quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

RECORDANDO O NAUFRÁGIO DO NAVIO-MOTOR GREGO “AMETHYST” E O FATALISMO DO CHEFE DE MÁQUINAS COM O PORTO DE LEIXÕES



O desventurado AMETHYST é batido por mar sem fim / imagem de autor desconhecido /. 

01/02/1974
AMETHYST

A 31/01/1974, uma quinta-feira, pelas 17h00, vindo de uma consulta médica no Centro de Saúde da Foz, descia eu a Rua do Molhe, acompanhado de um amigo, quando deparo com um navio do tipo “Freedom” fundeado e muito fechado com o molhe de Carreiros (praia do Molhe), enquanto um bom número de navios de vários portes, que aguardavam entrada e cais no porto de Leixões, devido ao seu complicado congestionamento de então, suspendiam e faziam-se ao largo, apesar de estarem posicionados a uma distância razoável da costa, a fim de evitarem qualquer percalço, devido à agitação marítima, que recrudescia a cada momento e forte ventania e aguaceiros do quadrante oeste, situação ameaçadora de temporal.
Então, digo para o meu amigo. Aquele navio, bastante moderno, caso permaneça ali fundeado, olhando ao mau tempo, mar e vento, que se está a formar e à noite que se está a avizinhar, certamente que amanhã o vais ver naufragado contra o paredão de Carreiros. Certamente que as autoridades competentes, já devem ter alertado o comandante, para suspender e pôr-se a milhas da costa, e parece que assim procederam, só que o homem deixou-se por ali ficar, e de madrugada garrou de tal maneira, que não encostou ao dito paredão, mas a uns cem metros a norte, a bater na penedia da costa, nada lhe valendo os dois ferros na água.
Pelas 08h00 de sexta-feira, 01 de Fevereiro, quando saí de casa para ir trabalhar, noto que ainda havia bastante mar e vento, e um mar de gente a caminhar ou a olhar para norte, ali junto da barra do Douro, e digo cá para mim, o meu presságio deve-se ter confirmado, e confirmou-se, pois lá estava aquele “teimoso” navio já agonizante a balouçar e a bater-se contra as pedras, e quando me aproximei da zona do naufrágio, já se notavam brechas junto ao porão nº 5, a tripulação abrigada no tombadilho inferior a aguardar socorros, e já se via muito milho a espraiar-se pelos areais vizinhos
Várias corporações de bombeiros e a Cruz Vermelha acorreram ao local do naufrágio, e com os seus meios de salvamento, e a meio da praça 28 de Maio, escavavam o terreno para colocarem um género de paixão, ou seja uma grande estaca, para a partir desse lugar mais elevado estabelecerem o cabo de vaivém e pouco depois começaram a lançar foguetões a fim de estabelecerem contacto com o navio, a fim de resgatarem toda a tripulação, incluindo a esposa e a pequenita filha do chefe de máquinas, que viajavam no navio-motor Grego AMETHYST, assim era o seu nome, e da praça do Pireu. Cuja açcão dos bombeiros foi coroada de êxito.
Mal sabia eu, que o meu amigo Panagiotis Sigalas, um fatalista com o porto de Leixões, era o chefe de máquinas do navio naufragado. É que, no sábado, cerca das 10h00, quando eu caminhava na esplanada do Castelo da Foz, deparo com um casal e uma criança, e o marido a chamar por mim, e era, nada mais, nada menos do que o Panagiotis Sigalas, pai da pequenita Royla e marido de Sra. Efy, que foram protagonistas do naufrágio, e como mais náufragos, encontravam-se hospedados no Hotel da Boavista, ali perto. Depois das apresentações e indagando sobre o acidente, cheguei à conclusão, que o pessoal de quarto, na ponte do navio, possivelmente dois elementos, distraíram-se ou adormeceram mesmo, e quando deram por ela, já o navio estava a bater nas pedras, e nada havia a fazer, a não ser tratarem de se salvar. Casos como estes ocorrem muito por esses mares fora.
O chefe de máquinas, Panagiotis Sigalas, que eu conhecia de outras viagens em que viera a Leixões, particularmente no vapor Grego DIAMANDIS, sempre lhe surgiram problemas no porto nortenho.
Final de 1969 – Vindo de Belém do Pará e ilhas do Amazonas com toros de madeira, entrava em Leixões o vapor Grego DIAMANDIS, 130m/6.904tb, do armador A. Halcoussis & Co., Pireu, fretado pela Booth Steamship Co. Ltd. (Booth Line), Liverpool, e agenciado pela firma Garland, Laydley & Ca., Lda. Antes de ter completado a descarga e a entrega ao seu armador, a máquina deslocou-se do seu berço, ficando aquele vapor sem meios de propulsão e energia, pelo que após as operações de descarga e durante cerca de dois meses teve de mudar de acostagem várias vezes. Finalmente foi rebocado para Lisboa e alguns meses mais tarde foi vendido a sucateiros Espanhóis, tendo sido demolido em Cartagena em 1970. O DIAMANDIS já visitara o porto de Leixões por várias vezes.
O fatalismo do chefe de máquinas Panagiotis Sigalas, que nas suas escalas ao porto Leixões, apesar de ser Grego, ainda se viu mais Grego. Na sua primeira escala, embarcado num vapor de armamento Helénico, que fora adquirido à Booth Line, e que julgo que se denominava AKROGIALI, sofrera uma grande avaria na máquina. Mais tarde, vindo da Grécia de comboio, juntamente com vários marinheiros de nacionalidade Egípcia, da zona de Damieta, a fim de embarcarem no DIAMANDIS, como estes não apresentassem visto consular na fronteira de Vilar Formoso, ficaram retidos dois dias até à chegada dos vistos e aquele maquinista ficou a aguardar a resolução do assunto. O meu colega Fernando Marques dos Santos, no seu Austin Mini, foi-lhes levar os referidos vistos e meteu-os no comboio, só que uns vieram ter a Leixões e outros foram parar a Lisboa, onde andaram perdidos. O chefe de máquinas veio para Leixões com o Fernando Marques dos Santos, e com o mini, atulhado de bagagem.
Numa outra viagem de Roterdão para Belém do Pará, transportando adubos, o DIAMANDIS ao passar ao largo da costa Portuguesa, enfrentou maresia de ciclone e o seu chefe de máquinas, devido ao forte balanço, deu uma queda na casa da máquina, fracturando uma anca, pelo que o seu comandante resolveu rumar ao porto de Leixões para desembarcar o sinistrado, a fim de ser hospitalizado.
O autor do blogue e o seu colega Joaquim Neves foram na lancha dos pilotos ao encontro do vapor, que pairava ao largo, tendo aquele oficial desembarcado, com grande dificuldade, numa maca, que foi arriada para a lancha, e então foi de imediato transportado à Casa de Saúde da Boavista (Carcereira), onde ficou internado à volta de um mês, e ainda não totalmente curado, regressou de avião à Grécia, e eu não só como funcionário do agente consignatário do vapor DIAMANDIS, mas moralmente era visita assídua ao doente.

