O rebocador NEIVA (2)
A baleeira do NEIVA recolhida pelo MARIALVA já em Massarelos, Porto
27/03/1957 - A história do
naufrágio já localizado ao mar da Figueira da Foz, está a a atingir as últimas
páginas. No entanto o mistério paira e não se desanuviará. Duas embarcações
registadas na capitania do Douro, o rebocador a fogo NEIVA(2) e a fragata
FIGUEIRA DA FOZ, que, durante dias, trouxeram ansiedades e preocupações pela falta de noticias, na
viagem de Setúbal para o Porto, perderam-se definitivamente. Com elas, treze
homens – o total das tripulações – desapareceram também nas águas agitadas do Atlântico.
Nem uma testemunha ficou para relatar a tragédia.
O último capítulo é descrito à
volta de um cadáver, que o rebocador MARIALVA encontrou no mar e trouxe ontem
para o Porto.
Desde que foi assinalado o
achado dos despojos, o MARIALVA manteve-se em comunicação com as estações
marítimas. Alguns pormenores demos já ontem com a lista dos marítimos. Restava a
identificação; e ela fez-se com a chegada do MARIALVA, que passou á Cantareira,
dez minutos depois das cinco horas da manhã. Lentamente com a bandeira nacional
a meia-adriça, aquele rebocador subiu o rio. Ainda era escuro, mas o dia
começava a clarear. Quinze minutos depois, atracava no cais da Àgua, em
Massarelos.
Aguardavam-no já as
autoridades marítimas, para cumprimento das formalidades. Entramos a bordo,
para colher elementos – uma possível versão da tragédia. E fomos bem sucedidos.
O mestre Júlio Parracho, que
comanda o MARIALVA, homem do mar, firme e decidido, tem exposição clara.
Com 53 anos de idade, anda no
mar há 40. Embora o seu tronco familiar venha de Ílhavo, nasceu na Nazaré, onde
os pais estavam acidentalmente. Mas a gente do mar move-se de porto em porto.
E, assim, a partir dos 2 anos, fixou-se em Matosinhos. Agora reside em Leça da
Palmeira, na rua Fresca, e tem dois filhos no mesmo rumo. Um é oficial da
Marinha Mercante e outro estuda.
Mestre Júlio Parracho vai além
das obrigações da profissão. É um estudioso das coisas do mar. Logo que subimos
à ponte de comando, deparamos com um sextante – utensilio raro numa embarcação,
especialmente de cabotagem. No entanto, ali estava, para nos dar a primeira
indicação da pessoa que tínhamos na frente.
COMO FOI ENONTRADA A BALEEIRA
Mestre Parracho que faz da
ponte de comando o seu “beliche”, e apesar do dispêndio de energias com esta
viagem, não só nos recebeu afavelmente como prestou todos os esclarecimentos
com nitidez.´
- Que nos diz do naufrágio?
- Deu-se um pouco ao norte da
Vieira de Leiria, a calcular pela posição da baleeira.
- Como soube da notícia?
- Saí de Setúbal às 22 horas e
meia do dia 26, com rumo ao Douro, que é o meu porto de armamento. Além de mim.
Trago mais oito homens; é esta a tripulação do MARIALVA. Quando navegava ao
norte do Cabo Carvoeiro, já cerca das 9 horas (gmt) do dia 27, captei pela
rádio telefonia, uma informação do arrastão espanhol REPOLA, transmitida a toda
a navegação, de que tinha avistado um bote semi-submerso, com o nome de NEIVA
pintado. Perguntava se haveria alguma ligação com as embarcações desaparecidas.
Mas não falava de qualquer cadáver na baleeira. Entrei em comunicação com o
REPOLA e perguntei a posição da baleeira. Como me indicasse 29.55 N de latitude
e 9.17 W de longitude, verifiquei que estava a 25 milhas ao sul. Para lá me
dirigi. Ao meio dia legal, observei a meridiana e deu-me para ponto a primeira
latitude. Mas antes disso, já tinha percorrido a área de mar em todos os
sentidos: Leste, Oeste, Norte, Sul: Feita a observação, andei um pouco mais
para terra, no rumo do Leste verdadeiro e acabei por encontrar a baleeira. A
posição que o REPOLA me havia dado era um pouco mais ao mar; A baleeira tinha
descaído um pouco. Tivemos ainda dificuldade em a localizar, porque de facto,
andava submersa, apenas uns escassos 20 centimetros fora de água: Compreende-se
que era difícil vê-la. O mestre Espanhol disse-me que q bordo não havia
ninguém, morto ou vivo. Mas, pesquisando bem com o meu binóculo pareceu-me ver
um vulto humano.
