O desventurado AMETHYST é batido por mar sem fim / imagem de autor desconhecido /.
01/02/1974
AMETHYST
A
31/01/1974, uma quinta-feira, pelas 17h00, vindo de uma consulta médica no
Centro de Saúde da Foz, descia eu a Rua do Molhe, acompanhado de um amigo,
quando deparo com um navio do tipo “Freedom” fundeado e muito fechado com o
molhe de Carreiros (praia do Molhe), enquanto um bom número de navios de vários
portes, que aguardavam entrada e cais no porto de Leixões, devido ao seu
complicado congestionamento de então, suspendiam e faziam-se ao largo, apesar
de estarem posicionados a uma distância razoável da costa, a fim de evitarem
qualquer percalço, devido à agitação marítima, que recrudescia a cada momento e
forte ventania e aguaceiros do quadrante oeste, situação ameaçadora de temporal.
Então,
digo para o meu amigo. Aquele navio, bastante moderno, caso permaneça ali
fundeado, olhando ao mau tempo, mar e vento, que se está a formar e à noite que
se está a avizinhar, certamente que amanhã o vais ver naufragado contra o
paredão de Carreiros. Certamente que as autoridades competentes, já devem ter
alertado o comandante, para suspender e pôr-se a milhas da costa, e parece que
assim procederam, só que o homem deixou-se por ali ficar, e de madrugada garrou
de tal maneira, que não encostou ao dito paredão, mas a uns cem metros a norte,
a bater na penedia da costa, nada lhe valendo os dois ferros na água.
Pelas
08h00 de sexta-feira, 01 de Fevereiro, quando saí de casa para ir trabalhar,
noto que ainda havia bastante mar e vento, e um mar de gente a caminhar ou a
olhar para norte, ali junto da barra do Douro, e digo cá para mim, o meu
presságio deve-se ter confirmado, e confirmou-se, pois lá estava aquele “teimoso”
navio já agonizante a balouçar e a bater-se contra as pedras, e quando me
aproximei da zona do naufrágio, já se notavam brechas junto ao porão nº 5, a
tripulação abrigada no tombadilho inferior a aguardar socorros, e já se via muito
milho a espraiar-se pelos areais vizinhos
Várias
corporações de bombeiros e a Cruz Vermelha acorreram ao local do naufrágio, e
com os seus meios de salvamento, e a meio da praça 28 de Maio, escavavam o
terreno para colocarem um género de paixão, ou seja uma grande estaca, para a
partir desse lugar mais elevado estabelecerem o cabo de vaivém e pouco depois
começaram a lançar foguetões a fim de estabelecerem contacto com o navio, a fim
de resgatarem toda a tripulação, incluindo a esposa e a pequenita filha do chefe
de máquinas, que viajavam no navio-motor Grego AMETHYST, assim era o seu nome,
e da praça do Pireu. Cuja açcão dos bombeiros foi coroada de êxito.
Mal
sabia eu, que o meu amigo Panagiotis Sigalas, um fatalista com o porto de
Leixões, era o chefe de máquinas do navio naufragado. É que, no sábado, cerca
das 10h00, quando eu caminhava na esplanada do Castelo da Foz, deparo com um
casal e uma criança, e o marido a chamar por mim, e era, nada mais, nada menos
do que o Panagiotis Sigalas, pai da pequenita Royla e marido de Sra. Efy, que
foram protagonistas do naufrágio, e como mais náufragos, encontravam-se hospedados
no Hotel da Boavista, ali perto. Depois das apresentações e indagando sobre o
acidente, cheguei à conclusão, que o pessoal de quarto, na ponte do navio,
possivelmente dois elementos, distraíram-se ou adormeceram mesmo, e quando
deram por ela, já o navio estava a bater nas pedras, e nada havia a fazer, a
não ser tratarem de se salvar. Casos como estes ocorrem muito por esses mares
fora.
O
chefe de máquinas, Panagiotis Sigalas, que eu conhecia de outras viagens em que
viera a Leixões, particularmente no vapor Grego DIAMANDIS, sempre lhe surgiram
problemas no porto nortenho.
Final
de 1969 – Vindo de Belém do Pará e ilhas do Amazonas com toros de madeira,
entrava em Leixões o vapor Grego DIAMANDIS, 130m/6.904tb, do armador A.
