemunho visual
Parece incrível, eu aqui tão perto do local do naufrágio e da terra do autor da imagem e por mais que procure não consigo uma reprodução em condições.
Alguém que tenha fotos do naufrágio e que me possa dispensar, ficarei imensamente grato.