domingo, 25 de maio de 2008

« A PROBLEMÁTICA BARRA DO RIO DOURO » - 6 -

« A TRAGÉDIA DO VAPOR ALEMÃO DEISTER »

À esquerda vê-se o Deister atravessado e preparando-se para sair a barra, a fim de regressar a Leixões de onde tinha vindo. À direita encalhado e destroçado, já por fora do Cabeço da barra, começava a afundar-se, acabando por se deter algum tempo semi-submerso, a cerca de 400 metros para lá do Molhe de Felgueiras, estando ainda a bordo vinte um homens agarrados ao varandim do castelo da popa, dentre os quais o piloto da barra, três no vau do mastro da ré e o oficial sobrecarga na casa de navegação, que se mostra engolfada pela maresia em fúria, tentando todos eles resistirem a uma morte certa, que pouco tempo levou a chegar. /(c) Gravura de noticia do jornal O Comercio do Porto de 05/02/1929/.

A 03/02/1929, nesse domingo trágico, alguns minutos depois das 08h00, o Deister, 80m/1.760tb, 16 pés de calado de água, já dentro da barra, um pouco adiante do lugar da Ponta do Dente, desgovernou, perigosamente a bombordo e o piloto da barra mandou largar o ferro de estibordo e máquina à ré, a fim de evitar a pedra da Forcada. Logo a seguir, obedecendo às manobras, foi ao meio do rio mas perdeu o referido ferro, por se ter rebentado a amarra. Entretanto, quando se preparava para seguir rio acima voltou a guinar, desta vez a estibordo, pelo que se viu obrigado a largar o único ferro disponível ou seja o de bombordo, a fim de evitar ir sobre a restinga do Cabedelo, acabando por perder também esse ferro. No entanto, quando tudo parecia ir correr de feição foi de guinada a sueste e sem ferros para o evitar, acabou por encalhar na restinga do Cabedelo, ficando envolvido na forte ondulação, que muita das vezes se faz sentir naquele local, mesmo em ocasiões de mar chão.
O rebocador Burnay 2º, que pairava perto das bóia dos Arribadouros, acorreu pressuroso mas não conseguiu estabelecer ligação com o vapor sinistrado, devido à forte corrente do rio e à ondulação na restinga do Cabedelo, que o fazia perigar e causou, que alguns elementos da sua equipagem ficassem feridos. Mais feliz, apareceu às 08h30 o rebocador Jupiter vindo de Leixões que, beneficiando de alguns lisos de mar, conseguiu passar o cabo de reboque à popa do vapor sinistrado, o qual pouco depois rebentou. Uma segunda amarreta foi passada e também acabou por rebentar. Uma terceira tentativa foi mais afortunada, tendo o rebocador puxado pelo Deister, conseguindo fazê-lo mover-se um pouco para oeste, todavia logo a seguir o Jupiter devido ao jeito das águas de cima e da ondulação, foi tocado pela alheta de bombordo e desgovernou, guinando para sul. Chegou a bater por duas vezes com a quilha sobre a Restinga, quebrando-se os vidros das quatro vigias à proa, pelo que o mestre Francisco António Rosa, “o Salvaterra”, julgando ter sofrido grande avaria no fundo provocada pelas pancadas e vendo o risco iminente de naufragar com os seus homens, sem beneficio para ninguém, mandou cortar a amarreta sem perda de tempo e de marcha toda força à ré, a fim de sair do perigo em que se encontrava, seguiu assim para fora da barra, vencendo a ondulação, que no canal de navegação ainda não era demasiado perigosa, ao contrário da Restinga e do Cabeço da Barra, a sul.
Com a rebentação do mar, que se fazia sentir, quando o Jupiter bateu no fundo, agravado com a água que entrou em grande quantidade, a casa da máquina, caldeira, alojamentos à proa e à popa ficaram inundados. A água chegou a atingir o nível de 2,5 pés, pelo que o mestre decidiu voltar a Leixões, a fim de limitar as avarias e esgotar a água.
Nessa altura, o piloto-mor Francisco Rodrigues Brandão e o cabo-piloto Alexandre Cardoso Meireles, deixando de dispor da acção dos dois rebocadores, mandaram lançar um foguetão, que conseguiu alcançar o vapor e então foi estabelecido um cabo de arame, que foi amarrado a um peoriz do cais Velho. De bordo, começaram a retesar esse arame e a breve trecho conseguía-se desencalhar o vapor, que ganhando jeito às águas de cima ficou atravessado ao rio, de proa a norte e dando leves indícios de se encontrar arrombado avante, talvez por ter batido na penedia submersa da Forcada ou no enrocamento do cais Velho, sem que ninguém tivesse dado por isso.