Halcoussis & Co., Pireu, fretado pela Booth Steamship Co. Ltd. (Booth Line),
Liverpool, e agenciado pela firma Garland, Laydley & Ca., Lda. Antes de ter
completado a descarga e a entrega ao seu armador, a máquina deslocou-se do seu
berço, ficando aquele vapor sem meios de propulsão e energia, pelo que após as
operações de descarga e durante cerca de dois meses teve de mudar de acostagem
várias vezes. Finalmente foi rebocado para Lisboa e alguns meses mais tarde foi
vendido a sucateiros Espanhóis, tendo sido demolido em Cartagena em 1970. O DIAMANDIS
já visitara o porto de Leixões por várias vezes.
O
fatalismo do chefe de máquinas Panagiotis Sigalas, que nas suas escalas ao
porto Leixões, apesar de ser Grego, ainda se viu mais Grego. Na sua primeira
escala, embarcado num vapor de armamento Helénico, que fora adquirido à Booth
Line, e que julgo que se denominava AKROGIALI, sofrera uma grande avaria na
máquina. Mais tarde, vindo da Grécia de comboio, juntamente com vários
marinheiros de nacionalidade Egípcia, da zona de Damieta, a fim de embarcarem
no DIAMANDIS, como estes não apresentassem visto consular na fronteira de Vilar
Formoso, ficaram retidos dois dias até à chegada dos vistos e aquele maquinista
ficou a aguardar a resolução do assunto. O meu colega Fernando Marques dos
Santos, no seu Austin Mini, foi-lhes levar os referidos vistos e meteu-os no
comboio, só que uns vieram ter a Leixões e outros foram parar a Lisboa, onde
andaram perdidos. O chefe de máquinas veio para Leixões com o Fernando Marques
dos Santos, e com o mini, atulhado de bagagem.
Numa
outra viagem de Roterdão para Belém do Pará, transportando adubos, o DIAMANDIS
ao passar ao largo da costa Portuguesa, enfrentou maresia de ciclone e o seu
chefe de máquinas, devido ao forte balanço, deu uma queda na casa da máquina,
fracturando uma anca, pelo que o seu comandante resolveu rumar ao porto de
Leixões para desembarcar o sinistrado, a fim de ser hospitalizado.
O
autor do blogue e o seu colega Joaquim Neves foram na lancha dos pilotos ao
encontro do vapor, que pairava ao largo, tendo aquele oficial desembarcado, com
grande dificuldade, numa maca, que foi arriada para a lancha, e então foi de
imediato transportado à Casa de Saúde da Boavista (Carcereira), onde ficou
internado à volta de um mês, e ainda não totalmente curado, regressou de avião
à Grécia, e eu não só como funcionário do agente consignatário do vapor
DIAMANDIS, mas moralmente era visita assídua ao doente.
02/02/1974
NAUFRAGIO
Após
cerca de quatro horas de angústia e intenso dramatismo, conseguiram ser salvas
as 24 pessoas que se encontravam a bordo do navio-motor Grego AMETHYST, que ao
fim da invernosa madrugada de ontem, 01/02, encalhou nas rochas, ali mesmo a
poucos metros a norte do molhe de Carreiros, Praia do Molhe, na costa de
Nevogilde.
Essa
ansiedade dramática, qual expectativa trágica presente em toda a tripulação do
navio e nas centenas de populares que, apesar das acicatadas bátegas,
contemplavam o agonizante navio, foi sem dúvida, a nota mais dominante, mais
aflitivamente sentida.
Pensou-se,
na verdade, que para além do barco, se perderiam, sim as duas dúzias de vidas,
ali palpitantes, tal era a fúria e braveza do mar. Fortemente encapelado, com
alterosíssimas ondas a varrerem agrestemente a costa e a provocarem grandes
balanços no navio, de tal ordem que, com a proa assente sobre o rochedo chegou
a rodar cerca de 100 graus para sueste.
Como
é natural o trágico acontecimento suscitou a atenção de milhares de curiosos
que, durante todo o dia de ontem não deixavam de contemplar demoradamente os
acicates do navio. E em muitos deles não deixou, até, de vir à lembrança o caso
de outros barcos naufragados ainda há pouco tempo. Caso do VARNA e do SILVER
VALLEY e, ainda recentemente, em Francelos, o MAURA.
