quinta-feira, 1 de maio de 2008

O ACIDENTE COM O LANCHÃO-MOTOR "SADINO" AO SUL DO PORTO DE VIANA DO CASTELO

Às 12h20 de 01/07/1970, a estação dos Pilotos da Barra do porto de Viana do Castelo, através da sua instalação de radiotelefonia, recebeu um apelo do lanchão-motor português SADINO, cujo mestre comunicava, que devido ao denso nevoeiro, o seu navio havia batido no conhecido baixio da Eira, a umas 4 a 5 milhas ao sul daquele porto, e que se encontrava com água aberta, ameaçando não o poder atingir, para onde rumava, procedente do porto de Setúbal, com uma carga de 300 toneladas de cimento ensacado, consignado a uma firma local.
Comunicado o caso à capitania, o comandante Miranda Gomes, capitão do porto, deu ordem para a imediata saída do salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL, que pouco depois, se fazia ao mar capitaneado pelo patrão António Rodrigues, ao mesmo tempo que os pilotos da barra, lançavam chamada geral, solicitando o auxilio dos barcos de pesca Vianenses, que estavam a entrar a barra de regresso de mais uma maré; assim, os barcos DIVINO MAR, SANTISSIMO SACRAMENTO, ARCA DE DEUS, VIRGEM DAS GRAÇAS, Nª Sª DA AGONIA, FABIOLA e PEDRO SALVADOR retrocederam ao encontro do SADINO, tendo os pilotos seguído para o local numa dessas embarcações.
Entretanto, o mestre do navio, Manuel de Lemos, depois de ter navegado em precárias condições cerca de duas milhas, verificou que o barco já não atingiria o porto de Viana do Castelo, por estar a meter muita água, e, assim, resolveu aproar à praia, no local situado entre as Pedras de Anha e da Návia, duas milhas e meia ao sul de Viana do Castelo, para aí encalhar, talvez não esperando por autorização de quem quer fosse. Decisão inteligente!
È que hoje em dia, com receio das poluições e dos fantasmas dos Tollans, Reijins, Courages, CP Valours e outros que tais, faz-se afastar da costa e dos portos de refúgio as embarcações em dificuldade e deixá-las soçobrar ou melhor “afundá-las”, casos do KASSEMBA, PRESTIGE, NAUTILA, quando poderiam ser varadas em areal acessível ou recolhidas no porto mais próximo disponível, como outrora se procedia.
Quando os barcos de pesca de Viana chegaram ao local, já o SADINO se encontrava varado na praia, estando toda a tripulação, composta do mestre e oito homens, perfeitamente calma, embora naturalmente aborrecidos com o percalço. O capitão do porto, que foi a primeira pessoa a chegar à fala com o mestre, inteirou-se do sucedido e tomou as providências indicadas, que consistiam em tentar aliviar o barco da sua carga, a fim de se averiguar das consequências do acidente e das subsequentes medidas a adoptar.
Com a ajuda dos dois barcos SANTISSIMO SACRAMENTO e FABIOLA, a tripulação iniciou o transbordo dos sacos de cimento que não fora atingida pelas águas, e, desse modo, durante a tarde, se conseguiu aliviar o navio duma parte da carga, sendo os sacos transportados para o porto de Viana do Castelo.
Entretanto, ficou decidido, que na baixa-mar seguinte, seria realizada uma vistoria ao casco, para se resolver acerca do que se poderia vir a fazer para resgatar o navio. A tripulação desembarcou, tendo ficado hospedada em Viana do Castelo.
No dia 5, após um árduo trabalho que durou desde o alvor até às 16h20, e em que foi posta à prova a competência, quer do capitão do porto e sobretudo dos pilotos da barra, foi possível, finalmente safar da praia o lanchão-motor Sadino, e trazê-lo para o porto de Viana do Castelo, onde ficou ancorado perto do cais dos pilotos.
Essa tarefa foi possível com a prestimosa ajuda do rebocador MONTE XISTO do porto de Leixões e mercê dum bom trabalho conjunto realizado pelos Bombeiros Voluntários e Municipais que, trabalhando com cinco moto-bombas levadas para bordo, equilibraram o esgotamento com a entrada da água pelos rombos e assim com as devidas precauções o barco foi trazido para bom porto.
Trabalharam a bordo mais de trinta homens e houve a solicita colaboração do barco de pesca SANTISSIMO SACRAMENTO do arrais Telmo Marques da Silva, que desde a madrugada esteve no local prestando toda a espécie de serviços. O mestre do SADINO, Manuel de Lemos, e a tripulação, bem como os pilotos Agostinho e Josué tiveram também trabalho extenuante.
Durante toda a noite piquetes permanentes de bombeiros continuaram a esgotar a água, a fim de manter o navio à superfície para que na manhã seguinte, se pudesse completar a descarga do cimento e pôr o navio em dique para ser reparado.
O SADINO, 34m/193tb, construído em madeira em 1952 como iate-motor por Arménio Bolais Mónica, Gafanha da Nazaré, porto de Aveiro, por encomenda do armador Chaves & Mateus, Lda., Setúbal. Depois de ter passado por várias alterações à sua estrutura e aparelho, em 1977 após bastantes meses de imobilização no rio Douro, junto do estaleiro da Cruz, V.N.de Gaia, que originou alguma degradação, subiu à carreira do mesmo, a fim de ser realizada uma grande reparação e o seu casco vir a ser pintado de cor preta. Constava que fora vendido a interesses estrangeiros, a fim de ser utilizado como “yacht cruiser” e assim parecia ter sido!
Agora de acordo com a informação de Luis Filipe Morazzo no “Blogue Navios e Navegadores”, o SADINO chegara ao Seixal, mais propriamente ao estaleiro Venamar para ser reparado, entretanto passados cinco anos (1992), perante o desaparecimento do proprietário do navio, e por esse facto, sem sofrer qualquer intervenção da parte do estaleiro, o pobre do SADINO lá continuava a apodrecer encalhado no lodo. Triste fim do belo e excelente navio, que foi o derradeiro dos “mohicanos” construídos em madeira para o tráfego costeiro nacional e que de facto daria um belíssimo “yacht” ou mesmo um pequeno “tall ship”.
Fontes: Jornal O Comércio do Porto
Rui Amaro
O Lanchão-motor SADINO varado entre a praia da Anha e da Návia, junto vê-se o salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL. /(c) gravura de noticia do jornal "O Comércio do Porto"/.