02/02/1974
NAUFRAGIO

Após cerca de quatro horas de angústia e intenso dramatismo, conseguiram ser salvas as 24 pessoas que se encontravam a bordo do navio-motor Grego AMETHYST, que ao fim da invernosa madrugada de ontem, 01/02, encalhou nas rochas, ali mesmo a poucos metros a norte do molhe de Carreiros, Praia do Molhe, na costa de Nevogilde.
Essa ansiedade dramática, qual expectativa trágica presente em toda a tripulação do navio e nas centenas de populares que, apesar das acicatadas bátegas, contemplavam o agonizante navio, foi sem dúvida, a nota mais dominante, mais aflitivamente sentida.
Pensou-se, na verdade, que para além do barco, se perderiam, sim as duas dúzias de vidas, ali palpitantes, tal era a fúria e braveza do mar. Fortemente encapelado, com alterosíssimas ondas a varrerem agrestemente a costa e a provocarem grandes balanços no navio, de tal ordem que, com a proa assente sobre o rochedo chegou a rodar cerca de 100 graus para sueste.
Como é natural o trágico acontecimento suscitou a atenção de milhares de curiosos que, durante todo o dia de ontem não deixavam de contemplar demoradamente os acicates do navio. E em muitos deles não deixou, até, de vir à lembrança o caso de outros barcos naufragados ainda há pouco tempo. Caso do VARNA e do SILVER VALLEY e, ainda recentemente, em Francelos, o MAURA.

