sábado, 24 de maio de 2008

« A PROBLEMÁTICA BARRA DO RIO DOURO » - 4 -


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Outubro de 1953, traineiras do centro piscatório da Afurada aguardam diante do cais Velho, impacientemente, já vai para mais de uma hora, por um liso de mar para saírem a barra do Douro a salvamento, para mais uma maré na costa. Um camarada subia para cima da casa do leme ou para o mastro e avaliando a ondulação a cerca de uma milha e meia ao noroeste, nas Longas, e quando visse que se ia dar um liso avisava o mestre e este fazia avançar a sua embarcação para fora da barra, a toda a força. Por vezes a ondulação perigosa, formava-se repentinamente e a situação era assustadora. Mesmo procedimento era realizado pela lancha de pilotar. Em minha opinião, que é corroborada por entendidos locais, o molhe norte da nova barra vai retirar a visibilidade para uma melhor avaliação da ondulação, que usualmente vem de Noroeste, lá das Longas. /(c) Foto de F. Cabral/.

A lancha de pilotar P1 encalhada no cais do Touro, barra do Douro, a 20/10/1965, devido a um forte estoque de água, que a fez desgovernar a bombordo e ir sobre as pedras, acabando por soçobrar com a descida da maré, sem possibilidade de reflutuação.
Já há alguns anos antes aquela lancha sofrera um acidente grave, quando conduzida pelo cabo-piloto Aristides Pereira Ramalheira demandava o porto de Leixões, devido ao denso nevoeiro, foi sobre o enrocamento do quebra-mar denominado de Esporão, cruzando-o de leste para oeste e safou-se ao repetir a mesma proeza em sentido contrário, tendo sido salva "in extremis", já a arriar-se, sendo varada num pequeno areal junto do molhe Norte. A bordo encontravam-se aquele graduado e os seguintes elementos: Manuel, mestre; António Fonseca, motorista; Carlos Leite Saragoça, marinheiro e um piloto.
A P1 foi a primeira embarcação motorizada da Corporação de Pilotos do Douro e Leixões e fora adquirida na Alemanha em 20/10/1925, ficando a servir a secção de Leixões. Na década de 5o sofreu uma completa reconstrução, tendo sido cabinada e instalado aparelhagem de radio telefonia e sonda eléctrica. /(c) Gravura da noticia do "Jornal de Noticias" de 21/10/1965/.

Novembro 1958, o navio-motor inglês Mercian, 83m/1517tb, Ellerman Papayanni Lines, Liverpool, sai a barra do Douro, entre a Meia Laranja e o Touro, bastante anortado devido a barra muito esganada. A meia distancia, entre o navio e a margem, existe a pedra da Gamela, visível na baixa-mar, a qual era muito temida pelos pilotos e já foi motivo de incidentes com várias embarcações. /(c) Foto de F. Cabral/.

A 03/11/1968, pelas 05h00, o navio-motor búlgaro Varna, procedente de Anvers, logo após ter chegado ao largo do porto de Leixões, para onde se destinava, encalhou a Sul da restinga do Cabedelo, junto das pedras denominadas Fogamanadas e Perlongas, motivado pelo mau tempo o ter feito descair para a zona de Lavadores, quando procurava ancoradouro seguro. O seu capitão tentou fazer-se ao largo, simplesmente devido à forte ondulação o navio vindo de través ao mar junto ao Cabedelo e desconhecendo a área, não foi bem sucedido, acabando por se deter encalhado.
Sem possibilidades de recuperação o Varna, passado algum tempo, acabou por se quebrar a meio e foi-se desfazendo, devido à acção demolidora da forte agitação marítima. Os 34 tripulantes foram regatados e repatriados. Curiosamente o seu comandante era o capitão do porto de Varna e estava comandar aquele navio por estar obrigado de tempos a tempos a realizar derrotas. Os destroços permaneceram durante cerca de um ano. O Varna de 92.35m/1.935tb, pertencia à companhia Navigation Maritime Bulgare, Varna, a qual na ocasião do sinistro tinha dois outros navios atracados em Leixões, que eram o Nicola Vaptzarov e o Russe. /(c) Foto de Rui Amaro/.