O iate-motor SADINO saindo a barra do Douro, acompanhado pela lancha de pilotos P9 em 1953, mostrando o aspecto primitivo das duas embarcações. /(c) imagem de L. Moraes Sarmento).

O iate-motor SADINO, em lastro, cruzando-se de entrada com o lanchão-motor CARLOS AUGUSTO (ex iate-motor EDUARDO XISTO), que vai de saída, década de 60. /(c) imagem de Rui Amaro, em tempos publicada na publicação do Reino Unido, intitulada SEA BREEZES/.

O lanchão-motor (yacht cruiser ??) SADINO amarrado no rio Douro, junto do estaleiro da Cruz, após uma grande reparação. /(c) imagem de F. Cabral/.

domingo, 27 de abril de 2008

O NAVIO-MOTOR "MARIAECK" CHOCA COM O CONHECIDO "PENEDO LADRÃO" ÀS PORTAS DA BARRA DE VIANA DO CASTELO

A 17/09/1953, pelas 09h30, procedente do porto do Douro com carga diversa em transito, o navio-motor alemão MARIAECK, comandado pelo capitão Karl Boland, o qual possuía suficiente experiência pelas suas escalas regulares a portos Portugueses, fazia a aproximação ao porto de Viana do Castelo, e, inesperadamente, por qualquer motivo descaiu demasiado sobre a costa, acabando por chocar com o conhecido e temido “Penedo Ladrão”, responsável por tantos outros acidentes.
Com avarias no leme, desgovernado, o MARIAECK teve de fundear ao largo e esperar que os pilotos da barra fossem a bordo na hora da maré, e tomassem conhecimento da ocorrência. Estes, dada a impossibilidade do navio se poder mover pelos seus próprios meios, pediram a assistência do rebocador RIO VEZ, da JAPN, que o conduziu para a doca de flutuação, onde ficou atracado a aguardar acesso à doca seca “Eng. Duarte Pacheco”, a fim de se realizarem as devidas reparações aos danos sofridos, particularmente a porta do leme.
Aquele moderno navio da Marinha Mercante Germânica estava a escalar o porto de Viana do Castelo, a fim de ir carregar uma partida das excelentes madeiras da região do Alto Minho, tendo seguido, depois de vistoriado pela autoridade marítima e colmatadas as avarias, para os portos de Roterdão e Bremen via o porto de Lisboa.
O MARIAECK(3), 71,10m/1.294tb, entregue pelo estaleiro Rolandwerft GmbH, Bremen, em 03/03/1953 ao armador DDG Hansa, (Hansa Linie), Bremen, para o seu tráfego de Portugal e Espanha; 1964 HAWTHORNE TRADER, Forster Hawthorne Co.,Ltd., Georgetown, Cayman Islands; 31/01/1970 em rota de Curaçao/Puerto Cortes, sofreu uma explosão na casa da máquina, seguida de incêndio, a 8 mn a Sul de Roatan Islands, tendo sido varado na praia de Dixon Cove, tendo mais tarde sido demolido.
Navios gémeos: ROLANDSECK(5); SONECK(5); SCHWANECK(2).
Fontes: Imprensa Diária Portuense
Rui Amaro

O navio-motor alemão MARIAECK deixando a barra do Douro em 1960. /(c) imagem de F. Cabral/.