O PRIMEIRO ALARME

O AMETHYST era um dos muitos navios que se encontravam ao largo de Leixões, na longa e penosa espera de acostagem. Chegara na quinta-feira, 31/01, às 00h30, tendo saído do Tejo no dia anterior.
Eram cerca das 06h30 de ontem, quando o barqueiro-fragateiro João Jesus Oliveira seguia frente à praia do Molhe juntamente com quatro colegas e se aperceberam da proximidade da costa em que se encontrava um grande navio. Suspeitando de encalhe, logo estabeleceu comunicação com “115”. O Comissário de serviço mandou sair imediatamente um carro-patrulha e uma ambulância, sendo prontamente comunicado às corporações de bombeiros.
Entretanto e bem próximo das 07h00, ter-se-á consumado o encalhe. Aquele marítimo disse que chegou mesmo a ouvir um forte estrondo, assistindo pouco depois a uma rotação do navio da ordem dos 100 graus.
Passava já das 08h00, quando começaram a chegar os Bombeiros Voluntários Portuenses, Porto, Matosinhos-Leça e de Leixões, e o Batalhão de Sapadores, estes com os seus homens-rãs. E, logo a falta de organização, a falta de um orientador para os trabalhos, tornou-se evidente. É que a boa vontade não basta. E a confusão ficou uma vez mais patente.
 Depois de demoradas tentativas em estabelecer a ligação terra-navio, já que os foguetões de lançamento não eram bem-sucedidos, finalmente às 09h00, um cabo havia ficado firme. Era assim estabelecida a ligação com o navio sinistrado e com ele esmorecia a angústia que atrozmente crepitava nos tripulantes, tal a investida constante das ondas, que trespassavam o navio de bordo a bordo.
O cabo de vaivém era sinal de salvamento. E, de facto, após o devido apetrechamento, findo a colocação de todo o material necessário à operação-salvamento, iniciou-se o resgate dos tripulantes que já haviam deixado o castelo da proa e aguardavam entre um dos porões da popa.

FINALMENTE A OPERAÇÃO SALVAMENTO

Cerca das 10h45, iniciava-se, efectivamente, a operação-salvamento, altura em que na praia era vasta a multidão que se acotovelava com ansiedade e notória expectativa. Registe-se aqui o valioso auxílio de muitos dos populares que tiveram também uma missão a desempenhar. Foram prestimosa ajuda nos trabalhos de salvamento, se bem que o amontoamento tivesse originado a intervenção da Policia de Segurança com algumas cacetadas.
Primeiramente seguiu para o navio um homem-rã do BSB, Joaquim Campos da Silva que de bordo passou a coordenar o desenrolar da operação-salvamento.
Foi depois, o 3º maquinista quem primeiro veio para terra, trazendo uma menina de 4 anos, Royla Sigalas, filha do chefe de máquinas Sr. Panagiotis Sigalas, ante os olhares expectantes dos presentes que ansiosamente aguardavam a vinda de toda a tripulação.
No olhar da criança e concomitante com a estranheza do que se lhe deparava, havia uma singular indiferença. A ingenuidade pueril.
Logo conduzidos a uma ambulância foram transportados ao Hotel da Boavista, situado junto ao castelo da Foz, onde viria a ficar instalada toda a tripulação.
A seguir foi a vez da mãe da Royla, Sra. Efy Sigalas, que na bóia-calção foi puxada para a praia. Olhar carregado, profundo e estupefacto, mal tocou a areia, interrogou-se sobre a filha e lá foi, também, transportada para o hotel.
Depois de cinco em cinco minutos, foram sendo resgatados os restantes elementos da tripulação puxados na bóia-calção presa a uma roldana que deslizava sobre um cabo de ligação mar-terra. Aqui exactamente, na operação de salvação, na força necessária ao deslizar da bóia, é que foi preciso a ajuda dos populares que com os bombeiros puxavam pelas guias, a fim de a boia-calção não mergulhar nas águas.