A 09/11/1968, o navio-tanque LPG Cidla, 82,7m/1.844tb, Sacor Maritima, Lisboa, demanda a barra do Douro com águas de cheia, auxiliado pelo rebocador Monte Grande.
Devido a uma excessiva guinada daquele navio a bombordo, que em principio o levaria a bater nas pedras, vários curiosos que se encontravam na margem, fugiram para bem longe, com receio de uma eventual explosão. Eu encontrava-me entre esses curiosos. /(c) Foto de Rui Amaro/.

A 12/01/1972, o porta-contentores inglês Tamega, 85m/1.578tb, Ellerman Papayanni Lines, Ltd., Liverpool, embora o piloto João dos Santos Galvão conduzisse aquele navio pelo canal devido, acabou por encalhar, a cerca de 400 metros, num banco de areia da barra do Douro, que se formara devido a uma então, recente cheia. Passados cerca de quarenta e cinco minutos, conseguiu safar-se pelos próprios meios e com o auxilio da própria agitação marítima, que o foi levando para águas mais profundas, já próximo das pedras do Bezerro de Fora e das Felgueiras.
Curiosamente, e fazendo fé na noticia vinda no Jornal de Noticias sobre o encalhe daquele porta-contentores, o seu capitão Cdte Brownlie, com bastante experiência da barra e que de véspera arribara ao porto de Leixões, por não ter sido permitida a sua entrada no Douro, devido às precárias condições de acesso, confidenciara a um amigo, afirmando, que aquela barra era das mais difíceis e perigosas que conhecia. Mal adivinhava ele, que poucas horas depois, o seu navio ali correria perigo!
Em face daquele incidente, foi o fim do Terminal de Contentores do rio Douro, instalado no cais de Gaia, que foi o primeiro do Norte do Pais, senão de Portugal, passando os navios a escalar o porto de Leixões. /(c) Foto de Rui Amaro/.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

«A PROBLEMÁTICA BARRA DO RIO DOURO» - 3 -


« I M A G E N S »

O vapor inglês Ruckinge, 83m/1,742tb, Constants (South Wales), Ltd., Cardiff, encalhado nas pedras da Ponta do Dente, quando em 18 pés de calado, auxiliado pelo rebocador Lusitânia, demandava a barra do Douro em 20-03-1931 dirigido pelo piloto José Pinto Ribeiro. Aquele vapor carvoeiro, safou no dia seguinte com o auxilio dos rebocadores Tritão e Lusitânia, seguindo para Leixões conduzido pelo mesmo piloto, auxiliado pelo seu colega Pedro Reis da Luz, a fim de aguardar melhor maré na barra do Douro. Na imagem vê-se os rebocadores Lusitânia e o Mars 2º, além da lancha de pilotar P4 e o salva-vidas da Afurada Gonçalo Dias e no molhe de Felgueiras bastantes curiosos assistindo às operações de salvamento. /(c) Gravura de noticia do jornal O Comércio do Porto de 21-03-1931/.