RECORDANDO O ENCALHE DO NAVIO-MOTOR "DIONE" NA BARRA DO PORTO DE VIANA DO CASTELO

Já no mês de Dezembro, algumas semanas após o encalhe do navio-motor CARAMULO, outro incidente surgira na barra do porto de Viana do Castelo, desta vez com o navio-motor português DIONE, curiosamente ambos pertencentes ao mesmo armador.
Dia 18 – A “Tornada”, exíguo canal de entrada do porto de Viana do Castelo, onde traiçoeiras areias, que se moviam conforme a agitação marítima e as correntes, tantos perigos representavam, o que se afigurava um autêntico quebra-cabeças para os pilotos da barra, por mais sondagens que realizassem, provocara mais um sinistro marítimo na barra, certamente sem consequências de maior, mas que causou apreensões, pois o crescer das vagas, pelo preia-mar, poderiam ter inundado os porões e fazer com que a embarcação se perdesse.
Pois, de véspera aquele navio mercante saíra de Setúbal para o porto minhoto, trazendo um carregamento de mil toneladas de sal destinado à casa João Alves Cerqueira & Cia., Lda., daquela cidade, para abastecimento do distrito.
O navio estava à barra, pouco depois das 12 horas, pedindo piloto; e embarcado este, esperou a preia-mar das 15 horas, para demandar a barra. A manobra fez-se com regularidade, mas ao transpor a “Tornada”, já muito perto do anteporto, o navio desgovernou e encalhou de proa nas areias que ali estavam depositadas e pode-se mesmo afirmar por falta de dragagens regulares. Dado o alarme, imediatamente acorreu o rebocador RIO VEZ, da Junta Autónoma, assim como o salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL e ainda a lancha dos pilotos, levando a bordo o piloto-mor Sr. Jorge Teixeira dos Santos. Por precaução e para evitar que o navio fosse cair sobre a praia ou o cais do Cabedelo, foi passado um cabo de arame, que ficou preso ao cais do Bugio.
Entretanto, o RIO VEZ passava também, um cabo de reboque à proa do DIONE e desde logo passou a fazer tentativas de safar o navio. A maré estava na preia-mar e era de supor que o navio com a sua própria máquina trabalhando a pleno e o rebocador puxando no seu máximo, o navio se safasse. Infelizmente todos os esforços resultaram por inúteis e, assim, todos os cuidados dos pilotos, capitão e tripulação acabou por se resumir a evitar a entrada de água nos porões, o que a acontecer seria desastroso.
O perigo era grande porque o navio, bastante comprido e muito metido, se encontrava literalmente atravessado à entrada da barra e de través para o forte da rebentação, ondas enormes varriam o convés de borda a borda. O intento dos responsáveis a bordo foi plenamente obtido, a maré começou a vazar e até à próxima subida, deixara de haver perigo.
Durante a noite, foi levada para bordo um terno de estivadores, para alijar carga, se necessário, completamente, contanto que se conseguísse safá-lo. A manobra por estar bastante vaga e chover a cada passo, tornava-se difícil e arriscada, mas só ela permitiria safar o navio e salvá-lo, pelo que estavam a ser tomadas todas as medidas de segurança nesse sentido.
Entretanto, os arrastões bacalhoeiros Vianenses SENHOR DOS MAREANTES e SENHORA DAS CANDEIAS, que, depois de terem aliviado carga em Leixões, pairavam ao largo da barra, aguardando maré e sobretudo, que o DIONE deixasse de bloquear o canal de navegabilidade.
Tanto o Sr. Comandante Aragão, capitão do porto, como o patrão-mor e a corporação dos pilotos, estavam atentos a tudo quanto se passava e esperava-se que o sinistro se resolvesse sem mais percalços.
Dia 20 – Entretanto, o navio ainda se encontrava encalhado, mas a hipótese de o salvar, ainda prevalecia. As esperanças de o por a flutuar dependiam dos astros; é que se o tempo se mantivesse bonançoso, durante duas ou três semanas, até às chamadas marés grandes, haveria todas as possibilidades do DIONE se poder libertar das areias; mas se o mau tempo regressasse, poder-se-ia dar como certo que o navio seria arrastado contra o cais do Cabedelo e iria desfazer-se na praia. Árdua foi o trabalho do capitão do porto, de toda a corporação dos pilotos e restantes auxiliares durante três dias e três noites, em que ninguém descansou para salvar o navio.
Entretanto às duas horas da madrugada, os trabalhos recomeçaram com grande azáfama em toda a área portuária, porque se considerava como a última das actuais marés, a tentativa que se ia fazer.