HÉLICOPTERO – PARA QUÊ!?

Entretanto, quando ainda se encontravam a bordo quatro tripulantes, chegou um helicóptero pedido, algumas horas antes, pelas autoridades marítimas, ao serviço de busca e salvamento do Ministério da Marinha. Eram 11h50, quando o helicóptero tocava no solo da praia. Embora viesse preparado com todo material necessário ao salvamento da tripulação do AMETHYST, é evidente que a sua acção era já dispensada. Saíra da base de Tancos às 10h00, quando afinal já decorria o transporte dos náufragos em direcção a terra. Convenhamos, entretanto, que mesmo atrasada a presença da gigantesca “abelha” não deixou de ser motivo de enorme espanto para a multidão presente. Só que de espanto… e se as condições de mar tivessem piorado, perigando mais intensamente as vidas dos tripulantes, seria tragicamente comprometedor o atraso verificado.

O ÙLTIMO TRIPULANTE A ABANDONAR O NAVIO

O último tripulante a abandonar o navio foi comandante Sr. Demokritus Kromydas, que sob o olhar da multidão manifestava perfeitamente o seu desespero, no rosto manchado e salpicado de água. Marcado pela angústia.
Rodeado pelas autoridades e representantes das firmas concessionárias quis esperar pela chegada do homem-rã, que ainda se encontrava no navio, mas depois cedeu e foi encaminhado também para o hotel onde pouco depois falou telefonicamente com o representante do armador. Pouco passava das treze horas.
Por fim, regressou a terra o homem-rã que foi, afinal, o orientador da operação.
A partir daqui a maioria das pessoas dissipou-se, não deixando no entanto de ser volumoso e constante o número de curiosos.

Um naufrago chega a terra trazido pelo cabo de vaivém / O Comercio do Porto /. 

DENTRO DE 24 HORAS O NAVIO FICARÁ ALQUEBRADO

Em conversa estabelecida com o Sr. Eduardo Augusto, funcionário da NAVEX, que bastante se empenhou no desenrolar dos trabalhos de salvamento, deu-nos conta de alguns pormenores sobre as ultimas comunicações estabelecidas com o navio.
- Entre as 06h30 e as 07h00, o comandante pediu socorro em V.H,F., mas depois ficou logo sem comunicação por falta de energia, utilizaram só a sirene e depois a comunicação foi estabelecida por morse luminoso. Às 07h00 foi quando fui avisado e logo que cheguei fiz todos os possíveis para comunicar com o navio por intermédio do megafone, mas não obtive qualquer resposta.
Mais adiantou:
- o rebocador MONTE DE S. BRÁS, ainda saiu e tentou a aproximação, mas já era impossível qualquer lançamento de cabo de reboque, devido à vaga estar a partir a milha e meia da costa.
Quanto às hipóteses de salvamento do navio são nulas, logo tendo em conta o seu encravamento nas rochas, o rombo a estibordo e, até, as próprias escotilhas de quatro porões, que se encontram destruídas.
Disseram-nos inclusivamente que dentro de 24 horas o barco ficará quebrado.
Quanto à carga, 3.000 toneladas de milho (das 10 com que o AMETHYST partira de Nova Orleães) pode adiantar-se que as hipóteses de recuperação são, também, bastante negativas. No entanto, tal como acontece com o combustível existente no navio, as condições do mar têm grande influência no andamento das tentativas de recuperação.

O PERIGO DA POLUIÇÃO

Perigo evidente é o de poluição marítima. O navio tem 122 toneladas de “Diesel” e 166 de “fuel” e dado a gravidade de rombo que existe a estibordo é grande o perigo de que se venha a espalhar nas águas parte deste combustível.
Hoje serão vistas as condições de possibilidade de extracção do referido combustível. Mas tudo isto depende das condições do mar.

