quinta-feira, 9 de julho de 2009

O PAQUETE “CUYABÁ” DA COMPANHIA DE NAVEGAÇÃO LLOYD BRASILEIRO (Património Nacional)



Paquete CUYABÁ /(C) Foto de autor desconhecido/.


A Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro fundada em 19/02/1890 e inicialmente disputando o tráfego de passageiros e carga da costa do Brasil e o serviço flúvio-marítimo do rio Amazonas, rotas essas, que mais tarde foram estendidas ao Mediterrâneo, Rio da Prata, Costa leste da América do Norte e Central, e ainda ao norte da Europa, e como não poderia deixar de ser Portugal também, escalando os portos de Lisboa e Leixões.

Durante os dois conflitos mundiais alguns navios da sua importante frota foram afundados pelos alemães, particularmente pelos famigerados “U-Boots” e em face dessas perdas o governo brasileiro apossou-se dos muitos navios mercantes internados em portos brasileiros devido à situação de guerra, tendo uma grande parte deles vindo a ser geridos e mais tarde a fazer parte da frota da Lloyd Brasileiro, dentre os quais o alemão HOHENSTAUFEN que se tornaria no CUYABÁ.

A Lloyd Brasileiro como outras companhias de navegação estrangeiras vocacionadas para o tráfego da emigração da Europa para o Brasil, nomeadamente a partir dos portos de Hamburgo, Le Havre, Leixões e Lisboa, país aquele que era muito demandado pelos emigrantes que procuravam ter uma vida mais desafogada e ainda pelo óptimo acolhimento prestado aos nacionais de outros países, também no período de 1922/26, a companhia escalava os Açores, com os seus paquetes, a fim de transportar para o Brasil, o grande fluxo de emigrantes açoreanos e o CUYABÁ era um desses paquetes. A esse serviço, a publicidade da época denominava-o da “Viagens ou Linha da Direitura”.



Paquete RUY BARBOSA demandando o porto de Leixões no inicio da década de 30. Perdeu-se por encalhe devido ao denso nevoeiro na praia de Pampelido, 3 mn ao norte de Leixões /Postal ilustrado local/.


CURVELLO mais tarde denominado de CANTUÁRIA GUIMARÃES e de SIQUEIRA CAMPOS; POCONÉ, BAGÉ, SANTARÉM, RUY BARBOSA, RAUL SOARES, ALMIRANTE ALEXANDRINO, ALMIRANTE JACEGUAY e mais um ou outro juntamente com o CUYABÁ faziam parte desses tráfegos. O RAUL SOARES era conhecido pelo “Chaminé e Safadesa” devido ao seu descomunal canudo.



Paquete BAGÉ fundeado na bacia do porto de Leixões /Postal ilustrado local da década de 30/.


O meu pai, um piloto da barra de Leixões, conduziu de entrada ou saída todos aqueles paquetes e ainda os vapores COMANDANTE LYRA, COMANDANTE PESSOA e alguns “Bombas” da série Nações das Américas, tipo LOIDE AMERICA, navios esses que tive a oportunidade de visitar, e alguns dos seus comandantes e oficiais eram naturais de Portugal. O BAGÉ teve como imediato Francisco Campos Evangelista, natural de Fão, concelho de Esposende, que mais tarde foi colega de meu pai, como piloto da barra da Corporação de Pilotos do Douro e Leixões, atingindo o importante posto de piloto-mor. Na minha actividade profissional na assistência a navios no porto de Leixões, também atendi o navio SANTO ANDRÉ do armador L. Figueiredo, Santos, da linha Manaus, Pará, Leixões, Norte da Europa, cujo capitão era natural de Gondomar, distrito do Porto, e também um meu tio-avô foi chefe de máquinas dos ITAS da Companhia Nacional de Navegação Costeira, Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, chegando a inspector daquela companhia e mais tarde parece ter ingressado no Lloyd Brasileiro.



Vapor COMANDANTE LYRA/COMANDANTE PESSÔA /(C) autor desconhecido/.



O navio-motor SANTO ANDRÉ demandando o porto de Leixões, finais da década de 60, procedente de Manaus, Ilhas do Amazonas e Belém do Pará /(c) Foto de Rui Amaro/.


Lembro-me, logo após o términos da 2ª guerra mundial, ter visto o paquete ALMIRANTE ALEXANDRINO vindo de Hamburgo, completamente cheio de passageiros emigrantes de nacionalidades nórdicas, na sua maioria alemã e polaca, embarcando em Leixões emigrantes portugueses destinados a terras acolhedoras dos “Brasis” entre os quais familiares meus que para lá (Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul) como os nórdicos foram refazer as suas vidas.



Um grupo de emigrantes alemães e austriacos a bordo do CUYABÁ, dos quais um deles é bisavô do Eng. Otto Triebe, que me disponibilizou a (c) foto tirada em 12/09/1921.