Imediatamente mandei aproar à
baleeira e em poucos minutos reconhecemos que de verdade se tratava a baleeira
pertencia ao rebocador NEIVA.
A abordagem, é fácil ajuizar
que nos trouxe emoção. Somos homens do mar, sentimos e vivemos como irmãos.
Íamos buscar mais um dos nossos. Enrolado nos cabos, lá estava um corpo, que
rapidamente reconhecemos, era o Henrique Simões, moço da fragata FIGUEIRA DA
FOZ.
- Ficamos com a cabeça â razão
de Juros – é esta a expressão do mestre Parracho – tanto mais que já tinha sido
tripulante do MARIALVA e servido sob as minhas ordens. Por um momento perdemos
a coragem de lhe tocar. Mas tinha de ser. Os homens do mar têm de ser duros,
porque a vida também é dura. Trouxemo-lo para bordo e amarramos a baleeira para
vir a reboque. Enquanto executávamos a manobra, encontramos na baleeira, uns
“albaiões”, espécie de calças de caqui, com peito alto, de tipo Americano.
Suponho que pertence este despojo ao contramestre do NEIVA, Joaquim de Sá. Lá
estava, também, uma boia do rebocador, a atestar que houve mais náufragos na
baleeira.
- E depois?
- Continuei ainda a pesquisar
o mar, desde as 13 horas e meia até ás 16. Entretanto, no decurso destes
trabalhos, reconheci que não era possível trazer a baleeira a reboque. Mandei
que a metessem a bordo, com as dificuldades que bem se podem calcular, pois o
mar era de pequena vaga, com vento moderado de Norte e bastante cachão do mesmo
lado. Pelas 15 horas veio à fala comigo, o salva-vidas D CARLOS, do porto da
Figueira da Foz, e, durante uma hora, ainda cruzamos o mar em várias direcções,
mas os nossos esforços foram improfícuos. Nada mais encontramos.
Comuniquei, então, à Rádio
Naval da Boa Nova, com quem estava em contacto desde as 9 horas e meia, para
assinalar o meu achado. Depois foi o rumo ao Porto. E aqui estamos.
COMO SE TERIA DADO O NÁUFRAGIO
Perguntamos agora ao mestre
Júlio Parracho que impressão tinha do naufrágio.
- Esclarece-nos de pronto:
- Tanto o NEIVA como a
FIGUEIRA DA FOZ tinham mestres competentes e habituados às lides do mar. As
tripulações eram afoitas. Verifiquei, porém, que na baleeira não fizeram uso
dos remos. No lugar onde deviam servir as forquetas, não havia sinal de terem
sido coçadas, o mesmo observei por toda a parte superior da sua borda. A
“tabica” também não apresentava sinais de os remos a terem coçado.
Admito que todos os náufragos
chegaram a estar a bordo do pequeno barco, pois, apesar de a sua lotação ser
para dez pessoas, podia comportar bem os treze tripulantes. Tinha caixas-de-ar
de cobre, e não era fácil submergir completamente com o peso. Faltava-lhe o
bojão da “jaja”, que é o buraco de escoamento da água.
- Como explica a tragédia?
- É muito difícil, porque são
escassos os elementos que recolhemos no mar. Entretanto.
- O NEIVA foi avistado por um
barco de pesca Espanhol na manhã do dia 22, terça-feira, por alturas de S. Pedro
de Muel. Na noite seguinte, houve muito temporal, Possivelmente a fragata abriu
água, o que é natural, tratando-se de uma embarcação de madeira, embora
recentemente tenha sido bem reparada. Mas a carga era de cimento, à volta de
273 toneladas. Impotentes para dominar a água, que tanto pode ter sido por falta
de forças como por avaria das bombas, o mestre e tripulantes da FIGUEIRA DA FOZ
devem ter reconhecido a impossibilidade de chegar ao Porto. Teriam, então,
pedido socorro ao NEIVA. A gente do rebocador, por seu turno, apercebendo-se do
que se passava, teria largado por mão ou colhendo o cabo de reboque,
preparando-se para tentar a abordagem da fragata, para salvar a tripulação.
Nestas condições de tempo e do mar, com os homens exaustos, admito que não era
possível fazer uso da baleeira da fragata.
Vejamos agora, o momento
critico: Houve naturalmente intensidade na abordagem e o rebocador foi
arremessado contra a fragata: o pânico deve ter sido imediato, e nem sequer
puderam fazer uso das duas baleeiras do rebocador. Assim, enquanto uma delas
foi +ara o fundo com o rebocador nos seus picadeiros, a outra foi lançada à
água. Na confusão que sempre surge nestes momentos, a hora de salve-se quem
puder; e todos procuravam atingir a baleeira. E veio o segundo desastre.