QUAIS AS CAUSAS DO NAUFRÁGIO?
SÓ DAQUI A TRÊS DIAS AS RAZÕES EFECTIVAS

O AMETHYST procedente de Lisboa, onde havia deixado parte da carga que trazia da América, continha nos seus seis porões, três mil toneladas de milho, e encontrava-se fundeado a dois ferros a cerca de duas milhas náuticas da costa, ao largo de Leixões, em cujo porto deveria entrar hoje, por volta das 06h30. Oficialmente, desconhecem-se ainda as causas do encalhe, já que o comandante só hoje fará o usual “protesto de mar”.
Entretanto, não estará longe da verdade o facto de, com o mar verdadeiramente raivoso. Sob a quietude da madrugada ter, o barco, aos poucos, ter sido arrastado para a costa, garrando paulatinamente as unhas dos seus dois ferros. Máquinas talvez paradas, dificílimo seria ir contra a violência das ondas encapeladas.
Atirado contra as terríveis rochas da zona do antigo Aquário António Nobre, ali entre o Castelo do Queijo e a Esplanada 28 de Maio, foi depois levado ao longo da costa para a posição em que ficou definitivamente, a cerca de 50 metros do paredão do portinho de Carreiros. As hipóteses de resgate do navio parecem impossíveis e portanto, o AMETHYST será certamente, mais um dos barcos que apodrecem na costa portuguesa, após vir a ser considerado com uma “perda total constructiva” pelos peritos das seguradoras.

O AMETHYST passados algum tempo à espera do "camartelo" / Rui Amaro /.

A DEFICIENCIA DOS SERVIÇOS DE SOCORRO

Mais um encalhe na Foz. Na costa Portuguesa, a que não será alheio o congestionamento portuário.
E com ele avultam, de novo, as insuficiências e deficiências de um serviço devidamente apetrechado e desburocratizado a tal ponto de se conseguir aplicar os melhores meios para a imediata intervenção em acidentes desta gravidade.
Para além da falta de interacção tão necessária entre os elementos das várias corporações de bombeiros, o que mais saliente se tornou foi o grande atraso e consequente inutilidade (para além de dar nas vistas…) do helicóptero pedido logo pela manhã, quando as autoridades marítimas ao tomarem conhecimento do sinistro logo atenderam à evidente gravidade da situação. As ondas chegaram a varrer intrepidamente as tampas metálicas dos porões, passando por cima da tripulação que, encoletada, aguardava o inicio da operação-salvamento- Terão sido, na verdade, horas de inusitada angústia e desespero, para toda a tripulação.
Por parte do trabalho dos bombeiros não poderá passar em claro o foguetão lançado de sudeste, por elementos dos Bombeiros de Matosinhos-Leça e que não fora o facto de ter embatido contra o mastro, causaria, certamente, a morte de alguns tripulantes que nessa altura ainda se encontravam no castelo da proa.
Por outro lado, alguns dos homens-rãs que colaboraram nos trabalhos, foram a certa altura arrastados por uma enorme volta de mar junto daquela perigosíssima penedia, criando-se um certo pânico entre os presentes – pânico esse que só desapareceu, quando outra volta de mar os arremessou, de novo, à praia, com alguns ferimentos.
Um dos tripulantes chegou também a ser transportado ao hospital, por se ter ferido ligeiramente nas rochas, quando era transportado para terra. Depois de assistido, foi para o hotel.

29 NAVIOS AO LARGO DE LEIXÕES

Uma vez mais este trágico acidente marítimo, nos aflorou o problema do congestionamento do porto de Leixões, assunto tão batido e rebatido na imprensa, sobretudo no jornal “O Comércio do Porto”.
Este encalhe é também consequência, trágica consequência da superlotação do porto Leixonense, como facilmente se depreende.
Devido a esta insuficiência de Leixões, e também do estado de sempre, 29 navios mantinham-se fundeados ao largo do porto aguardando a possibilidade de atracação. Dadas as condições de tempo receia-se inclusivamente, que venham a ficar em sério perigo as dezenas de navios que fora do porto estão a ser fortemente sacudidas pela fúria das ondas e vento.
Entretanto, na Capitania do porto de Leixões mantém-se içada a bandeira preta, sinal indicativo de que o porto se encontra encerrado a todo o movimento, quer de entradas, quer de saídas.
O AMETHYST  e a enorme mole de curiosos / imagem de autor desconhecido /.

