O navio-motor holandês Strabo, dirigido pelo piloto Alberto da Costa, demanda a barra do Douro sob forte mar de andaço, década de 50. ((c) Fotos assinadas pelo conceituado fotografo amador A. Teixeira da Costa, que residia junto da barra do Douro- colecção de Rui Amaro)
O navio-motor holandês Strabo, 55m/383tb, demanda a barra do Douro, já em águas calmas, em 01/07/1966 - Foto (c) Rui Amaro
Um capitão holandês, já com muita experiência da barra do Douro, porém muito temente, contara-me que em certo dia de mar, ele, receou demandá-la, pois observando a perigosa ondulação a crescer e a quebrar assustadoramente na costa e sobretudo na barra, disse ao piloto, que era melhor abortar a entrada e seguir para Leixões, porque não queria perder o navio e muito menos a vida dele e dos seus tripulantes.
O piloto, com inexcedível calma, dissera-lhe que o mar não era de causar percalços, porque a barra estava relativamente larga e a corrente de cima era reduzida, contudo se ele lhe passasse um documento em como se recusava a entrar a barra e seguir para Leixões, apresentando as razões que entendesse, ele conduziria o navio para aquele porto alternativo. Só que, a ele, como capitão, não lhe convinha recusar a entrada, porque o navio tinha bastante carga a movimentar e depois iria ter problemas com o seu armador.
O piloto, então apontando para terra, disse-lhe que aquelas duas bandeiras vermelhas içadas no mastro do castelo da Foz e no do cais dos Pilotos, significavam “barra franca” e como tal obrigavam-no a fazer-se à barra mesmo nas condições mais adversas que houvessem. Para isso antes das bandeiras serem içadas, o piloto-mor em reunião de consulta com os seus subalternos em terra, depois de uma avaliação minuciosa das condições da barra, fora decidido por unanimidade, franquear a entrada do navio.
Caso as condições se deteriorassem as referidas bandeiras seriam arriadas e a manobra seria abortada e então o capitão decidiria se iria para Leixões ou aguardaria ao largo por nova maré. No caso de saída era hasteada a bandeira “N” do CIS e o navio deveria retroceder para montante.
No caso das embarcações isentas de pilotagem, somente poderiam cruzar a barra, caso o cilindro de cor negra, içado no topo daqueles mastros, indicativo de barra encerrada, fosse arriado e se os mesmos teimassem em se fazer à barra, o piloto-mor mandava disparar um tiro de pólvora seca, de canhão do castelo da Foz, cujo troar abalava toda a freguesia da Foz do Douro, chamando a atenção da embarcação para retroceder.
O certo, é que o seu navio, quando entrou na zona da rebentação, começou a ficar envolvido na maresia, riscando e correndo na vaga perigosamente para estibordo, dando bastante balanço a ambos os bordos e o convés a ser varrido pela ondulação de borda a borda, parecendo ir soçobrar e lá acabou por alcançar as águas calmas do rio.
Aquele capitão Holandês elogiando os pilotos da barra do Douro e Leixões pela sua temeridade, apelidou-os de «CRAZY PILOTS».
Os pilotos práticos do Douro e Leixões, embora tivessem muito respeito pelo mar de andaço da barra do Douro, não o temiam, apesar de dois malogrados colegas terem sido vitimas desse mar. Temiam sim, as águas de cima, os estoques formados pelas ameaçadoras águas de ronhenta, que davam azo a que as embarcações, que lhes vinham confiadas de entrada ou saída, desgovernassem e de guinada iam sobre as margens do rio, particularmente sobre as pedras denominadas de Ponta do Dente, Forcada, Touro, Gamela, etc. a norte ou sobre a penedia chamada de Fogamanadas e Perlongas, e também para cima da Restinga ou do Cabeço do Cabedelo, a sul.