Talvez por essa precipitação,
poucos lá chegaram. Ou ainda outra versão, talvez mais conforme com elementos
achados. Todos lá chegaram, aglomerando-se todos os treze homens na pequena
baleeira, e não lhes foi possível fazer uso dos remos para manobrar da melhor
maneira a defenderem-se do temporal.
- Está, então convencido que
os homens ainda poderiam salvar-se?
- Sim, os homens poderiam
aguentar-se na baleeira, embora o temporal fosse muito violento nessa noite, em
que localizo a tragédia, a de terça para quarta-feira. Com as caixas de ar em
cobre, a baleeira não ia ao fundo mesmo que nela estivessem o treze homens. Mas
houve qualquer elemento que desconhecemos e que os impossibilitou de manobrar a
embarcação, e de fazer uso dos remos.
E o mestre Júlio Parracho
conclui:
- Eu senti este naufrágio mais
que qualquer outra pessoa, porque orientei a construção do NEIVA, e fui seu
mestre durante 12 anos, até 1942. Alguns dos mortos tinham sido também
tripulantes no MARIALVA, O Bernardino da Encarnação, o fogueiro, o Henrique
Simões, e outros cujos nomes me não vêm à memória. Era pessoal bom, todos
competentes e destemidos.
O MARIALVA rebocador de
serviço da zona costeira internacional, que vai desde o Cabo Finisterra, a
Norte de Portugal, até ao Cabo de Gata, no Mediterrâneo, e à costa do Norte de
Africa, pertence à firma Pascoais Unidos., Lda, Matosinhos, com o mestre Júlio
Parracho e os seus oito tripulantes, teve neste caso papel destacado em busca
dos náufragos, mas infelizmente dos seus esforços resultou apenas esta missão
dolorosa; trazer para o Douro um cadáver. E, a propósito da tragédia, mestre
Parracho fala-nos da emoção difícil da sua classe:
- Este mestre do NEIVA, O Armando Ferreira Neto, esteve anos desempregado
devido à crise de trabalho que atravessávamos na nossa profissão.
Rematando a nossa entrevista,
mestre Parracho acrescenta:
- Isto foi uma infelicidade. O
NEIVA que saíra de Setúbal no doa 21, às 20 horas, devia demorar 20 horas na
viagem até ao Porto, mas o temporal atrasou-o, e, na noite de terça-feira para
quarta-feira, desapareceu sem deixar testemunhos. Calculo que tenha submergido
a Oeste ou já a Norte do Cabo Mondego, pois o vento era do Norte e deve ter
feito correr a baleeira para a posição que a encontramos.
Cerca das 9 horas da manhã
estiveram a bordo as autoridades sanitárias da Marinha e da Delegação de Saúde
e pouco depois o cadáver do malogrado moço da fragata FIGUEIRA DA FOZ foi
removido para o Instituto de Medicina Legal, sendo os despojos entregues na
Capitania.
AO DESPOJOS QUE DERAM Á COSTA CONFIRMAM A VERSÃO DO NÁUFRAGIO
Desde quarta-feira que estão a
dar à costa, em Palheiros de Mira, um pouco a sul de Aveiro, alguns destroços
de uma embarcação. Os fragmentos arremessados pelo mar, parecem terem
pertencido à fragata FIGUEIRA DA FOZ. São, no entanto, elementos parcelares, destruídos,
que apenas vêm confirmar a versão que acima reproduzimos. O mestre Júlio
Parracho foi, ontem, à tarde, até Mira, e esteve no Marco da Carniceira, onde
esses despojos apareceram. Da sua observação pessoal, técnico competente e
esclarecido, concluiu que, de facto, a fragata foi que primeiro abriu água, até
porque o fundo não apareceu.
Isto, ainda mais arreiga a
convicção que de facto foi a colisão das duas embarcações a causa do naufrágio.
Agora um leve comentário: Se havia barcos desaparecidos, com 13 vidas a bordo,
de que se desconhecia a sorte, e despojos dum naufrágio estavam a dar à costa,
a Guarda-Fiscal devia ter comunicado de imediato o caso à repartição competente
para ser centralizado. Neste caso já que os barcos estavam perdidos, restava
tentar o salvamento de algumas vidas, se todo não fosse possível.
Este comentário funda-se ainda
na impressão colhida do infeliz Henrique Simões ter morrido horas antes de o
MARIALVA encontrar a baleeira, e não por asfixia. Isto é, foi o último a
manter-se na baleeira, e sucumbiu por enregelamento ou qualquer outra causa,
mesmo por afogamento.