03/02/1974
ESPECTÁCULO Á BEIRA-MAR

Às primeiras horas da manhã de ontem, o porto de Leixões voltou a atrair a navegação dada a melhoria das condições marítimas.
Assim embora ainda se encontrem treze barcos ao largo, verificaram-se durante o dia de ontem 18 saídas e 12 entradas.
Tratando-se do fim de semana o publico acorreu e, maciças quantidades e não fora a alteração do tempo os esboços de engarrafamento nas largas Avenidas do Brasil e Montevideo, ter-se-iam tornado um verdadeiro pandemónio. A chuva e o vento forte que começou a soprar cerca das 16h00 foram de facto o grande “espantalho” dos mirones que apenas pelas janelas dos automóveis davam as olhadelas distantes para o mar. Para o navio encravado nas rochas. Perdido, apesar da sua “juventude”.
Efectivamente, embora haja já algumas companhias interessadas em salvar o navio, parece ser completamente impossível que o AMETHYST venha a adquirir a flutuabilidade. O enorme rombo existente no 5º porão e o estado fundo do navio que se encontra aluído, levam. com efeito, a todo o pessimismo. Praticamente só o desmantelamento se tornará possível.
Entretanto, para averiguar melhor as possibilidades exactas do navio ser salvo, chegam hoje ao Porto, alguns peritos Espanhóis e Holandeses.

O COMANDANTE VOLTOU AO NAVIO

Dado que as condições de mar melhoraram no dia de ontem, as autoridades marítimas autorizaram a ida a bordo do comandante, do imediato e de três inspectores que ontem chegaram ao Porto.
Com efeito, âs 12h30 o cabo de vaivém recomeçou a funcionar e a primeira pessoa a retornar ao navio foi exactamente o comandante, logo seguido do imediato. E dos três inspectores, Mr. Tarben Starge, representante do fretador, Mr. M. Senkan, da Salvage Association Inc, e um representante da companhia armadora. Durante largas horas estiveram a inspecionar a situação do navio e as possibilidades de trasfega do combustível que constitui, de momento, a principal preocupação.
Entretanto regressaram a terra, os inspectores, enquanto o comandante e restantes tripulantes, ainda se mantinham a bordo
Mais tarde, já depois, das 15h30, o chefe de máquinas foi também para bordo, seguindo-se depois dois bombeiros e outro tripulante.
Mais tarde, e aproveitando uma aberta de tempo, os tripulantes voltaram sobraçando alguns embrulhos de roupa, pois toda a tripulação encontra-se com indumentária de trabalho.
O comandante voltou a ser o último tripulante a abandonar o navio, regressando ao hotel.

O AMETHYST em agonia / imagem de autor desconhecido /.

MONTAGEM PARA A TRASFEGA DO COMBUSTIVEL

Durante toda a noite esteve ligado um projector dos Bombeiros Voluntários Portuenses, sobre o navio naufragado, por ordem da autoridade marítima e do representante do armador.
Quanto à operação de trasfega do combustível, foram logo pela manhã de ontem colocados no areal os tubos necessários para a extracção, tendo inclusivamente sido montado o cabo de vaivém necessário para a tubagem.
Para tal operação foi já pedida a colaboração do Bombeiros da Aguda que, ainda ontem à tarde, estiveram no local.
Devido ao agravamento atmosférico, pois do sol resplandecente da manhã se passou à nevoenta invernia, pela tarde não foi possível, ontem mesmo, estabelecer toda a montagem do sistema de trasfega. Às condições do mar de forte ondulação, não permitiram também a execução dos trabalhos e, hoje pela manhã, com o começo da baixa-mar, os bombeiros procurarão estabelecer toda a montagem levando para bordo bombas e o gerador. È claro se as condições de mar e tempo o permitirem.