A 30-03-1936, pelas 16h35, foi içado nos mastros do cais do Marégrafo e do castelo da Foz o sinal de galhardetes convencional do calado de água dos vários vapores, que pilotados aguardavam maré para demandar a barra do Douro. Cerca das 17h00, após a entrada de quatro deles, coube a vez ao carvoeiro norueguês Inga I, piloto Francisco Soares de Melo, que fazendo o conveniente, contudo dificil enfiamento ao canal da barra e ao aproximar-se das pedras da Ponta do Dente, sofreu um estoque de água das águas de cheia e desgovernando a bombordo foi de encontro, pelo lado de oeste, aquela penedia, ficando arrombado. O Inga I, atravessado à vaga, que crescia a todo o momento, e à corrente do rio, foi levado por esta até a uma distância de cerca de 400 metros para oés-sudoeste do farolim da Barra, sem de nada lhe valerem os dois ferros lançados à água, acabando por se deter encalhado num banco de areia submerso, f0rmado por uma então recente cheia, um pouco a norte do local onde sete anos antes , tragicamente naufragara o vapor alemão Deister. Todos os elementos a bordo foram resgatados, após várias tentativas arrojadas do salva-vidas a motor Carvalho Araújo, que os conduziu à Cantareira, sob aplausos da assistência de curiosos, que nas margens assistiam ao salvamento.
O vapor Inga I, 76m/1,183tb, que fora construido em 1918 nos estaleiros de Moss e pertencia ao armador Johan Elliassen (A/S D/S Inga), Bergen, manteve-se encalhado por mais de um ano, apesar de ter suportado algumas tempestades. A 15-11-1936 foi solicitada a sua destruição, a fim de evitar futuras consequências, sobretudo a de dificultar o normal movimento da barra. A 05-05-1937, depois dos trabalhos interrompidos por várias vezes, foi finalmente destruído no local. O seu armador adquiriu o vapor norueguês Ba, o qual foi rebaptizado também de Inga I.
A imagem mostra o Inga I encalhado, a sua tripulação no pátio do Hotel Boa Vista, Foz do Douro, e a lancha salva-vidas Carvalho Araújo entrando a barra, já com os náufragos a bordo. /(c) Gravura de noticia do diário O Comércio do Porto de 01-04-1936/.


Dois sugestivos aspectos da barra do Douro em 25-11-1935, distinguindo-se à direita o grupo de bandeiras e disco içados no mastro do cais do Marégrafo, sinal convencionado para a entrada de vapores a reboque com calados não superiores a 15 pés de água, justificado por na ocasião da preia-mar sondar-se apenas 14 pés de água no canal de navegabilidade, diante do cais do Touro, conquanto a escala do Marégrafo, situada no pontal da Cantareira, registar 19 pés. Em face da situação vários vapores foram-se abrigar ao porto de Leixões ou seguíram viagem para outros portos, apenas tendo entrado sete vapores, entre os quais os que se vê na imagem: Em cima, o vapor carvoeiro inglês Maud LLewellyn, 76m/1.454tb, Cardingan Shipping, Ltd, Cardiff, piloto Júlio Pinto de Carvalho, que vai de guinada a bombordo, pelo que o rebocador Lusitânia tenta trazê-lo a estibordo, a fim de entrar no canal e em baixo, vê-se o vapor português Silva Gouveia, 72m/958tb, Sociedade Geral, Lisboa, piloto Hermínio Gonçalves Reis, passando diante do dique da Meia Laranja, auxiliado pelo rebocador Neiva.

A 04-02-1954, cerca das 08h00, dirigido pelo piloto Jaime Martins, encalhava nas pedras do enrocamento do cais Velho, a cerca de cinquenta metros da pedra do Touro, devido a um forte estoque de águas de vazante, o navio-motor português Colares, 74m/1.158tb, da Sociedade Geral, Lisboa, tendo sido safo ao fim do dia com o auxilio dos rebocadores Vandoma, Montalto e Mercúrio 2º, indo de seguida, metido de proa, amarrar no lugar do Cavaco.

A 15-03-1963, já noite fechada, o vapor liberiano Silver Valley, 135m/7.161tb, Silver Star Shipping Corporation, Monrovia, interesses gregos, quando sob mau tempo e fortes pampeiros, que lhe reduziam a visibilidade, procurava o porto de Leixões. foi encalhar no Cabeço da barra do Douro, a cerca de 600 metros para oés-sudoeste do molhe de Felgueiras. O navio que era uma construção "Park Type" Canadiana de 1944, produzida em série, a fim de satisfazer o esforço de guerra, não resistiu à forte ondulação local, tendo em pouco tempo alquebrado, refugiando-se toda a tripulação à proa, suportando o mau tempo e a perigosa maresia que se fazia sentir. Os esforços dos meios de salvamento terrestres e maritimos não conseguiam resgatar os náufragos, pelo que as autoridades maritimas decidiram solicitar a vinda de helicópteros Franceses, que se encontravam em Alverca, e de facto foi a melhor solução encontrada e a primeira operação do género realizada na costa Portuguesa e talvez das pioneiras a nivel mundial. 27 homens foram resgatados em cerca de 40 minutos, num vaivém continuo pelos dois helicópteros, cerca das 15h00 do dia seguinte.
A imagem mostra um dos helicópteros assentando os patins do seu trem na amurada de proa do Silver Valley e os náufragos, dois a dois, iam subindo directamente para bordo, alcançando terra firme em 15 viagens. /(c) imagem de noticia de O Primeiro de Janeiro de 17-03-1963 /.