O PRIMEIRO ALARME
O
AMETHYST era um dos muitos navios que se encontravam ao largo de Leixões, na
longa e penosa espera de acostagem. Chegara na quinta-feira, 31/01, às 00h30,
tendo saído do Tejo no dia anterior.
Eram
cerca das 06h30 de ontem, quando o barqueiro-fragateiro João Jesus Oliveira
seguia frente à praia do Molhe juntamente com quatro colegas e se aperceberam
da proximidade da costa em que se encontrava um grande navio. Suspeitando de
encalhe, logo estabeleceu comunicação com “115”. O Comissário de serviço mandou
sair imediatamente um carro-patrulha e uma ambulância, sendo prontamente
comunicado às corporações de bombeiros.
Entretanto
e bem próximo das 07h00, ter-se-á consumado o encalhe. Aquele marítimo disse
que chegou mesmo a ouvir um forte estrondo, assistindo pouco depois a uma
rotação do navio da ordem dos 100 graus.
Passava
já das 08h00, quando começaram a chegar os Bombeiros Voluntários Portuenses, Porto,
Matosinhos-Leça e de Leixões, e o Batalhão de Sapadores, estes com os seus
homens-rãs. E, logo a falta de organização, a falta de um orientador para os trabalhos,
tornou-se evidente. É que a boa vontade não basta. E a confusão ficou uma vez
mais patente.
Depois de demoradas tentativas em estabelecer
a ligação terra-navio, já que os foguetões de lançamento não eram
bem-sucedidos, finalmente às 09h00, um cabo havia ficado firme. Era assim
estabelecida a ligação com o navio sinistrado e com ele esmorecia a angústia
que atrozmente crepitava nos tripulantes, tal a investida constante das ondas,
que trespassavam o navio de bordo a bordo.
O
cabo de vaivém era sinal de salvamento. E, de facto, após o devido
apetrechamento, findo a colocação de todo o material necessário à operação-salvamento,
iniciou-se o resgate dos tripulantes que já haviam deixado o castelo da proa e
aguardavam entre um dos porões da popa.
FINALMENTE A OPERAÇÃO SALVAMENTO
Cerca
das 10h45, iniciava-se, efectivamente, a operação-salvamento, altura em que na
praia era vasta a multidão que se acotovelava com ansiedade e notória
expectativa. Registe-se aqui o valioso auxílio de muitos dos populares que
tiveram também uma missão a desempenhar. Foram prestimosa ajuda nos trabalhos
de salvamento, se bem que o amontoamento tivesse originado a intervenção da
Policia de Segurança com algumas cacetadas.
Primeiramente
seguiu para o navio um homem-rã do BSB, Joaquim Campos da Silva que de bordo
passou a coordenar o desenrolar da operação-salvamento.
Foi
depois, o 3º maquinista quem primeiro veio para terra, trazendo uma menina de 4
anos, Royla Sigalas, filha do chefe de máquinas Sr. Panagiotis Sigalas, ante os
olhares expectantes dos presentes que ansiosamente aguardavam a vinda de toda a
tripulação.
No
olhar da criança e concomitante com a estranheza do que se lhe deparava, havia
uma singular indiferença. A ingenuidade pueril.
Logo
conduzidos a uma ambulância foram transportados ao Hotel da Boavista, situado
junto ao castelo da Foz, onde viria a ficar instalada toda a tripulação.
A
seguir foi a vez da mãe da Royla, Sra. Efy Sigalas, que na bóia-calção foi puxada
para a praia. Olhar carregado, profundo e estupefacto, mal tocou a areia,
interrogou-se sobre a filha e lá foi, também, transportada para o hotel.
Depois
de cinco em cinco minutos, foram sendo resgatados os restantes elementos da
tripulação puxados na bóia-calção presa a uma roldana que deslizava sobre um
cabo de ligação mar-terra. Aqui exactamente, na operação de salvação, na força
necessária ao deslizar da bóia, é que foi preciso a ajuda dos populares que com
os bombeiros puxavam pelas guias, a fim de a boia-calção não mergulhar nas
águas.
