A ODISSEIA DOS SEIS PESCADORES DA MOTORA "VIRGEM DO SAMEIRO"
Portugal e certamente também o mundo jamais deixaram de estar atentos às noticias da comunicação social acerca do desaparecimento da motora VIRGEM DO SAMEIRO, cujos pescadores mostraram ser gente de fé, e na Graça de Deus já estão em terra firme junto dos seus familiares, e todos eles não ganharam para o susto, e há que felicitá-los pela sua coragem, e a toda instituição e pessoal interveniente nas buscas e resgate, sobretudo os militares do helicóptero salvador, não esquecendo a Marinha de Guerra, Força Aérea, ISN, INEM, Hospital de Leiria, etc.
Em minha opinião o helicóptero é um dos mais importantes inventos a nível mundial, pois faz parte das dez mais importantes invenções do século XX, tendo sido desenvolvido e aperfeiçoado no final da 2ª Guerra Mundial, e apesar de inicio ter sido vocacionado para teatros de guerra nas suas várias vertentes, desde há muitos anos, dentre outras funções de grande valia, tornou-se também num meio aéreo de transporte de feridos e doentes para os hospitais e de resgate de náufragos e de pessoas em dificuldade em terra, nomeadamente em terrenos de difícil acesso, e pena foi não ter existido desde há muitos mais anos, pois os náufragos do vapor de carreira Português PORTO (1852) e dos vapores Alemães CINTRA (1909) e DEISTER (1929), no rio e barra do Douro, e ainda do paquete Inglês VERONESE (1913), na praia de Leça da Palmeira, teriam sido todos eles resgatados.
Operações de salvamento dos passageiros e tripulantes do paquete VERONESE junto da Boa Nova, praia de Leça da Palmeira, em 1913 / Imprensa diária /.
Também o Sistema de Sinalização por GPS, que permite a localização imediata das embarcações em dificuldades, denominado Rádio Baliza tem de ser considerado um dos grandes inventos do século XX, e todas as embarcações não deveriam deixar de o possuir, pois será mais fácil localizar a embarcação ou os náufragos em dificuldade, e poupar-se-ia em gastos com navios de guerra, lanchas salva-vidas, aeronaves, etc., sempre presentes nestas ocorrências.
Em 16/02/1963, cerca da meia-noite, no cabeço da barra do Douro, devido ao mau tempo e pouca visibilidade originada pelos intensos aguaceiros, encalhou o vapor Liberiano SILVER VALLEY, que se destinava ao porto de Leixões, e que acabou por alquebrar, e como, mesmo de dia claro, as embarcações de socorro não se atreviam à acostagem devido à forte agitação marítima, e os foguetões lançados pelos bombeiros não conseguiam alcançar o castelo da proa do SILVER VALLEY, onde se tinham refugiado os naufragados, o capitão do porto teve a feliz ideia de solicitar a vinda de dois helicópteros "Allouete" da Força Aérea Francesa, que por um feliz acaso estavam na base do Montijo, a servir para treino dos futuros pilotos Portugueses, sob instrução de pilotos Franceses, e o milagre deu-se, pois em quarenta minutos, num vaivém coordenado, os 27 tripulantes de nacionalidade Grega estavam a salvo na praia das Pastoras, depois de uma madrugada, manhã e parte da tarde, aflitiva, que mais lhes deve ter parecido uma eternidade, e à chegada muitos deles beijavam as areias da praia. Esta operação de resgate aéreo, foi a primeira na costa continental Portuguesa, e uma das primeiras a nível mundial, tal e qual o resgate duma grande parte dos passageiros e tripulantes do navio ARNEL, naufragado na costa da Ilha de Santa Maria, nos Açores, em 19/09/1959.
A imagem mostra um dos helicópteros assentando os patins do seu trem na amurada de proa do SILVER VALLEY e os náufragos, dois a dois, iam subindo directamente para bordo, alcançando terra firme em 15 viagens. /(c) imagem de noticia de O Primeiro de Janeiro de 17-03-1963 /.
Ainda me lembro da tragédia do 2 de Dezembro de 1947, na qual pereceram 152 desventurados pescadores das traineiras SÃO SALVADOR, D. MANUEL, MARIA MIGUEL e ROSA FAUSTINO, e deixou 71 viúvas e na orfandade 100 crianças, que ocorrera entre a Aguda e os Molhes de Leixões, e que precisamente na madrugada da passada sexta-feira (dia 2), altura em que os pescadores da VIRGEM DO SAMEIRO, ainda não tinham sido encontrados e resgatados, passavam-se 64 anos, e que o meu amigo Carlos Miranda Ferreirinha, de Lordelo do Ouro, camarada da S. JOSÉ 5º, há poucos dias, juntamente com mais dois camaradas intervenientes naquela horrenda tragédia, participaram no programa da SIC intitulado "Sobreviventes", relatando a situação aflitiva porque passaram, se bem que nesse naufrágio, com a borrasca e mar que se fazia sentir, não haveria helicóptero que se aventurasse, e agora quase que na mesma data ia acontecendo uma nova fatalidade marítima para a constante martirizada Caxinas, que nem poupada é com mortes de pescadores no asfalto, como ocorreu há uns tempos no Alto Minho.