REGRESSOU AO TEJO O PATRULHA QUE FORA DESTACADO PARA PROCURAR ENCONTRAR
AS EMBARCAÇÕES DESAPARECIDAS OU SOBREVIVENTES
Depois de ter efectuado
aturadas pesquisas, que resultaram infrutíferas, regressou ao Tejo, procedente
do mar da Nazaré, o patrulha NRP SANTIAGO, que havia saído com o objectivo de
encontrar destroços do rebocador NEIVA e da fragata FIGUEIRA DA FOZ, e foi
acostar à base naval do Alfeite.
Dois aviões levantaram voo
também para colaborar nas pesquisas, mas não obtiveram o resultado desejado,
pelo que regressaram à base.
A LISTA DAS VITIMAS
NEIVA: Mestre, Armando
Ferreira Neto, 45 anos, da rua dos Dois Amigos, 298, Leça da Palmeira; contramestre,
Joaquim de Sá, de 52 anos, da Calçada da Arrábida, 283, Porto; maquinista,
Aurélio Neves, de 55 anos, da rua do Campo Alegre (Bairro Passos José);
fogueiros Francisco Pinho Monteiro, de 46 anos, da Corredoura, Oliveira do
Douro; Bernardino da Conceição Brenha, de 58 anos, da rua de Santa Luzia, 381,
e José António Marques da Silva, de 38 anos, de Lavadores, Gaia; marinheiros:
Manuel Oliveira Caseiro, de 68 anos, da Afurada; Henrique da Costa, de 51 anos,
da Foz do Douro e Albino José Morais Lago, de 24 anos, da rua do Casal Pedro.
FIGUEIRA DA FOZ: Mestre,
Joaquim Correia de Almeida Lapa, de 52 anos, da Rua Viterbo de Campos 16, Gaia;
marinheiros: José Joaquim de Almeida Lapa, de 31 anos, filho do mestre, da fragata,
da rua de Trás, Candal, Gaia; Artur Fernando da Silva, de 41 anos, da rua do
Comércio do Porto, Porto, e Henrique Simões, de 48 anos, da rua Viterbo de
Campos, Gaia.
O mestre do rebocador, Armando
Ferreira Neto, era muito conhecido nos meios desportivos do Porto e foi jogador
no Leça Futebol Clube.
NEIVA (2) – 23,15m/ 82tb/ 09mh; 1933 entregue por José Gomes
Martins, Estaleiro do Ouro, Porto, a Joaquim Gouveia, Lda, Porto. A máquina e
outros materiais foram aproveitados do NEIVA (1) ex BURNAY 2º; 195_ NEIVA,
Lemos, Gomes & Cia, Lda, Foz do Douro, Porto.
FIGUEIRA DA FOZ – 30,29m/ 201,71tb; 1919 entregue por um estaleiro
de Vila do Conde a Joaquim Gouveia, Lda, Porto; 195_ FIGUEIRA DA FOZ, Lemos,
Gomes & Cia, Lda, Foz do Douro, Porto.
NOTA DO AUTOR DO TEXTO
Aquando
do naufrágio, lembro-me do meu pai, piloto da barra, pela fonia dos pilotos,
estar fazer chamadas consecutivas pelo rebocador NEIVA, e a pedir colaboração a
outras embarcações, porque os familiares estavam à porta da corporação dos
pilotos, aguardando boas novas, o que, infelizmente não se concretizaram e até
porque um dos tripulantes, o Henrique da Costa era irmão de dois pilotos da
barra do Douro e Leixões, Bento da Costa e Alberto da Costa, e pai de dois amigos meus o António e o Firmino, já falecidos. Também eu aqui em
minha casa estava de escuta na frequência de onda marítima, à espera de
qualquer comunicação.
Mal
sabia o mestre Júlio Parracho, do rebocador MARIALVA, que colaborou nas buscas
e trouxe para o Douro a baleeira e o corpo do desditoso moço da fragata, que
passado alguns anos, mais propriamente a 07/12/1959, iria ter a mesma sorte dos
seus camaradas do NEIVA, juntamente com os tripulantes das fragatas CANTANHEDE
e MICAELENSE, aqui diante da barra do Douro, acerca de 3 milhas para Oeste, já
a chegar a bom porto. Perderam-se 17 vidas das três embarcações.
Fontes
e imagens: Jornal O Comércio do Porto.
Rui
Amaro
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com direitos sobre as imagens postadas neste blogue, deve-o comunicar de
imediato. a fim da(s) mesma(s) ser(em) retirada(s), o que será uma pena,
contudo rogo a sua compreensão e autorização para a continuação da(s) mesma(s)
em NAVIOS Á VISTA, o que muito se agradece.
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anyone who thinks they have “copyrights” of any images/photos posted on this
blog, should contact me immediately, in order I remove them, but will be
sadness. However I appeal for your comprehension and authorizing the
continuation of the same on NAVIOS Á VISTA, which will be very much
appreciated.