HÉLICOPTERO – PARA QUÊ!?
Entretanto,
quando ainda se encontravam a bordo quatro tripulantes, chegou um helicóptero
pedido, algumas horas antes, pelas autoridades marítimas, ao serviço de busca e
salvamento do Ministério da Marinha. Eram 11h50, quando o helicóptero tocava no
solo da praia. Embora viesse preparado com todo material necessário ao
salvamento da tripulação do AMETHYST, é evidente que a sua acção era já
dispensada. Saíra da base de Tancos às 10h00, quando afinal já decorria o
transporte dos náufragos em direcção a terra. Convenhamos, entretanto, que
mesmo atrasada a presença da gigantesca “abelha” não deixou de ser motivo de
enorme espanto para a multidão presente. Só que de espanto… e se as condições
de mar tivessem piorado, perigando mais intensamente as vidas dos tripulantes,
seria tragicamente comprometedor o atraso verificado.
O ÙLTIMO TRIPULANTE A ABANDONAR O NAVIO
O
último tripulante a abandonar o navio foi comandante Sr. Demokritus Kromydas,
que sob o olhar da multidão manifestava perfeitamente o seu desespero, no rosto
manchado e salpicado de água. Marcado pela angústia.
Rodeado
pelas autoridades e representantes das firmas concessionárias quis esperar pela
chegada do homem-rã, que ainda se encontrava no navio, mas depois cedeu e foi
encaminhado também para o hotel onde pouco depois falou telefonicamente com o
representante do armador. Pouco passava das treze horas.
Por
fim, regressou a terra o homem-rã que foi, afinal, o orientador da operação.
A
partir daqui a maioria das pessoas dissipou-se, não deixando no entanto de ser
volumoso e constante o número de curiosos.
Um naufrago chega a terra trazido pelo cabo de vaivém / O Comercio do Porto /.
DENTRO DE 24 HORAS O NAVIO FICARÁ
ALQUEBRADO
Em
conversa estabelecida com o Sr. Eduardo Augusto, funcionário da NAVEX, que
bastante se empenhou no desenrolar dos trabalhos de salvamento, deu-nos conta
de alguns pormenores sobre as ultimas comunicações estabelecidas com o navio.
-
Entre as 06h30 e as 07h00, o comandante pediu socorro em V.H,F., mas depois
ficou logo sem comunicação por falta de energia, utilizaram só a sirene e
depois a comunicação foi estabelecida por morse luminoso. Às 07h00 foi quando
fui avisado e logo que cheguei fiz todos os possíveis para comunicar com o
navio por intermédio do megafone, mas não obtive qualquer resposta.
Mais
adiantou:
-
o rebocador MONTE DE S. BRÁS, ainda saiu e tentou a aproximação, mas já era
impossível qualquer lançamento de cabo de reboque, devido à vaga estar a partir
a milha e meia da costa.
Quanto
às hipóteses de salvamento do navio são nulas, logo tendo em conta o seu
encravamento nas rochas, o rombo a estibordo e, até, as próprias escotilhas de
quatro porões, que se encontram destruídas.
Disseram-nos
inclusivamente que dentro de 24 horas o barco ficará quebrado.
Quanto
à carga, 3.000 toneladas de milho (das 10 com que o AMETHYST partira de Nova
Orleães) pode adiantar-se que as hipóteses de recuperação são, também, bastante
negativas. No entanto, tal como acontece com o combustível existente no navio,
as condições do mar têm grande influência no andamento das tentativas de
recuperação.
O PERIGO DA POLUIÇÃO
Perigo
evidente é o de poluição marítima. O navio tem 122 toneladas de “Diesel” e 166
de “fuel” e dado a gravidade de rombo que existe a estibordo é grande o perigo
de que se venha a espalhar nas águas parte deste combustível.
Hoje
serão vistas as condições de possibilidade de extracção do referido
combustível. Mas tudo isto depende das condições do mar.
QUAIS AS CAUSAS DO NAUFRÁGIO?
SÓ DAQUI A TRÊS DIAS AS RAZÕES EFECTIVAS
O
AMETHYST procedente de Lisboa, onde havia deixado parte da carga que trazia da
América, continha nos seus seis porões, três mil toneladas de milho, e
encontrava-se fundeado a dois ferros a cerca de duas milhas náuticas da costa,
ao largo de Leixões, em cujo porto deveria entrar hoje, por volta das 06h30.