As saídas com mar na barra e com navios de fraca marcha, por vezes eram complicadas, os navios embora seguissem de proa à vaga, que, usualmente é de noroeste, eram surpreendidos com voltas de mar mais violentas, e então começavam a descair para sul, para cima do Cabeço, felizmente os pilotos com uma certa perícia, conseguiam resolver a situação, e, por vezes, no cavar da vaga batiam no fundo. Perdia-se era alguma carga de convés, a chamada “barda”, constituída por esteios de pinho para minas ou fardos de cortiça.
Aquele Cabeço, que era um banco ou uma série de bancos de areias que se moviam conforme a ondulação e as correntes, também chamado de Alestes e cuja extremidade por vezes distanciava-se cerca de800 metros do Cabedelo, se bem que a parte mais perigosa era quando, após as cheias do rio, tomava a direcção para norte, a cerca de 200 a 400 metros por fora do Farolim de Felgueiras, originando que os navios ao manobrarem para o enfiamento à barra, tinham que navegar um pouco de través à vaga e executar uma curva bastante acentuada.
Naqueles tempos a maior parte dos navios eram fracos de manobra. Avaria de leme ou falha de máquina em cima da barra e debaixo de mar era muito embaraçoso e isso deu-se algumas vezes e ai sim, o piloto mandava largar os ferros para aproar ao mar, contudo o auxilio demorava e o navio ia descaindo para cima do Banco ou do Cabeço, caso do vapor português Mourão, piloto Manuel Pinto da Costa, que lá se perdeu a 10/04/1928, felizmente todos a bordo foram resgatados pela bóia-calção.
Muitos navios passavam a barra a reboque e mesmo assim desgovernavam e por vezes encalhavam na areia ou nas pedras. Houveram dias de cruzarem a barra de entrada ou saída, quinze a vinte navios e quase todos eles, mesmo sem agitação marítima e corrente no rio, desgovernavam e um ou outro ia sobre os baixios de areia ou as pedras ribeirinhas. Aqueles que conseguiam ir ao canal e tinham largado os ferros para evitar a guinada, mais das vezes, esses ferros ficavam lá no fundo, por se partir a amarra ao escovém, ao suspender ou terem sido largados por mão, para o navio seguir para vante.
O rapazio em terra, quando notava que os navios iam de guinada a estibordo ou bombordo, antes de se escutar a voz do piloto ou do capitão a ordenarem para à proa para se largar o ferro, eles já estavam a exclamar em lingua inglesa «leggo starboard or port anchor», expressão de comando, que significa «larga o ferro de estibordo ou bombordo», e o meu pai fazia parte desse rapazio e aos 11 anos já era moço das embarcações da corporação de pilotos e em 1926 era admitido como piloto, aposentando-se em 1957.
Em ocasiões de barra apertada ou seja o Cabedelo muito estendido a norte, águas de cima, cheias ou se o piloto notasse que o navio que conduzia era mau de máquina e leme, os dois ferros vinham a prumo e prontos a desmanilhar, preparados para largar à primeira ordem, e então o piloto ordenava ao capitão para meter um bom timoneiro ao leme. Por vezes era o próprio capitão a pegar no leme e quando o navio ia demasiadamente de guinada era todo pessoal da ponte a pegar nas malaguetas das enormes rodas de leme, que então eram muito usuais.
Muitas vezes os pilotos, antes de seguirem para bordo, vinham ao molhe de Felgueiras avaliar o jeito das águas ou da ondulação para melhor conduzirem a manobra dos navios que lhe estariam confiados.
Até a lancha de pilotar P1, quando a 20/10/1965, após recolher o piloto Manuel Pereira da Silva, que dera saída ao navio-tanque Dinamarquès Rasmus Tholstrup, e conduzida pelo mestre interino Alfredo da Silva, motorista António da Fonseca e o marinheiro António Gomes, com a barra bastante apertada e já com vazante, sofreu um forte estoque de água e desgovernando foi sobre o enrocamento do cais do Touro, acabando por encalhar e perder-se, salvando-se os quatro elementos a bordo, que conseguíram a muito custo, saltar para as pedras.