MILHO ESPALHADO PELA PRAIA

As areias das praias vizinhas do naufrágio encontram-se coalhadas de milho que com a braveza do mar foi atirado para fora do porão nº 5, que juntamente com o porão nº 6 vinha carregado com 1.200 toneladas daquele cereal. A água penetrando no grande rombo ali existente encarregou-se de amarelar mais a praia.
Contava-se no local, que muitos populares trataram de encher sacas com milho, para alimento das suas aves galináceas, só que o milho fortemente molhado acabou por inchar no papo das aves e estas lá se foram.

UMA EXPERIENCIA MAIS EM OPERAÇÃO DE SALVAMENTO

Durante todo o dia de ontem, voltou a estar na praia do Molhe, o homem que no dia do acidente andou numa roda-viva constante e penosa, para levar a bom termo a operação de salvamento da tripulação. Trata-se do Sr. Eduardo Augusto, caixeiro de mar e funcionário superior da Navex-Empresa Portuguesa de Navegação, Sarl, consignatária do fretador do AMETHYST, funcionário, aquele, que conta já com uma larga experiencia em operações de salvamento, pois já conta com boas dezenas de tripulantes para cuja salvação muito contribuíra o seu afã.
Efectivamente, o Sr. Eduardo Augusto esteve no naufrágio do navio Bulgaro VARNA em 10/1958 e, também, em 12/1958 no encalhe do HERA, na Figueira da Foz.
De facto a sua experiência, denodo e aplicação ficaram bem demonstrados no seu labor diligente para que o naufrágio do AMETHYST não se tornasse em tragédia humana.
Para além disso é de registar o papel que o Sr. Eduardo Augusto tem, também, desempenhado nas informações dadas à imprensa. Sempre pronto e acolhedor quando qualquer jornalista lhe pede as “últimas”.


QUARTA VIAGEM DA MÃE E A PRIMEIRA DA FILHA

A meio da manhã de ontem e já com outro semblante, menos grave, mais sereno, muitos dos tripulantes do cargueiro naufragado debruçavam-se sobre a balaustrada da Esplanada 28 de Maio, contemplando a “casa” que a tão mau porto veio dar.
Lá estava também a Sra. Efy Sigalas que terá sido quem, mais agudamente fora atingida com a trágica situação. Os seus esgares eram, anteontem, uma boa amostra do desespero porque havia passado. O “Comércio do Porto” abordou-a e tendo como interprete, o tripulante chileno Onias Camus, tentou colher algumas informações sobre o seu espirito de emoção na altura do naufrágio:
E disse, que se sentira demasiadamente emocionada, porque nunca tinha passado por uma situação tão trágica. Mas tudo passou e estou muito agradecida à atenção dos Portugueses…O grande problema era a filha. Era a que a assustava. Esta era quarta viagem que a Sra. Efy fazia no AMETHYST. E será a última, certamente.
A pequenita “bambina”, para quem todo o drama não terá passado, talvez, duma brincadeira, brincadeira escusada e assustadiça, viajava pela primeira vez no AMETHYST. Havia embarcado em Hamburgo, para onde tinha seguido de avião, vinda da Grécia.
Em conversa estabelecida posteriormente com chefe de máquinas  Panagiotis Sigalas confirmava ao jornalista o que eu acima relatara  do seu fatalismo nas suas vindas a Leixões, e rematou esta era mais uma escala em Leixões e navio encalhou. Quando embarcar noutro navio, e que durante a viagem saiba que vamos para Leixões, forçosamente peço o desembarque!

Familia Sigalas na esplanada 28 de Maio / O Comércio do Porto /.
Οικογένεια Σιγάλας Παναγιώτης στη βεράντα May 28, Πόρτο, Πορτογαλία