Oficialmente, desconhecem-se ainda as causas do encalhe, já que o comandante só
hoje fará o usual “protesto de mar”.
Entretanto,
não estará longe da verdade o facto de, com o mar verdadeiramente raivoso. Sob
a quietude da madrugada ter, o barco, aos poucos, ter sido arrastado para a
costa, garrando paulatinamente as unhas dos seus dois ferros. Máquinas talvez
paradas, dificílimo seria ir contra a violência das ondas encapeladas.
Atirado
contra as terríveis rochas da zona do antigo Aquário António Nobre, ali entre o
Castelo do Queijo e a Esplanada 28 de Maio, foi depois levado ao longo da costa
para a posição em que ficou definitivamente, a cerca de 50 metros do paredão do
portinho de Carreiros. As hipóteses de resgate do navio parecem impossíveis e
portanto, o AMETHYST será certamente, mais um dos barcos que apodrecem na costa
portuguesa, após vir a ser considerado com uma “perda total constructiva” pelos
peritos das seguradoras.
O AMETHYST passados algum tempo à espera do "camartelo" / Rui Amaro /.
A DEFICIENCIA DOS SERVIÇOS DE SOCORRO
Mais
um encalhe na Foz. Na costa Portuguesa, a que não será alheio o
congestionamento portuário.
E
com ele avultam, de novo, as insuficiências e deficiências de um serviço
devidamente apetrechado e desburocratizado a tal ponto de se conseguir aplicar
os melhores meios para a imediata intervenção em acidentes desta gravidade.
Para
além da falta de interacção tão necessária entre os elementos das várias
corporações de bombeiros, o que mais saliente se tornou foi o grande atraso e
consequente inutilidade (para além de dar nas vistas…) do helicóptero pedido
logo pela manhã, quando as autoridades marítimas ao tomarem conhecimento do
sinistro logo atenderam à evidente gravidade da situação. As ondas chegaram a
varrer intrepidamente as tampas metálicas dos porões, passando por cima da
tripulação que, encoletada, aguardava o inicio da operação-salvamento- Terão
sido, na verdade, horas de inusitada angústia e desespero, para toda a tripulação.
Por
parte do trabalho dos bombeiros não poderá passar em claro o foguetão lançado
de sudeste, por elementos dos Bombeiros de Matosinhos-Leça e que não fora o
facto de ter embatido contra o mastro, causaria, certamente, a morte de alguns
tripulantes que nessa altura ainda se encontravam no castelo da proa.
Por
outro lado, alguns dos homens-rãs que colaboraram nos trabalhos, foram a certa
altura arrastados por uma enorme volta de mar junto daquela perigosíssima
penedia, criando-se um certo pânico entre os presentes – pânico esse que só
desapareceu, quando outra volta de mar os arremessou, de novo, à praia, com
alguns ferimentos.
Um
dos tripulantes chegou também a ser transportado ao hospital, por se ter ferido
ligeiramente nas rochas, quando era transportado para terra. Depois de
assistido, foi para o hotel.
29 NAVIOS AO LARGO DE LEIXÕES
Uma
vez mais este trágico acidente marítimo, nos aflorou o problema do
congestionamento do porto de Leixões, assunto tão batido e rebatido na
imprensa, sobretudo no jornal “O Comércio do Porto”.
Este
encalhe é também consequência, trágica consequência da superlotação do porto
Leixonense, como facilmente se depreende.
Devido
a esta insuficiência de Leixões, e também do estado de sempre, 29 navios
mantinham-se fundeados ao largo do porto aguardando a possibilidade de atracação.
Dadas as condições de tempo receia-se inclusivamente, que venham a ficar em
sério perigo as dezenas de navios que fora do porto estão a ser fortemente
sacudidas pela fúria das ondas e vento.
Entretanto, na Capitania do porto de Leixões mantém-se içada a bandeira preta, sinal indicativo de que o porto se encontra encerrado a todo o movimento, quer de entradas, quer de saídas.