Assim, precisamente às 5 horas, tudo estava a postos – os rebocadores RIO VEZ e o VANDOMA, este vindo, propositadamente de Leixões, com os cabos esticados, para, no momento preciso do pico da preia-mar, com os seus motores lançados a toda a força, tentarem, efectivar a flutuação. Para tanto, prosseguía o alijamento de toda a carga do porão da ré, por ternos que trabalhavam dia e noite, mas mais uma vez todos os esforços despendidos resultaram por inúteis; o navio mexia a proa e a ré, mas a meia-nau permanecia bem enterrada na areia e não se movia um palmo.
Durante quinze a trinta minutos, os esforços persistiam, mas, por fim, o capitão do porto e o piloto-mor, ordenaram que os trabalhos cessassem, porque a vazante já começara e já não havia esperanças de nada se conseguir fazer, tendo de se aguardar pelas marés grandes do principio do ano, novas tentativas para safar o DIONE.
Então, a ideia era continuar a alijar a carga da ré, até que essa parte do navio ficasse inteiramente vazia, e, depois, proceder-se-ia à revisão do fundo, no sentido de serem tapados os rombos ali existentes, mas toda a carga da proa seria mantida, pois sendo uma embarcação que, quando vazia, pende para a ré, havia toda a conveniência em manter toda a carga do porão de vante para estabelecer um maior equilíbrio e permitir mais facilmente a sua flutuação, quando se fizessem as novas tentativas de o safar.
Dia 23 – O caso do sinistro do navio-motor DIONE, acabou por ter um desfecho quase teatral, pois quando a maré atingia o seu ponto alto, aquele navio começou a navegar pelos seus próprios meios pelo estuário do rio Lima,
De bordo foi, imediatamente, chamada a atenção de terra e o capitão do porto ordenou ao rebocador RIO VEZ, que se dirigisse para junto do DIONE, a fim de lhe prestar a devida assistência, ao mesmo tempo que os bombeiros municipais, com moto bombas, se aprestavam para entrar a bordo, a fim de esgotar a água que se encontrava nos porões. Na preia-mar, cerca das 19 horas e meia, o DIONE foi trazido para o anteporto, com geral satisfação das poucas pessoas que presenciavam tão inesperado como sensacional acontecimento. O navio ficou acostado ao cais dos Estaleiros Navais, à espera que lancha de fiscalização NRP CORVINA, que se encontrava em fabricos, cedesse o seu lugar para que o DIONE entrasse em doca seca, a fim de ser vistoriado pela autoridade marítima e os rombos no seu fundo pudessem vir a ser colmatados.
Entre os vários acidentes ocorridos na barra, e muitos bastante trágicos com perda de valiosas vidas, caso do rebocador RIO VEZ e do salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL, além de vários barcos de pesca, houve o encalhe do navio balizador NRP ALMIRANTE SCHULTZ, em 1946, que ficou em seco em pleno canal de navegação e ainda o navio-motor alemão MARIAECK, em 1953, que arrombou ao embater em qualquer escolho próximo da barra.
Na ocasião, os jornais diários faziam eco da necessidade de dotar o porto de Viana do Castelo de um rebocador de potencia superior à do RIO VEZ e encaravam, igualmente o intrincado problema do assoreamento da barra do rio Lima, sobretudo promovendo-se um ritmo mais apressado às obras de quebramento das rochas e consequentes dragagens, não esquecendo o malfadado caso do cais do Cabedelo, grande responsável do muito, que então se tinha passado.
O DIONE, 61,6m/746tb, foi construído em 1951 pelos Estaleiros Navais de São Jacinto, Sarl, Aveiro, para a Empresa Continental de Navegação, Lda., Aveiro, que o empregou no tráfego costeiro nacional com eventuais escalas em Marrocos, Norte da Europa, Mediterrâneo e particularmente à Terra Nova, de onde trazia bacalhau curado para o Porto. Nos seus últimos tempos transportava apenas correio entre Leixões e os Açores/Madeira.
Fontes: Imprensa diária do Porto.

Rui Amaro

O rebocador RIO VEZ faz tentativas para safar o navio-motor DIONE. /(c) gravura de noticia de O Primeiro de Janeiro/.

O navio-motor DIONE largando do porto de Leixões em lastro a 09/10/1971. Note-se no referido caimento para ré. /(c) imagem de Rui Amaro/.

O navio balizador NRP ALMIRANTE SCHULTZ encalhado a meio da barra do porto de Viana do Castelo em 1946. /(c) gravura da noticia de O COMÉRCIO DO PORTO/.