EXCERTOS DO DIÁRIO NÁUTICO DA BARCA “NANNY”
Porto / Nova Iorque
Hoje, 19/10/1899, às 10h00, principiou-se a desamarrar o navio com o auxílio do piloto da barra e com maré de enchente, vento bonançoso de NE. Às 13h30 recebeu-se o cabo de reboque do vapor VELOZ e a visita da polícia, e às 14h00 principiamos a ser rebocados para a barra, a qual cruzamos às 14h45, entretanto mareamos com todo o pano e às 15h20 largamos o reboque, e assim continuamos a navegar ao rumo OSO magº e às 16h30 marquei o farol da Senhora da Luz ao rumo E4ª p/NE magº em distância arbitrada de 12 milhas pela qual marcação achei o ponto de partida como se vê na página seguinte.
20/10/1899 – Bom tempo, mar bom, vento bonançoso, horizonte e atmosfera clara. Alguns vapores à vista, navegando para o Norte. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos acompanhe.
02/11/1899 – Até às 18h00, tempo claro e vento regular e mar chão e dessa hora em diante principiou o horizonte e a atmosfera a tornar-se carregados, começando o vento a ficar fresco de refregas e o mar irregular até às 19h00, de forma que às 22h00 já o navio velava com todo o pano, sem mais ocorrências – O Nosso Senhor de Matosinhos nos leve a salvamento.
07/11/1899 – Navegamos esta singradura como acima mostro, horizonte e atmosfera de nuvens soltas. Um lugre de 3 mastros navega para E. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos leve a salvamento.
20/12/1899 – Navegamos esta singradura como acima mostro. Das 04h00 em diante começou o horizonte a carregar e o vento a refrescar, e ás 08h00 saltou para NO, sendo preciso dar-lhe a popa e preparar o navio em gáveas baixas para meter de capa, tendo-se partido o joanete, depois horizonte mais leve e atmosfera clara. Sem mais novidade – O Nosso Senhor de Matosinhos nos leve a salvamento.
28/12/1899 – Navegamos esta singradura como acima mostro, horizonte e atmosfera carregada. Às 23h00 passa por nós o vapor (passageiros e carga) Português PENINSULAR, pelo que pedimos a Long., a qual nos deu 70.50.00 O de Greenwich e achamos a dif. No chr. 30o mais a O e o navio a E. Sem mais novidade – O Senhor de Matosinhos nos recolha a salvamento.
http://www.fineartemporium.com/se-Jac-Pen-TN.jpg (Vapor de passageiros e carga Português PENINSULAR)
http://www.fineartemporium.com/we-Willis-Nanny-image.htm (A barca Alemã NANNY foi comprada Inglaterra em 1885 por J. W. Burmester e em 11/05/1890 naufragou por encalhe perto do porto de Santos, tendo a tripulação sido salva. Mais tarde foi posta em Leilão conforme se encontrava, tendo sido adquirida por Franz Ferdinand Burmester, gestores Hermann Burmester & Ca. , que a trouxe para o Porto, passando a hastear o pavilhão branco e azul do reino de Portugal, e servindo o tráfego internacional, nomeadamente para os EUA).
Há uma outra versão:
A barca de ferro NANNY, 200.6pés/ 61m comprimento, julgo que seja entre perpendiculares/ 953tb; 1860 construída por Harland & Wolff, Belfast, como JANE PORTER, armada em galera de três mastros, para J. P. Corry & Sons, Belfast, que a empregou no comercio de juta de Calcuta, India; 1882 passou a armar em barca; 07/1889 JANE PORTER, W. Ross & Co., Belfast; 18-- NANNY, Hermann Burmester, Hamburgo; NANNY consta que a sua duração arvorando pavilhão Português foi por um curto período; 1902 NANNY, devido a ciclone quando singrava no Atlantico Norte ficou desarvorada, tendo sido levada para Dunquerque; 27/10/1902 TRICHERA, John E. Olsson, Gotenburgo, tonelagem aumentada para 1.003tb; 1904 TRICHERA, provavelmente passou a armar em lugre; 01/06/1905 TRICHERA, enquanto em viagem de Bombaim para East London naufragou na costa da província e Natal.
A barca NANNY sob bandeira Alemã / Galeria de arte de autor desconhecido /.