Felizmente, os navios construídos após o final da guerra de 1939/45 tornaram-se mais eficientes e as ocorrências na barra e no rio deixaram de ser tão acentuados como anteriormente ao conflito. Os últimos acidentes de maior relevância foram os seguintes: lugre-motor Maria Ondina, 16/04/1946; iate-motor Meteoro, 16/01/1947; navio-motor Colares, 04/02/1954; porta-contentores Tâmega, 12/01/1972.
Como acima referi dois malogrados pilotos foram vítimas do mar daquela trágica barra, erram eles Jacinto José Pinto e o Pedro Reis da Luz. O primeiro conduzia de entrada o vapor alemão Deister, e o segundo trazia o iate-motor Meteoro.
Rui Amaro
O piloto, com inexcedível calma, dissera-lhe que o mar não era de causar percalços, porque a barra estava relativamente larga e a corrente de cima era reduzida, contudo se ele lhe passasse um documento em como se recusava a entrar a barra e seguir para Leixões, apresentando as razões que entendesse, ele conduziria o navio para aquele porto alternativo. Só que, a ele, como capitão, não lhe convinha recusar a entrada, porque o navio tinha bastante carga a movimentar e depois iria ter problemas com o seu armador.
O piloto, então apontando para terra, disse-lhe que aquelas duas bandeiras vermelhas içadas no mastro do castelo da Foz e no do cais dos Pilotos, significavam “barra franca” e como tal obrigavam-no a fazer-se à barra mesmo nas condições mais adversas que houvessem. Para isso antes das bandeiras serem içadas, o piloto-mor em reunião de consulta com os seus subalternos em terra, depois de uma avaliação minuciosa das condições da barra, fora decidido por unanimidade, franquear a entrada do navio.
Caso as condições se deteriorassem as referidas bandeiras seriam arriadas e a manobra seria abortada e então o capitão decidiria se iria para Leixões ou aguardaria ao largo por nova maré. No caso de saída era hasteada a bandeira “N” do CIS e o navio deveria retroceder para montante.
No caso das embarcações isentas de pilotagem, somente poderiam cruzar a barra, caso o cilindro de cor negra, içado no topo daqueles mastros, indicativo de barra encerrada, fosse arriado e se os mesmos teimassem em se fazer à barra, o piloto-mor mandava disparar um tiro de pólvora seca, de canhão do castelo da Foz, cujo troar abalava toda a freguesia da Foz do Douro, chamando a atenção da embarcação para retroceder.
O certo, é que o seu navio, quando entrou na zona da rebentação, começou a ficar envolvido na maresia, riscando e correndo na vaga perigosamente para estibordo, dando bastante balanço a ambos os bordos e o convés a ser varrido pela ondulação de borda a borda, parecendo ir soçobrar e lá acabou por alcançar as águas calmas do rio.
Aquele capitão Holandês elogiando os pilotos da barra do Douro e Leixões pela sua temeridade, apelidou-os de «CRAZY PILOTS».
Os pilotos práticos do Douro e Leixões, embora tivessem muito respeito pelo mar de andaço da barra do Douro, não o temiam, apesar de dois malogrados colegas terem sido vitimas desse mar. Temiam sim, as águas de cima, os estoques formados pelas ameaçadoras águas de ronhenta, que davam azo a que as embarcações, que lhes vinham confiadas de entrada ou saída, desgovernassem e de guinada iam sobre as margens do rio, particularmente sobre as pedras denominadas de Ponta do Dente, Forcada, Touro, Gamela, etc. a norte ou sobre a penedia chamada de Fogamanadas e Perlongas, e também para cima da Restinga ou do Cabeço do Cabedelo, a sul.
As saídas com mar na barra e com navios de fraca marcha, por vezes eram complicadas, os navios embora seguissem de proa à vaga, que, usualmente é de noroeste, eram surpreendidos com voltas de mar mais violentas, e então começavam a descair para sul, para cima do Cabeço, felizmente os pilotos com uma certa perícia, conseguiam resolver a situação, e, por vezes, no cavar da vaga batiam no fundo. Perdia-se era alguma carga de convés, a chamada “barda”, constituída por esteios de pinho para minas ou fardos de cortiça.