«A PROBLEMÁTICA BARRA DO RIO DOURO» - 2 -


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O molhe da Barra do Douro e o farolim de Felgueiras são galgados pela ondulação bela mas dantesca vinda lá dos confins da linha do horizonte. /(c) Gravura de reportagem do JN-Marco 23-10-1999/.

Esboço de um mapa da barra do Douro de 22-01-1937, apresentando os enfiamentos e os calados de água permitidos, da autoria do piloto da barra José Fernandes Amaro Júnior para seu próprio uso e no qual se nota o banco de areias estendido desde o Cabeço até à penedia do Bezerro de Fora. Em baixo, à esquerda, estão assinalados os destroços do vapor norueguês Inga I naufragado em 30-03-1936 e que prevaleceram no local poe cerca de um ano.

O vapor inglês Coventry, 79m/1.702tb, Frederick Childs & Co.,Cardiff, encalhado à entrada da barra do Douro, penedia da Ponta do Dente, a 01-10-1908, vendo-se o pequeno rebocador Ligeiro prestando assistência. Aquele vapor carregado de carvão foi desfeito mais tarde por acção do mar tempestuoso. /(c) Foto de autor desconhecido ou postal ilustrado/.

O vapor alemão Bilbao, 85m/2,450tb, OPDR - Hamburgo, encalhado na barra do Douro, sobre a pedra da Forcada, Cais do Touro, em 02-09-1929, vendo-se a lancha de pilotar P1 a prestar assistência. /(C) Foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral/.

O navio-motor alemão Gauss, 76m/1.236tb, DDG Neptun, Bremen, encalhado na restinga do Cabedelo da barra do Douro em 11-05-1932, piloto António Duarte, vendo-se o rebocador Mars 2º prestando assistência. A 03-06-1932, após várias tentativas, o navio sinistrado foi safo pelos salvadegos Valkyrien, Dinamarquês, e Seefalke, Alemão, seguindo para Leixões pelos seus próprios meios, regressando mais tarde ao serviço normal. Deste acidente perecerem 6 dos 17 tripulantes do salva-vidas a remos Porto e do Carvalho Araujo, este a motor, vindos de Leixões, que sem necessidade de se aproximarem do Gauss para salvamento da sua tripulação, que não corria qualquer perigo, acabaram por naufragar em cima da forte maresia da restinga. /(c) Foto de autor desconhecido - colecção F. Cabral/.


segunda-feira, 19 de maio de 2008

«A PROBLEMÁTICA BARRA DO RIO DOURO» - 1 -


O navio-motor holandês Strabo, dirigido pelo piloto Alberto da Costa, demanda a barra do Douro sob forte mar de andaço, década de 50. ((c) Fotos assinadas pelo conceituado fotografo amador A. Teixeira da Costa, que residia junto da barra do Douro- colecção de Rui Amaro)

O navio-motor holandês Strabo, 55m/383tb, demanda a barra do Douro, já em águas calmas, em 01/07/1966 - Foto (c) Rui Amaro