07/02/1974
AMETHYST: SUCATA É O DESTINO MAIS CERTO

A partir da madrugada de ontem, deixou de existir na praia do Molhe, o AMETHYST na sua unidade. Quebrou-se em duas partes, conforme já na edição de “O Comércio do Porto” de ontem, já se havia previsto. Partiu sensivelmente a meia-nau, na região do porão nº 5, exactamente  pelo grande rombo que desde as primeiras horas ditou a morte do navio.
Com efeito. Cerca das 02h30, o rombo foi abrindo mais de estibordo para bombordo, sté que passados alguns momentos, a parte de vante, encontrava-se já bastante afastada da restante que se encontra fortemente cravada nas rochas e arqueada na zona da cabina de navegação.
Com a quebra, o AMETHYST, que estava com sensível inclinação  sobre bombordo, acabou por ficar horizontal, com a proa já assente  sobre o rochedo. Entretanto a vaga forte, vinda de noroeste, continuou pelo dia adiante, a acicatar o navio, arrastando aos poucos a parte da proa desagregada, elevando para mais de seis metros a distancia entre ambas as partes. Se a vaga continuar na mesma direcção e com a mesma fúria, a parte da frente do navio aproxima-se cada vez mais do molhe e da praia.
Durante o dia de ontem prosseguiram, entretanto os trabalhos de tratamento do “fuel” que se encontra na zona do porão nº 1, dado que não foi, de modo nenhum, permitida pelo tempo, a operação de trasfega desse carburante. Até às 14h00 e aproveitando o a baixa-mar, quatro bombeiros estiveram a bordo orientando a operação de tratamento.
Chegaram também a ser tratados com dispersante, três tanques de “fuel” da ré, tornando-se assim bstsnte menor o perigo de poluição.
Quanto aos mantimentos que constava existirem  a bordo (no frigorifico sobretudo) nada foi possível recuperar dado o estado de alagamento do navio. A água havia tomado  conta de tudo e então era queijo, batatas e hortaliças que boiavam na agua salgada.
Quanto à tripulação, ao fim da tarde de ontem partiram para Lisboa, com destino a Atenas os restantes tripulantes, a Sra. Efy Sigala e a filha Royla, ficando no Porto, apenas o comandante do navio.
Entretanto, estão prestes a seguir para Londres os inspectores da companhia de Seguros e do armador com o relatório acerca do sinistro, a fim de ser decidido o destino a dar ao AMETHYST, já que são inúmeros os sucateiros, não só de Lisboa como do Porto, interessados nos salvados.
Alguns dias depois, os salvados foram arrematados na base de “como está e onde está”, com todo o recheio ”visto e não visto”, e o desmantelamento lá se foi realizando, desaparecendo assim um excelente e belo navio do tipo “Freedom”, tipo de navio que veio substituir os velhos “LibertY” do tempo da Segunda Guerra Mundial, de construçcão Norte Americana.



Chávena do serviço de bordo do navio AMETHYST / colecção M. Alegre /.

NASCERA NO JAPÃO HÁ QUATRO ANOS

Navio de carga, imo 7023348/ 142,3m/ 10.006tb/ 14nós; 06/1970 entregue pelo estaleiro Ishikawajima - Harima Heavy Industries Co., Ltd. Tóquio, ao armador Pentilikon Shipping Co., SA, Pireu, gestores Faros Shpping Co, Ltd, Londres, para onde o comandante do AMETHYST estabeleceu contacto telefónico a fim de receber instruções.
Registe-se, entretanto, que anteriormente, tinha sido recebido um telegrama de Londres para o comandante não abandonar o navio, juntamente com outros elementos da tripulação, e este é o procedimento normal. É claro que o estado do mar e a inclinação do navio não permitia qualquer permanência a bordo.
A Navex-Empresa Portuguesa de Navegação, Sarl, era o agente do fretador, tendo a firma Kendall, Pinto Basto Lda, actuado como representante do Armador e do P & I Club.
A equipagem do AMETHYST era composta por indivíduos de várias nacionalidades embora a maioria fosse Grega. De facto enquanto o comandante, o imediato, o chefe de máquinas e mais 14 marinheiros eram da Grécia, o fogueiro era Chileno, o radiotelegrafista  Inglês e três marinheiros eram filipinos.
Fontes: extractos do jornal “O Comércio do Porto”, Loyd’s Register of Shipping
Rui Amaro


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ATTENTION. If there is anyone who thinks they have “copyrights” of any images/photos posted on this blog, should contact me immediately, in order I remove them, but will be sadness. However I appeal for your comprehension and authorizing the continuation of the same on this Blog, which will be very much appreciated.