Aquele Cabeço, que era um banco ou uma série de bancos de areias que se moviam conforme a ondulação e as correntes, também chamado de Alestes e cuja extremidade por vezes distanciava-se cerca de
Naqueles tempos a maior parte dos navios eram fracos de manobra. Avaria de leme ou falha de máquina em cima da barra e debaixo de mar era muito embaraçoso e isso deu-se algumas vezes e ai sim, o piloto mandava largar os ferros para aproar ao mar, contudo o auxilio demorava e o navio ia descaindo para cima do Banco ou do Cabeço, caso do vapor português Mourão, piloto Manuel Pinto da Costa, que lá se perdeu a 10/04/1928, felizmente todos a bordo foram resgatados pela bóia-calção.
Muitos navios passavam a barra a reboque e mesmo assim desgovernavam e por vezes encalhavam na areia ou nas pedras. Houveram dias de cruzarem a barra de entrada ou saída, quinze a vinte navios e quase todos eles, mesmo sem agitação marítima e corrente no rio, desgovernavam e um ou outro ia sobre os baixios de areia ou as pedras ribeirinhas. Aqueles que conseguiam ir ao canal e tinham largado os ferros para evitar a guinada, mais das vezes, esses ferros ficavam lá no fundo, por se partir a amarra ao escovém, ao suspender ou terem sido largados por mão, para o navio seguir para vante.
O rapazio em terra, quando notava que os navios iam de guinada a estibordo ou bombordo, antes de se escutar a voz do piloto ou do capitão a ordenarem para à proa para se largar o ferro, eles já estavam a exclamar em lingua inglesa «leggo starboard or port anchor», expressão de comando, que significa «larga o ferro de estibordo ou bombordo», e o meu pai fazia parte desse rapazio e aos 11 anos já era moço das embarcações da corporação de pilotos e em 1926 era admitido como piloto, aposentando-se em 1957.
Em ocasiões de barra apertada ou seja o Cabedelo muito estendido a norte, águas de cima, cheias ou se o piloto notasse que o navio que conduzia era mau de máquina e leme, os dois ferros vinham a prumo e prontos a desmanilhar, preparados para largar à primeira ordem, e então o piloto ordenava ao capitão para meter um bom timoneiro ao leme. Por vezes era o próprio capitão a pegar no leme e quando o navio ia demasiadamente de guinada era todo pessoal da ponte a pegar nas malaguetas das enormes rodas de leme, que então eram muito usuais.
Muitas vezes os pilotos, antes de seguirem para bordo, vinham ao molhe de Felgueiras avaliar o jeito das águas ou da ondulação para melhor conduzirem a manobra dos navios que lhe estariam confiados.
Até a lancha de pilotar P1, quando a 20/10/1965, após recolher o piloto Manuel Pereira da Silva, que dera saída ao navio-tanque Dinamarquès Rasmus Tholstrup, e conduzida pelo mestre interino Alfredo da Silva, motorista António da Fonseca e o marinheiro António Gomes, com a barra bastante apertada e já com vazante, sofreu um forte estoque de água e desgovernando foi sobre o enrocamento do cais do Touro, acabando por encalhar e perder-se, salvando-se os quatro elementos a bordo, que conseguíram a muito custo, saltar para as pedras.
Felizmente, os navios construídos após o final da guerra de 1939/45 tornaram-se mais eficientes e as ocorrências na barra e no rio deixaram de ser tão acentuados como anteriormente ao conflito. Os últimos acidentes de maior relevância foram os seguintes: lugre-motor Maria Ondina, 16/04/1946; iate-motor Meteoro, 16/01/1947; navio-motor Colares, 04/02/1954; porta-contentores Tâmega, 12/01/1972.
Como acima referi dois malogrados pilotos foram vítimas do mar daquela trágica barra, erram eles Jacinto José Pinto e o Pedro Reis da Luz. O primeiro conduzia de entrada o vapor alemão Deister, e o segundo trazia o iate-motor Meteoro.
Rui Amaro
Sem comentários:
Enviar um comentário