Um capitão holandês, já com muita experiência da barra do Douro, porém muito temente, contara-me que em certo dia de mar, ele, receou demandá-la, pois observando a perigosa ondulação a crescer e a quebrar assustadoramente na costa e sobretudo na barra, disse ao piloto, que era melhor abortar a entrada e seguir para Leixões, porque não queria perder o navio e muito menos a vida dele e dos seus tripulantes.
O piloto, com inexcedível calma, dissera-lhe que o mar não era de causar percalços, porque a barra estava relativamente larga e a corrente de cima era reduzida, contudo se ele lhe passasse um documento em como se recusava a entrar a barra e seguir para Leixões, apresentando as razões que entendesse, ele conduziria o navio para aquele porto alternativo. Só que, a ele, como capitão, não lhe convinha recusar a entrada, porque o navio tinha bastante carga a movimentar e depois iria ter problemas com o seu armador.
O piloto, então apontando para terra, disse-lhe que aquelas duas bandeiras vermelhas içadas no mastro do castelo da Foz e no do cais dos Pilotos, significavam “barra franca”
e como tal obrigavam-no a fazer-se à barra mesmo nas condições mais adversas que houvessem. Para isso antes das bandeiras serem içadas, o piloto-mor em reunião de consulta com os seus subalternos em terra, depois de uma avaliação minuciosa das condições da barra, fora decidido por unanimidade, franquear a entrada do navio.
Caso as condições se deteriorassem as referidas bandeiras seriam arriadas e a manobra seria abortada e então o capitão decidiria se iria para Leixões ou aguardaria ao largo por nova maré. No caso de saída era hasteada a bandeira “N” do CIS e o navio deveria retroceder para montante.
No caso das embarcações isentas de pilotagem, somente poderiam cruzar a barra, caso o cilindro de cor negra, içado no topo daqueles mastros, indicativo de barra encerrada, fosse arriado e se os mesmos teimassem em se fazer à barra, o piloto-mor mandava disparar um tiro de pólvora seca, de canhão do castelo da Foz, cujo troar abalava toda a freguesia da Foz do Douro, chamando a atenção da embarcação para retroceder.
O certo, é que o seu navio, quando entrou na zona da rebentação, começou a ficar envolvido na maresia, riscando e correndo na vaga perigosamente para estibordo, dando bastante balanço a ambos os bordos e o convés a ser varrido pela ondulação de borda a borda, parecendo ir soçobrar e lá acabou por alcançar as águas calmas do rio.
Aquele capitão Holandês elogiando os pilotos da barra do Douro e Leixões pela sua temeridade, apelidou-os de «CRAZY PILOTS».
Os pilotos práticos do Douro e Leixões, embora tivessem muito respeito pelo mar de andaço da barra do Douro, não o temiam, apesar de dois malogrados colegas terem sido vitimas desse mar. Temiam sim, as águas de cima, os estoques formados pelas ameaçadoras águas de ronhenta, que davam azo a que as embarcações, que lhes vinham confiadas de entrada ou saída, desgovernassem e de guinada iam sobre as margens do rio, particularmente sobre as pedras denominadas de Ponta do Dente, Forcada, Touro, Gamela, etc. a norte ou sobre a penedia chamada de Fogamanadas e Perlongas, e também para cima da Restinga ou do Cabeço do Cabedelo, a sul.
As saídas com mar na barra e com navios de fraca marcha, por vezes eram complicadas, os navios embora seguissem de proa à vaga, que, usualmente é de noroeste, eram surpreendidos com voltas de mar mais violentas, e então começavam a descair para sul, para cima do Cabeço, felizmente os pilotos com uma certa perícia, conseguiam resolver a situação, e, por vezes, no cavar da vaga batiam no fundo. Perdia-se era alguma carga de convés, a chamada “barda”, constituída por esteios de pinho para minas ou fardos de cortiça.
Aquele Cabeço, que era um banco ou uma série de bancos de areias que se moviam conforme a ondulação e as correntes, também chamado de Alestes e cuja extremidade por vezes distanciava-se cerca de 800 metros do Cabedelo, se bem que a parte mais perigosa era quando, após as cheias do rio, tomava a direcção para norte, a cerca de 200 a 400 metros por fora do Farolim de Felgueiras, originando que os navios ao manobrarem para o enfiamento à barra, tinham que navegar um pouco de través à vaga e executar uma curva bastante acentuada.
Naqueles tempos a maior parte dos navios eram fracos de manobra. Avaria de leme ou falha de máquina em cima da barra e debaixo de mar era muito embaraçoso e isso deu-se algumas vezes e ai sim, o piloto mandava largar os ferros para aproar ao mar, contudo o auxilio demorava e o navio ia descaindo para cima do Banco ou do Cabeço, caso do vapor português Mourão, piloto Manuel Pinto da Costa, que lá se perdeu a 10/04/1928, felizmente todos a bordo foram resgatados pela bóia-calção.
Muitos navios passavam a barra a reboque e mesmo assim desgovernavam e por vezes encalhavam na areia ou nas pedras. Houveram dias de cruzarem a barra de entrada ou saída, quinze a vinte navios e quase todos eles, mesmo sem agitação marítima e corrente no rio, desgovernavam e um ou outro ia sobre os baixios de areia ou as pedras ribeirinhas. Aqueles que conseguiam ir ao canal e tinham largado os ferros para evitar a guinada, mais das vezes, esses ferros ficavam lá no fundo, por se partir a amarra ao escovém, ao suspender ou terem sido largados por mão, para o navio seguir para vante.
O rapazio em terra, quando notava que os navios iam de guinada a estibordo ou bombordo, antes de se escutar a voz do piloto ou do capitão a ordenarem para à proa para se largar o ferro, eles já estavam a exclamar em lingua inglesa «leggo starboard or port anchor», expressão de comando, que significa «larga o ferro de estibordo ou bombordo», e o meu pai fazia parte desse rapazio e aos 11 anos já era moço das embarcações da corporação de pilotos e em 1926 era admitido como piloto, aposentando-se em 1957.
Em ocasiões de barra apertada ou seja o Cabedelo muito estendido a norte, águas de cima, cheias ou se o piloto notasse que o navio que conduzia era mau de máquina e leme, os dois ferros vinham a prumo e prontos a desmanilhar, preparados para largar à primeira ordem, e então o piloto ordenava ao capitão para meter um bom timoneiro ao leme. Por vezes era o próprio capitão a pegar no leme e quando o navio ia demasiadamente de guinada era todo pessoal da ponte a pegar nas malaguetas das enormes rodas de leme, que então eram muito usuais.
Muitas vezes os pilotos, antes de seguirem para bordo, vinham ao molhe de Felgueiras avaliar o jeito das águas ou da ondulação para melhor conduzirem a manobra dos navios que lhe estariam confiados.