Muitas vezes visitei alguns desses navios e era engraçado quando se pedia aos tripulantes, bastante simpáticos, autorização para subir a bordo, as expressões eram as seguintes:

Eh patrício, será que se pode visitar seu navio!? Pode sim, visite navio à vontade, vire navio da proa para a popa, de boreste para bombordo, mas não leva navio para casa, não!

A Companhia Nacional de Navegação Costeira, que como o nome o diz, fazia o serviço de carga e passageiros em toda a costa do Brasil, e fora estabelecida em 1882, ainda com a razão social de Lage & Irmãos, por descendentes de um armador luso, emigrados no Brasil. Em 1942 foi estatizada e mais tarde integrada na Lloyd Brasileiro. Quanto a esta, que chegou a ser a maior armadora da América do Sul e das mais importantes a nível mundial, acabou por ser extinta em 15/10/1997 devido a problemas de insolvência, apesar da excelente e moderna frota que possuía, incluindo os navios da ex Companhia Nacional de Navegação Costeira, a da Cruz de Malta pintada na chaminé preta, entre os quais alguns excelentes paquetes.



Paquete ANA NERY /Postal da Cia. Nacional de Navegação Costeira/.



O CUYABÁ encalhado na penedia das Ilhas Berlengas /(c) Imagem de autor desconhecido - Colecção F. Cabral /.


O paquete CUYABÁ, 129m/6.489tb, entregue em 10/1906 como HOHENSTAUFEN pelo estaleiro Bremer Vulkan, Vegesack, para a Hamburg Amerika Linie, Hamburgo, destinado ao seu serviço de passageiros e carga para a linha da costa leste da América do Sul; 08/1914 internado pelos alemães no porto do Rio de Janeiro, devido à situação da 1ª guerra mundial; 01/06/1917 foi apossado pelo governo passando a chamar-se CUYABÁ, tendo a Lloyd Brasileiro sido incumbida da sua gestão; 1927 comprado pelos gestores e continuando na linha Brasil/Europa/Brasil com escalas regulares nos portos portugueses de Lisboa e Leixões; 27/07/1937 vindo do Norte da Europa para Lisboa, sofreu um grave encalhe na costa Portuguesa, mais propriamente nas Ilhas Berlengas, perto do porto piscatório de Peniche, devido ao denso nevoeiro, mais tarde foi assistido por vários vapores de pesca e posto a flutuar, tendo seguido para Lisboa sob assistência de um rebocador; 15/02/1941 devido à forte ondulação e à força eólica de ciclone e por se terem quebrado as duas amarras e mesmo com as máquinas a trabalhar a todo vapor, apesar das manobras orientadas pelo prático Tito dos Santos Marnoto, acabou por garrar e encalhar na bacia do porto de Leixões, quase se atravessando na entrada da então recém construída doca nº 1, mas ainda por inaugurar; 17/09/1942 o CUYABÁ juntamente com o BAGÉ zarparam do porto do Rio de Janeiro para o porto de Lisboa, transportado os embaixadores da Alemanha e da Itália, bem como demais funcionários diplomáticos e súbditos dos dois países, sem escolta, contudo nua seus costados levavam assinalados grandes dizeres que indiciavam a sua missão diplomática; 25/08/1943 o CUYABÁ sofreu um grave acidente, quando navegava em comboio naval durante a noite com as luzes apagadas, a fim de evitar os “U-boots”, juntamente com o SIQUEIRA CAMPOS sob escolta naval brasileira, tendo ambos sofrido graves rombos e avarias devido a colisão. Os dois paquetes rumaram de imediato para a costa. O CUYABÁ arribou ao porto de Fortaleza, onde foi varado numa praia. O SIQUEIRA CAMPOS foi fundear num baixio, junto a uma praia, no entanto dado que as bombas de bordo não davam vazão à entrada de água, acabou por ser abandonado, afundando-se no local onde ainda hoje parte da sua estrutura é visível; Pós-guerra o CUYABÁ passou a servir os portos da imensa costa do Brasil, não mais voltando a escalar Lisboa e Leixões; 1960 o nome foi alterado para CUIABÁ; 1963 vendido a sucateiros algures em qualquer porto brasileiro.



O CUYABÁ. após a sua reflutuação, atracado ao cais norte da nova doca nº 1 do porto de Leixões, antes da sua inaugurAção. Na imagem vê-se o rebocador GUADIANA e a draga ADOLPHO LOUREIRO dos Serviços Hidráulicos e ainda um vapor que julgo seja de nacionalidade grega /(c) Foto de autor desconhecido - Colecção F. Cabral/.



O LOIDE HAITY da série nações das Américas, tipo LOIDE AMERICA, demandando o porto de Leixões década de 50 /(c) FOTO MAR - LEIXÕES/.


Fontes: Miramar Ship Index; Imprensa diária; As Viagens da Direitura dos Açores ao Brasil 1922/26; Novo Milénio - Rota de Ouro e Prata; Os memoráveis ITAS – Cia Costeira, de Laire José Giraud.

http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=23483

http://www.comunidadesacorianas.org/artigo.php?id_artigo=56&idioma=PT

Rui Amaro