01/01/1900 - Conservamo-nos de capa na volta do Sul. Atmosfera e horizonte outra vez muito carregados e às 20h00 como o vento fosse escasseando viramos na volta do N, e daí em diante o tempo começou a carregar mais forte e o mar cada vez mais agitado, pelo que tivemos de dar a popa ao tempo, o que levou mais de uma hora a fazer, porque o navio não queria arribar, resultando que ficamos atravessados ao mar e com enorme nível de adornamento e quase submergidos, mas felizmente acabou por arribar e começamos a correr ao tempo, dando a popa ao mar – O Senhor de Matosinhos tenha piedade de nós.
06/01/1900 – Navegamos esta singradura como acima mostro com horizonte e atmosfera leve. Em vista da viagem estar tão prolongada e recear acabar-se os mantimentos, temos a intenção de pedir à primeira embarcação que apareça, e sendo a ocasião de os receber. De contrário temos de arribar a algum porto antes que se acabem – O Senhor de Matosinhos nos valha nesta aflição.
07/01/1900 – Navegamos esta singradura como acima mostro com horizonte e atmosfera leve. À 17h00 aparecendo um vapor ao O de nós, fizemos sinal com fogacho a chamá-lo para pedirmos mantimentos e o qual se aproximou e fomos fornecidos – O Coração de Jesus nos leve a salvamento.
23/01/1900 – Às 16h00 avistamos o farol de Barnagat e às 21h00 marcamos o triângulo do dito farol ao rumo de 75o SO verdadeiro e cuja marcação fiz meu ponto de chegada distancia calculada do navio ao farol 17 milhas pela dita marcação achamos de long. O . . . e de lat. 39.49.30, a qual fiz geograficamente pelo mapa e pela dita marcação achamos o chr. O 60milhas. Às 21h00 avistou-se o vapor de reboque e às 22h00 ajustamos e pegamos reboque, até que às 06h00 do dia 24 entramos a barra de Nova Iorque e demos fundo diante da Sanidade Marítima e assim fecho a minha derrota sem mais novidade.
Nova Iorque / Porto
Hoje, 23/02/1900, pelas 14h00, começamos a suspender os ferros tendo o piloto da barra a bordo, e às 15h00 saímos a barra, tendo o prático desembarcado às 15h50, e às 16h00 mareamos o navio com todo o pano com o vento de S bonançoso, navegando ao rumo E4SE e amurado por EB até que às 18h00 marcamos o farol de San Diogo e achamos o rumo de OSO magtº na distância calculada de 5milhas, tendo de variação NO 08.00.00. E pela dita marcação fizemos o ponto de partida. Sem mais ocorrências – O Coração de Jesus nos leve a salvamento.
01/03/1900 – Navegamos esta singradura como acima mostro, horizonte e atmosfera carregada correndo ao desejo do tempo e do mar. Vento muito forte do NO e o mar muito alto do NO e do O entrando dentro do navio grandes golpes de mar, chegando o navio por algumas vezes a ficar quase raso de água. Sem mais novidade – O Senhor de Matosinhos nos leve a salvo.
05/03/1900 – Navegamos esta singradura como acima mostro, horizonte e atmosfera clara. O capitão mandou abrir as escotilhas para ver o estado em que ia a carga, por causa do mau tempo que caiu. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos acompanhe.
13/03/1900 – Navegamos esta singradura como acima mostro, horizonte e atmosfera clara. Às 18h00 avistamos a Ilha do Pico e ao meio-dia obtivemos a altura meridiano do sol, que nos deu de Lat. N 34.35 e pela dita marcação a frente de E da mesma ilha ao rumo de NE4E magtº, cuja marcação fizemos geograficamente na carta e pela dita marcação achamos o chr. + ao O 20milhas. Sem mais novidade – O Coração de Jesus nos acompanhe.
04/04/1900 – Navegamos esta singradura como acima mostro, horizonte e atmosfera carregada. Às 18h00 avistamos terra e às 20h00 marcamos o farol da Senhora da Luz ao rumo 86º SE verdadeiro na distância calculada de 10 milhas, cuja marcação fiz geograficamente no mapa e achei de lat. N 41.10.00 e de long. O 08.54.00 e pela dita marcação fiz meu ponto de chegada e assim fecho a minha derrota sem mais novidade.
(continua)
Rui Amaro