Misteriosamente foram metidos a pique navios Portugueses, cuja acção não se podia atribuir às potências do “Eixo” mas muito possivelmente aos “Aliados”, pelo que o governo de Portugal acordou essa situação com os segundos passando a utilizar documentos “Navicerts” passados por aqueles, aliado à sinalização convencional para países neutros, já não poderiam argumentar engano ao afundar os navios Portugueses, que na opinião deles estavam a servir as forças Germânicas.
Em plena guerra mundial, motivado pela falta de unidades mercantes para fazer face à manutenção das trocas comerciais e ao abastecimento de produtos e bens essenciais à vida do país, ilhas adjacentes e colónias, foram adquiridos em segunda mão as seguintes unidades: SERPA PINTO, LUANGO, HUAMBO, BAILUNDO, LUGELA, BUZI e o minúsculo MICONDÓ pela C.C.N; SOFALA pela C.N.N. e o SETE CIDADES pela C.N.C.A. Para a compra dos navios de nacionalidade Alemã, devido à situação de guerra, teve de haver inteligente diplomacia do governo Português com “Berlim” e com os “Aliados” e sempre com uma difícil concordância daqueles beligerantes, caso da aquisição dos mais tarde denominados HUAMBO, BAILUNDO, LUGELA, BUZI, SOFALA e SETE CIDADES, os quais se encontravam refugiados e internados
Por ocasião das negociações estabelecidas para a aquisição dos vapores Alemães surtos
Perante a concordância destes, procedeu-se à repatriação dos marinheiros Alemães, que chegaram a Portugal nos paquetes MOUSINHO e QUANZA, seguindo por via terrestre até ao seu destino na Alemanha.
Vapor LUGELA (1) fundeado na Bacia do porto de Leixões, 14/04/1968 /(c) Foto de Rui Amaro/.
Além daquelas aquisições, o estaleiro do Alfeite lançava à água o NRP S. BRÁZ, petroleiro da Marinha de Guerra, que deu uma ajuda preciosa no fornecimento de combustíveis ao país e ainda os estaleiros da CUF, Lisboa, entregava à S.G. os navios-motor ALEXANDRE SILVA, COSTEIRO TERCEIRO e o SÃO MACÁRIO, além do vapor FOCA, ex inglês SIVA. Este último salvo de um encalhe na praia da Mina, a sul da Caparica. Operação, que pôs à prova a perícia e perseverança dos técnicos da A.G.P.L. muito especialmente do seu administrador, o Eng. Sá Nogueira, que dirigiu os trabalhos.
Salvo o vapor, e dentro das clausulas estipuladas no contrato, o armador J. T. Salvesen & Co., Grangemouth, decidiu abandona-lo a favor dos salvadores, contudo o SIVA, 74m/1.383tb, continuava sob pavilhão Inglês e, por motivos de guerra, havia relutância em admitir a sua transferência para a posse de um país neutro, mesmo que fosse amigo. Acontece, porém, que os Ingleses estavam bastante interessados na aquisição do rebocador COMANDANTE AFONSO DE CARVALHO, 24m/93tb, pertencente à Corporação dos Pilotos dos Portos do Douro e Leixões e que se encontrava à venda, mas que, por qualquer razão, lhes era de muita utilidade. Aproximadas, inteligentemente, pelo presidente da Junta Nacional da Marinha Mercante, Cmg Américo Deus Rodrigues Thomáz, estas duas transacções e feita depender a autorização para a segunda da realização da primeira, foi esta finalmente resolvida, hasteando o SIVA a bandeira Portuguesa. O navio foi adquirido em 08.05.1942 pela S.G., Lisboa, que o rebaptizou com o nome de FOCA.
A barca FOZ DO DOURO /(c) Foto de autor desconhecido/.