Entretanto, na Capitania do porto de Leixões mantém-se içada a bandeira preta, sinal indicativo de que o porto se encontra encerrado a todo o movimento, quer de entradas, quer de saídas.
O AMETHYST e a enorme mole de curiosos / imagem de autor desconhecido /.
03/02/1974
ESPECTÁCULO Á BEIRA-MAR
Às
primeiras horas da manhã de ontem, o porto de Leixões voltou a atrair a
navegação dada a melhoria das condições marítimas.
Assim
embora ainda se encontrem treze barcos ao largo, verificaram-se durante o dia
de ontem 18 saídas e 12 entradas.
Tratando-se
do fim de semana o publico acorreu e, maciças quantidades e não fora a
alteração do tempo os esboços de engarrafamento nas largas Avenidas do Brasil e
Montevideo, ter-se-iam tornado um verdadeiro pandemónio. A chuva e o vento
forte que começou a soprar cerca das 16h00 foram de facto o grande “espantalho”
dos mirones que apenas pelas janelas dos automóveis davam as olhadelas
distantes para o mar. Para o navio encravado nas rochas. Perdido, apesar da sua
“juventude”.
Efectivamente,
embora haja já algumas companhias interessadas em salvar o navio, parece ser
completamente impossível que o AMETHYST venha a adquirir a flutuabilidade. O
enorme rombo existente no 5º porão e o estado fundo do navio que se encontra aluído,
levam. com efeito, a todo o pessimismo. Praticamente só o desmantelamento se
tornará possível.
Entretanto,
para averiguar melhor as possibilidades exactas do navio ser salvo, chegam hoje
ao Porto, alguns peritos Espanhóis e Holandeses.
O COMANDANTE VOLTOU AO NAVIO
Dado
que as condições de mar melhoraram no dia de ontem, as autoridades marítimas autorizaram
a ida a bordo do comandante, do imediato e de três inspectores que ontem
chegaram ao Porto.
Com
efeito, âs 12h30 o cabo de vaivém recomeçou a funcionar e a primeira pessoa a
retornar ao navio foi exactamente o comandante, logo seguido do imediato. E dos
três inspectores, Mr. Tarben Starge, representante do fretador, Mr. M. Senkan,
da Salvage Association Inc, e um representante da companhia armadora. Durante
largas horas estiveram a inspecionar a situação do navio e as possibilidades de
trasfega do combustível que constitui, de momento, a principal preocupação.
Entretanto
regressaram a terra, os inspectores, enquanto o comandante e restantes
tripulantes, ainda se mantinham a bordo
Mais
tarde, já depois, das 15h30, o chefe de máquinas foi também para bordo,
seguindo-se depois dois bombeiros e outro tripulante.
Mais
tarde, e aproveitando uma aberta de tempo, os tripulantes voltaram sobraçando
alguns embrulhos de roupa, pois toda a tripulação encontra-se com indumentária
de trabalho.
O
comandante voltou a ser o último tripulante a abandonar o navio, regressando ao
hotel.
O AMETHYST em agonia / imagem de autor desconhecido /. |
MONTAGEM PARA A TRASFEGA DO COMBUSTIVEL
Durante
toda a noite esteve ligado um projector dos Bombeiros Voluntários Portuenses,
sobre o navio naufragado, por ordem da autoridade marítima e do representante
do armador.
Quanto
à operação de trasfega do combustível, foram logo pela manhã de ontem colocados
no areal os tubos necessários para a extracção, tendo inclusivamente sido
montado o cabo de vaivém necessário para a tubagem.
Para
tal operação foi já pedida a colaboração do Bombeiros da Aguda que, ainda ontem
à tarde, estiveram no local.
Devido
ao agravamento atmosférico, pois do sol resplandecente da manhã se passou à
nevoenta invernia, pela tarde não foi possível, ontem mesmo, estabelecer toda a
montagem do sistema de trasfega. Às condições do mar de forte ondulação, não
permitiram também a execução dos trabalhos e, hoje pela manhã, com o começo da
baixa-mar, os bombeiros procurarão estabelecer toda a montagem levando para
bordo bombas e o gerador. È claro se as condições de mar e tempo o permitirem.