Até a lancha de pilotar P1, quando a 20/10/1965, após recolher o piloto Manuel Pereira da Silva, que dera saída ao navio-tanque Dinamarquès Rasmus Tholstrup, e conduzida pelo mestre interino Alfredo da Silva, motorista António da Fonseca e o marinheiro António Gomes, com a barra bastante apertada e já com vazante, sofreu um forte estoque de água e desgovernando foi sobre o enrocamento do cais do Touro, acabando por encalhar e perder-se, salvando-se os quatro elementos a bordo, que conseguíram a muito custo, saltar para as pedras.

Felizmente, os navios construídos após o final da guerra de 1939/45 tornaram-se mais eficientes e as ocorrências na barra e no rio deixaram de ser tão acentuados como anteriormente ao conflito. Os últimos acidentes de maior relevância foram os seguintes: lugre-motor Maria Ondina, 16/04/1946; iate-motor Meteoro, 16/01/1947; navio-motor Colares, 04/02/1954; porta-contentores Tâmega, 12/01/1972.

Como acima referi dois malogrados pilotos foram vítimas do mar daquela trágica barra, erram eles Jacinto José Pinto e o Pedro Reis da Luz. O primeiro conduzia de entrada o vapor alemão Deister, e o segundo trazia o iate-motor Meteoro.
Rui Amaro