O casco destroçado da traineira D. MANUEL varada no cabedelo da barra do Douro em 02/12/1947 / Imprensa diária /.
Eu sempre estive confiado que os náufragos fossem encontrados, porque não apareciam vestígios da embarcação, poderia ter sido abalroada por qualquer navio, que não se tivesse apercebido, não seria a primeira vez, ou apanhada por uma volta de mar mais alterosa, que a fizesse submergir com o pessoal quase todo a descansar, mas também poderia por qualquer motivo não ter sido detectada, apesar dos "very lights" lançados, até porque a balsa não era de grandes dimensões. Hoje em dia toda a gente utiliza telemóvel, e os mareantes não são excepção, até os capitães dos navios mercantes, apesar de existir interdição, praticamente valem-se do telemóvel para comunicar com os seus agentes consignatários em vez do característico radiotelefone/VHF, à aproximação aos portos de destino, só que com a pressa de saltarem para a balsa salva-vidas, os telemóveis devem ter ficado a bordo, se bem que há distância que se encontravam não conseguiriam rede.
As causas da perda da motora VIRGEM DO SAMEIRO, segundo relato do mestre não é conhecida, apenas diz que a embarcação começou por adornar a estibordo, e num ápice a casa da máquina e a habitabilidade estavam inundadas, sem a mínima hipótese de esgotamento, acabando por submergir. Usualmente estas situações ocorrem devido a bater em corpo flutuante estranho ou a qualquer pancada mais forte na vaga, muito usual quando a navegação é feita com vaga forte de proa, caso das nortadas.
Na década de 70 ou 80, se não estou em erro, no escritório de navegação onde eu trabalhava, a um fim de semana, eu tinha o aparelho VHF em escuta, quando ás tantas ouço uma chamada em tom muito ténue, e um pouco imperceptível, que parecia ser de aparelho da banda do cidadão, em que o mestre pedia auxilio iminente, porque a sua motora se estava afundar e os meios de salvamento eram poucos, ainda tentei comunicar com eles para me darem a sua posição, mas nada, e sem perda de tempo telefonei para a capitania, e disseram-me que outras embarcações já iam em socorro, só que ainda estavam muito longe. Já não me recordo se a motora era da Povoa de Varzim ou de Leixões, só sei que as outras motoras, quando chegaram à posição indicada, nada encontraram, talvez por dados desacertados, e lá foram mais uns tantos infelizes e enlutado o centro piscatório a que pertenciam.
Tenho lido muitos relatos de situações desesperadas de tripulações de navios Aliados e de neutrais, mesmo de Portugueses, que foram torpedeados e afundados pelos famigerados submarinos Nazis, na 1ª e 2ª Guerras Mundiais, e que andaram nas baleeiras salva-vidas ou jangadas dias e dias à deriva em pleno oceano até serem avistados por aeronaves ou encontrados por outros navios, ou ainda vararem em qualquer praia. Uns conseguiram sobreviver exaustos e em estado deplorável, outros enlouqueciam ou finavam, e tiveram por sepultura, o fundo dos oceanos.
E, dentre muitos, houve o caso do lugre-motor bacalhoeiro Português MARIA DA GLORIA, a 06/06/1942 nos pesqueiros dos Grandes Bancos, em que de 44 homens recolhidos em 22 doris sem um mínimo de habitabilidade e conforto, porque eram embarcações próprias para a pesca manuseadas unicamente por um pescador, apenas se salvaram 8, dentre eles o seu capitão, os restantes jamais foram encontrados, e em tempo de paz, houve o caso do navio-motor bacalhoeiro Português JOÃO COSTA, naufragado a 23/09/1952 a 60 milhas da Ilha de S. Miguel, em que toda a companha de 74 homens concentrados em 22 doris foram recolhidas por 3 navios mercantes que tiveram grande dificuldade em os encontrar devido às suas reduzidas dimensões, pois passaram por uma odisseia de cerca de 7 dias sem avistar o quer que fosse.
Boas marés e melhor sorte para os mareantes e profissionais das artes de pesca, particularmente para os das Caxinas, que deram provas de grande heroicidade e fé religiosa, apesar da desgraça estar sempre por perto.
Desta vez tudo correu bem, mas nem sempre assim acontece!
Fontes: Comunicação social, Sea Breezes, WW2 magazines.
Rui Amaro
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