MILHO ESPALHADO PELA PRAIA
As
areias das praias vizinhas do naufrágio encontram-se coalhadas de milho que com
a braveza do mar foi atirado para fora do porão nº 5, que juntamente com o porão
nº 6 vinha carregado com 1.200 toneladas daquele cereal. A água penetrando no
grande rombo ali existente encarregou-se de amarelar mais a praia.
Contava-se
no local, que muitos populares trataram de encher sacas com milho, para
alimento das suas aves galináceas, só que o milho fortemente molhado acabou por
inchar no papo das aves e estas lá se foram.
UMA EXPERIENCIA MAIS EM OPERAÇÃO DE
SALVAMENTO
Durante
todo o dia de ontem, voltou a estar na praia do Molhe, o homem que no dia do
acidente andou numa roda-viva constante e penosa, para levar a bom termo a
operação de salvamento da tripulação. Trata-se do Sr. Eduardo Augusto, caixeiro
de mar e funcionário superior da Navex-Empresa Portuguesa de Navegação, Sarl,
consignatária do fretador do AMETHYST, funcionário, aquele, que conta já com
uma larga experiencia em operações de salvamento, pois já conta com boas
dezenas de tripulantes para cuja salvação muito contribuíra o seu afã.
Efectivamente,
o Sr. Eduardo Augusto esteve no naufrágio do navio Bulgaro VARNA em 10/1958 e,
também, em 12/1958 no encalhe do HERA, na Figueira da Foz.
De
facto a sua experiência, denodo e aplicação ficaram bem demonstrados no seu
labor diligente para que o naufrágio do AMETHYST não se tornasse em tragédia
humana.
Para
além disso é de registar o papel que o Sr. Eduardo Augusto tem, também,
desempenhado nas informações dadas à imprensa. Sempre pronto e acolhedor quando
qualquer jornalista lhe pede as “últimas”.
QUARTA VIAGEM DA MÃE E A PRIMEIRA DA
FILHA
A
meio da manhã de ontem e já com outro semblante, menos grave, mais sereno,
muitos dos tripulantes do cargueiro naufragado debruçavam-se sobre a
balaustrada da Esplanada 28 de Maio, contemplando a “casa” que a tão mau porto
veio dar.
Lá
estava também a Sra. Efy Sigalas que terá sido quem, mais agudamente fora
atingida com a trágica situação. Os seus esgares eram, anteontem, uma boa
amostra do desespero porque havia passado. O “Comércio do Porto” abordou-a e
tendo como interprete, o tripulante chileno Onias Camus, tentou colher algumas
informações sobre o seu espirito de emoção na altura do naufrágio:
E
disse, que se sentira demasiadamente emocionada, porque nunca tinha passado por
uma situação tão trágica. Mas tudo passou e estou muito agradecida à atenção dos
Portugueses…O grande problema era a filha. Era a que a assustava. Esta era
quarta viagem que a Sra. Efy fazia no AMETHYST. E será a última, certamente.
A
pequenita “bambina”, para quem todo o drama não terá passado, talvez, duma
brincadeira, brincadeira escusada e assustadiça, viajava pela primeira vez no
AMETHYST. Havia embarcado em Hamburgo, para onde tinha seguido de avião, vinda
da Grécia.
Em
conversa estabelecida posteriormente com chefe de máquinas Panagiotis Sigalas confirmava ao jornalista o
que eu acima relatara do seu fatalismo
nas suas vindas a Leixões, e rematou esta era mais uma escala em Leixões e
navio encalhou. Quando embarcar noutro navio, e que durante a viagem saiba que
vamos para Leixões, forçosamente peço o desembarque!
Familia Sigalas na esplanada 28 de Maio / O Comércio do Porto /.
Οικογένεια Σιγάλας Παναγιώτης στη βεράντα May 28, Πόρτο, Πορτογαλία
07/02/1974
AMETHYST: SUCATA É O DESTINO MAIS CERTO
A
partir da madrugada de ontem, deixou de existir na praia do Molhe, o AMETHYST
na sua unidade. Quebrou-se em duas partes, conforme já na edição de “O Comércio
do Porto” de ontem, já se havia previsto. Partiu sensivelmente a meia-nau, na
região do porão nº 5, exactamente pelo
grande rombo que desde as primeiras horas ditou a morte do navio.