Deve-se notar ainda o lançamento à água do MARIANELA e do VILAS BOAS, além do aparecimento do SONAMI ex MAR AZUL, os três construídos em madeira, pertencentes a modestos armadores, entretanto perdidos por acidente, à excepção do segundo, que prevaleceu até 1948, altura em que foi convertido em navio da pesca do bacalhau. Além daqueles, houve a transformação de dois navios de vela para propulsão mecânica, o NACALA para a C.N.N. e o pequeno PORTUCALE para um módico armador e ainda a aquisição da bela e famosa barca de quatro mastros de grande porte FOZ DO DOURO, ex navio-escola da Marinha Mercante Sueca ABRAHAM RYDBERG (1) para o armador Júlio Ribeiro Campos, Porto. A cimenteira Secil adquiriu o pequeno vapor de carga MAREANTE, um ex vapor de pesca do arrasto, para o seu próprio tráfego, a que lhe deu o nome de OUTÃO, o qual teve a particularidade de transportar carga e servir de rebocador dos batelões da empresa. Também duas pequenas firmas, uma de Leixões e outra de Lisboa, adaptaram dois vapores de pesca do arrasto a vapores de carga, que se denominaram, respectivamente ALVAIAZERE e TRANSPORTADOR. Durante o conflito, foram lançados à água vários navios costeiros de velas e motor auxiliar, construídos em madeira, e ainda rebocadores e batelões.
Para reforçar o esforço de pesca foram construídos os navios e lugres-motor de pesca do bacalhau BISSAYA BARRETO (1), COMANDANTE TENREIRO (1), INÁCIO CUNHA (1), ELISABETH (1), PRIMEIRO NAVEGANTE, D, DENIZ, MARIA FREDERICO e VIRIATO; navios-motor da pesca de arrasto do bacalhau JOÃO CORTE REAL e ALVARO MARTINS HOMEM e ainda os navios-motor da pesca de arrasto do Cabo Branco ILHA GRACIOSA, ILHA DO FAIAL, ILHA DO CORVO, ILHA DAS FLORES e ILHA DO PICO, entre outros.
Ainda no período da guerra de 1939/45, pelo menos, perderam-se dois vapores de carga, três de pesca e um de cabotagem, cujo motivo foi acidente marítimo, que nada teve a ver com ataques das forças beligerantes.
Terminada a guerra, o célebre despacho nº 100 de 10.08.1945, o mais importante até aos nossos dias para o desenvolvimento da Marinha Mercante Nacional, promulgado pelo Ministro da Marinha, Cmg. Américo de Deus Rodrigues Thomaz, visando a reorganização e a renovação da marinha de comércio, que passou a ser dotada de um número bastante razoável de excelentes navios, como paquetes, navios de carga, petroleiros, rebocadores, etc. Situação idêntica foi desenvolvida nas pescas, fosse local, costeira ou longínqua (Cabo Branco ou Terra Nova/Groenlândia) e mesmo na Marinha de Guerra.
Embora Portugal permanecesse neutro, durante todo o percurso do conflito, uma medalha de bronze para condecorar o seu pessoal da marinha mercante e da pesca longínqua foi criada em 19.11,1951. Essa medalha, que na frente dizia “RECONHECIMENTO DA NAÇÃO” e no verso “MEDALHA COMEMORATIVA DO ESFORÇO DOS TRIPULANTES DOS NAVIOS MERCANTES DURANTE A GUERRA DE 1939/1945”, destinou-se a comemorar o esforço das respectivas tripulações e condecorá-las pelo seu patriotismo e espírito de sacrifício. Os membros das tripulações dos navios atacados ou afundados foram condecorados de imediato, como não podia deixar de ser.
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NAVIOS ATACADOS, AFUNDADOS OU MANDADOS PARAR
A navegação mercante para os portos do norte da Europa e do Mediterrâneo começava a diminuir, devido à situação de guerra e sobretudo aos campos de minas, particularmente junto dos portos dos países beligerantes.
Logo no inicio da guerra, o GONÇALO VELHO, que saíra da barra do Douro e atravessara a zona critica, escalando Londres, Roterdão e Ostende, exibindo em ambos os costados o seu nome e nacionalidade bem visível em letras grandes pintadas de branco alvinitente e ao centro a bandeira verde-rubro de Portugal, a fim de dar a conhecer a sua identidade neutral às forças beligerantes, era capitaneado pelo Comandante Ramos de Sousa, um português de Cabo Verde, que além de marinheiro era um distinto advogado.