Com
efeito. Cerca das 02h30, o rombo foi abrindo mais de estibordo para bombordo,
sté que passados alguns momentos, a parte de vante, encontrava-se já bastante
afastada da restante que se encontra fortemente cravada nas rochas e arqueada
na zona da cabina de navegação.
Com
a quebra, o AMETHYST, que estava com sensível inclinação sobre bombordo, acabou por ficar horizontal,
com a proa já assente sobre o rochedo.
Entretanto a vaga forte, vinda de noroeste, continuou pelo dia adiante, a
acicatar o navio, arrastando aos poucos a parte da proa desagregada, elevando
para mais de seis metros a distancia entre ambas as partes. Se a vaga continuar
na mesma direcção e com a mesma fúria, a parte da frente do navio aproxima-se
cada vez mais do molhe e da praia.
Durante
o dia de ontem prosseguiram, entretanto os trabalhos de tratamento do “fuel”
que se encontra na zona do porão nº 1, dado que não foi, de modo nenhum,
permitida pelo tempo, a operação de trasfega desse carburante. Até às 14h00 e
aproveitando o a baixa-mar, quatro bombeiros estiveram a bordo orientando a
operação de tratamento.
Chegaram
também a ser tratados com dispersante, três tanques de “fuel” da ré,
tornando-se assim bstsnte menor o perigo de poluição.
Quanto
aos mantimentos que constava existirem a
bordo (no frigorifico sobretudo) nada foi possível recuperar dado o estado de
alagamento do navio. A água havia tomado
conta de tudo e então era queijo, batatas e hortaliças que boiavam na
agua salgada.
Quanto
à tripulação, ao fim da tarde de ontem partiram para Lisboa, com destino a
Atenas os restantes tripulantes, a Sra. Efy Sigala e a filha Royla, ficando no
Porto, apenas o comandante do navio.
Entretanto,
estão prestes a seguir para Londres os inspectores da companhia de Seguros e do
armador com o relatório acerca do sinistro, a fim de ser decidido o destino a
dar ao AMETHYST, já que são inúmeros os sucateiros, não só de Lisboa como do
Porto, interessados nos salvados.
Alguns
dias depois, os salvados foram arrematados na base de “como está e onde está”,
com todo o recheio ”visto e não visto”, e o desmantelamento lá se foi
realizando, desaparecendo assim um excelente e belo navio do tipo “Freedom”,
tipo de navio que veio substituir os velhos “LibertY” do tempo da Segunda
Guerra Mundial, de construçcão Norte Americana.
NASCERA NO JAPÃO HÁ QUATRO ANOS
Chávena do serviço de bordo do navio AMETHYST / colecção M. Alegre /.
NASCERA NO JAPÃO HÁ QUATRO ANOS
Navio
de carga, imo 7023348/ 142,3m/ 10.006tb/ 14nós; 06/1970 entregue pelo estaleiro
Ishikawajima - Harima Heavy Industries Co., Ltd. Tóquio, ao armador Pentilikon
Shipping Co., SA, Pireu, gestores Faros Shpping Co, Ltd, Londres, para onde o
comandante do AMETHYST estabeleceu contacto telefónico a fim de receber
instruções.
Registe-se,
entretanto, que anteriormente, tinha sido recebido um telegrama de Londres para
o comandante não abandonar o navio, juntamente com outros elementos da
tripulação, e este é o procedimento normal. É claro que o estado do mar e a
inclinação do navio não permitia qualquer permanência a bordo.
A
Navex-Empresa Portuguesa de Navegação, Sarl, era o agente do fretador, tendo a
firma Kendall, Pinto Basto Lda, actuado como representante do Armador e do P
& I Club.
A
equipagem do AMETHYST era composta por indivíduos de várias nacionalidades
embora a maioria fosse Grega. De facto enquanto o comandante, o imediato, o
chefe de máquinas e mais 14 marinheiros eram da Grécia, o fogueiro era Chileno,
o radiotelegrafista Inglês e três marinheiros
eram filipinos.
Fontes:
extractos do jornal “O Comércio do Porto”, Loyd’s Register of Shipping
Rui
Amaro
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a fim da(s) mesma(s) ser(em) retirada(s), o que será uma pena, contudo rogo a
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