Durante a travessia do estreito de Dover, eram recebidos dezenas de telegramas emitidos pelos postos costeiros e navios localizando minas nas proximidades, pelo que se navegava com as maiores precauções. Vasos de guerra e aviões em patrulha foram avistados às dezenas sem importunarem. Navegava durante a noite com todas as luzes acesas, reforço de projectores a iluminarem as bandeiras pintadas nos dois costados e na torre da agulha-padrão, o que não se passava com as embarcações das nações em conflito, que utilizavam iluminação reduzida ou navegavam em completa escuridão.
Quando o GONÇALO VELHO deixava a barra de Ostende, onde se fora abastecer de carvão, a fim de rumar ao rio Douro, foi visto um vapor Norueguês, que na sua esteira abandonava aquele porto belga, chocar com uma mina, acabando por se afundar, depois da respectiva tripulação ter sido salva.
Vapor GONÇALO VELHO /(c) colecção F. Cabral/.
ALPHA – ex Português IBO da C.N.N., Lisboa – Longo curso – 1907 – 62m/853tb – Soc. Luso Marítima Lda., Lisboa.
Ido de Lisboa, de onde zarpara na noite de 10.07.1940. com um carregamento de bananas para Liverpool, navegava o ALPHA perto de Brest, assinaladas, exuberantemente as bandeiras nacionais nos pontos convencionados e levava pintado de branco, em ambos os costados a palavra “Portugal”.
No dia 15, logo às 06h40, foi avistado uma aeronave militar, vindo de sueste, rumando ao navio, situação natural, dado que se estava a cruzar zona de guerra. Mais tarde às 08h20 dois aviões semelhantes sobrevoaram o navio e às 10h15 outros dois passaram na área e desapareceram. Todos aqueles aviões eram trimotores, pintados de verde-escuro, tendo uma cruz preta sobre fundo branco. Todos eles, porém, limitaram-se a observar o vapor Português, sem atacar, nem havia motivo para isso. Às 13h10 avistaram-se oito aviões iguais aos anteriores, que se dirigiram ao navio e, sem qualquer aviso, alvejaram-no sem dó nem piedade, com bombas e rajadas de metralhadora.
O capitão José Ferreira de Oliveira, dado tão insólito ataque, com o seu navio seriamente atingido e começando a arriar-se, tratou de o abandonar cerca das 15h00, na posição 48.51N e 06.43W. Logo que o navio principiou a submergir, os aviões afastaram-se e os náufragos nas baleeiras fizeram-se à costa, vendo o seu navio ir para o fundo do mar cerca das 18h00. Possivelmente o motivo do ataque, teria sido o transporte de bananas para um porto inimigo. Mais tarde foram auxiliados por uma chalupa de pesca francesa, que os rebocou para Audierne, donde regressaram a Portugal, passando por várias vicissitudes, próprios de um pais em guerra.
O ALPHA pertencia desde Fevereiro de 1940 à Soc. Luso Marítima, Lda., que o comprara à Companhia Nacional de Navegação. Era o antigo “IBO”, encomendado em 1907, pela Empreza Nacional de Navegação, ao estaleiro de Sir Raylton Dixon & Co., Ltd., Middlesborough. Fora construído para a cabotagem na costa de Moçambique e era gémeo do AMBRIZ lançado ao mar pelo mesmo estaleiro, a fim de servir os portos costeiros de Angola, Em 20.04.1918 o IBO passou a fazer parte da frota da Companhia Nacional de Navegação, sucessora e continuadora daquela empresa. Tinha um só mastro, cujos paus de carga serviam dois porões e as instalações da tripulação, ponte de comando, chaminé e máquina situavam-se na parte da popa. Há alguns anos realizava o tráfego na costa de Portugal, particularmente entre Lisboa e Douro/Leixões, onde era mais identificado pela designação de “navio da chuva”, dado que quando entrava a barra do Douro, raramente o céu não deixava de se toldar e começar a chover.
A 08.11.1940, em plena guerra mundial, o GONÇALO VELHO, capitaneado pelo Comandante Joel Madeira Lopes Gomes, encontrava-se
Desde as 12h21 desse dia, o GONÇALO VELHO vinha sendo perseguído pelo submarino Alemão U-47 comandado pelo famoso Kapitanleutnant Gunther Prien. Uma hora e meia mais tarde, a oitocentos metros de distância, ainda submerso, o capitão Alemão identificava o vapor. Às 13h58 na posição 52.30N e 17.30W, ao sudoeste da Irlanda, o vapor português foi surpreendido pelo comandante do submarino, que mandou disparar dois tiros de peça sobre o navio, obrigando-o a deter-se. Aproxima-se de seguida e, por meio de sinais de bandeiras, ordena para que sejam enviados para bordo do U-47 os documentos e manifestos de carga do navio
Com a tripulação a preparar-se para arriar a baleeira de bombordo, que deveria conduzir a documentação solicitada, o navio ficou posicionado com o costado de estibordo de través à vaga, manobra essa resultante do facto do vapor ter sido, repentinamente, impelido na direcção do submarino. Esse incidente inesperado assustou o capitão Alemão e levou-o a suspeitar que o comandante Joel Gomes pretendesse abalroar o submarino. Dá ordem imediata para se afastarem do vapor português e dispara mais dois tiros de peça contra o GONÇALO VELHO, o último do qual atingiu a sua proa, causando ligeiros danos. Examinados, finalmente os documentos e manifestos do GONÇALO VELHO levados para bordo do U-47 pelo imediato Armando Cordeiro, numa segunda travessia de baleeira e confirmada a legitimidade da carga do navio, o Comandante Joel Gomes recebeu o pedido de desculpas do seu colega Alemão, pelo incidente ocasionado e foi instruído para se afastar daquela zona e guardar estrito silêncio telegráfico.
Aceites aquelas condições, o GONÇALO VELHO retomou às 14h47 a sua rota para Leixões, onde entrou a 14 conduzido pelo prático Bento da Costa, sem mais percalços, notando-se um grande buraco à proa, por baixo do escovém de bombordo.
O Kapitanleutnant Gunther Prien, comandante do submarino U-47, antigo oficial da Marinha Mercante e às da “Kriegsmarine”, que em Outubro de 1939 afundou o couraçado inglês de 32.000 toneladas, HMS ROYAL OAK na sua base de Scapa Flow, tendo sido agraciado por esse facto, juntamente com a sua tripulação, por Adolphe Hitler, pereceu, juntamente com toda a tripulação, após afundamento do seu submarino U-47 através de cargas submarinas lançadas por duas corvetas da “Royal Navy” a 08.03.1941 ou seja quatro meses após o incidente com o GONÇALO VELHO.
O GONÇALO VELHO foi construído e completado em Março de 1913 pelo estaleiro Murdock & Murray Ltd., Port Glasgow, para o armador Watson Steamship Co., Ltd., Manchester, passando mais tarde pelos armadores Bromport Steamship Co., Ltd., Liverpool, e MacAndrews & Co., Ltd, Londres. Em 27.03.1928 foi adquirido, juntamente com o seu gémeo ANGRA, pelos Carregadores Açoreanos, Ponta Delgada, que o colocou na carreira dos Açores/Madeira/Continente para o norte da Europa. Em 1948 foi vendido à Sociedad de Navegacion Tenax SA, Panamá, conservando o mesmo nome e em 1949 foi adquirido pela Sté. Anonyne de Navegacion San Georgio, Basileia, passando a arvorar pavilhão Suíço com o nome de GENEROSO. Em 1953 foi vendido ao armador Italiano Gabbiano SRL., Veneza, mantendo o mesmo nome e a 25.07.1961 chegava a Viareggio onde foi desmantelado para sucata.
http://www.u47.org/english/u47_pri.asp?page=6
Fontes: Serão destacadas no último número do texto a publicar oportunamente.
Rui Amaro
Lugre-motor bacalhoeiro MARIA FREDERICO, no dia do seu lançamento à água na Gafanha da Nazaré, 1944 /Gravura de noticia de O Comércio do Porto/.