Sem os dois ferros e talvez a bordo, devido à situação e nervosismo gerado, não se tivessem apercebido da entrada de água nos porões de vante ou se ignorasse por falta de sondagem a dimensão dos rombos, o piloto da barra compelido, para se evitar o bloqueamento da barra, acabou por se fazer ao largo, com a maresia e o tempo a deteriorar-se, na tentativa vã de alcançar o porto de Leixões e onde, caso estivesse arrombado, seria encalhado em areal apropriado ou em qualquer baixio da bacia daquele porto, procedimento normal para casos semelhantes. No entanto, houveram entendidos, que não admitiam a ida do vapor para o mar, devido ao facto de se encontrar, eventualmente a fazer água e sobretudo privado de ferros para uma eventual necessidade de ancorar numa situação de emergência mas o piloto-mor sem qualquer informação de bordo, certamente após ter conferenciado com os seus subordinados presentes no cais Velho e como profissional responsável pela barra e pelos serviços de pilotagem, apurando que havia condições para o Deister rumar ao porto de Leixões, teve de decidir na hora, pelo que os populares e a imprensa diária jamais lhe deveriam ter imputado culpas pela tragédia.
Entretanto, o Deister saía a barra suportando algumas fortes voltas de mar, que o não faziam perigar na sua marcha mas talvez lhe tenham danificado as escotilhas dos porões de vante, possivelmente por se encontrarem mal fechadas, por onde começou também a entrar água. Todavia, a cerca de meia milha, um pouco a sul da pedra do Gilreu, sem ferros e na ausência de qualquer embarcação de apoio por perto, começou por seguir à deriva a arriar-se de proa, leme e hélice fora de água, apitando lugubremente por socorro, tendo acabado por se deter encalhado no topo norte do cabeço de areia da barra, distanciado cerca de trezentos a quatrocentos metros para oés-sudoeste do farolim de Felgueiras, local de forte ondulação e difícil acesso.
Curiosamente, quando manhã cedo o Deister, vindo do porto de Leixões, demandara a barra, a ondulação era fraca, embora por vezes ameaçasse deteriorar-se devido à previsão de tempestade eminente mas nada fazendo prever tamanha tragédia, embora cerca das 07h40 fossem sentidas rajadas de vento de oés-noroeste da ordem dos 90 km/h e às 11h15 registara-se a rajada mais violenta de 128 km/h de noroeste. Durante a tarde repetiram-se as fortes rajadas de carácter ciclónico. O mau tempo só começou a amainar por volta das 20h00. O rebocador Jupiter, vindo do porto de Leixões para safar do Cabedelo o vapor sinistrado, entrou e saiu a barra com alguma dificuldade mas sem qualquer percalço. A maresia e a ventania começaram a piorar, drasticamente no preciso momento em que aquele vapor manobrando de proa ao mar, pelos seus próprios meios, retrocedia para o porto de Leixões, abandonando o rio Douro, se bem que quando o malogrado piloto da barra constatou que não alcançaria bom porto, tudo levou a crer, enquanto teve hélice e leme, que tentou manobrar de maneira a encalhar o Deister a norte do molhe de Felgueiras, mais propriamente na penedia da praia do Ourigo, local onde haveria mais hipóteses de resgate da tripulação. Só que já era demasiado tarde.
Logo que o Jupiter entrara em Leixões, procedera-se ao esgotamento da água e entretanto alertado pelo piloto José Fernandes Amaro Júnior, a bordo do vapor italiano Doride, navio de mau governo e fraco de máquina, que deveria ter entrado a barra do Douro, antes do Deister, só que demorou a safar as muitas voltas que os dois ferros tinham e da ponte de comando vislumbrando, que o Deister estava em dificuldades fora da barra, já não saiu daquele porto, tratando de proceder a nova amarração, e sem perda de tempo, tratou de chamar a atenção do Jupiter para a desgraça que se estava a desenrolar.
Aquele rebocador, imediatamente tratou de se fazer ao mar e por ordem do capitão do porto levou a reboque o salva-vidas Leixões, este sob as ordens do seu patrão José Rabumba, "O Aveiro", protagonista de salvamentos sem conta, e acompanhado pelo rebocador Lusitânia e a traineira S. Sebastião, conduzindo um outro salva-vidas, dirigiram-se para o local do naufrágio e então o Jupiter, fazendo os possíveis e impossíveis, foi-se aproximando do Deister. Infelizmente quando tinha dois náufragos por perto, o salva-vidas Leixões, devido a um golpe de mar, voltou-se e o mestre "O Salvaterra" teve de acorrer a resgatar a companha daquele salva-vidas.
Aquele mestre, que acabou por ter o seu rebocador, mais uma vez inundado, conferenciando com o patrão do salva-vidas Leixões, e não se vislumbrando qualquer náufrago à superfície daquelas malditas águas, além do mau tempo continuar a deteriorar-se, resolveram regressar, ingloriamente ao porto de Leixões.
Apesar de todas as tentativas de salvamento levadas a cabo por terra e por mar, particularmente pelo rebocador Júpiter, aquele acidente redundou numa enorme desgraça, na qual pereceram todos os seus 24 tripulantes e o piloto da barra Jacinto José Pinto, 33 anos de idade, profissional muito competente, após se debaterem estoicamente cerca de seis horas contra uma maresia impiedosa.
O Deister, que vinha consignado aos agentes W.Stuve & Cia e fora construído em 1921 pelo estaleiro Howaldstwerke, Kiel, sob o nome de Franziska para o armador Carl Wohlenberg, Hamburgo, tendo sido adquirido em 1928 pelo armador Rabien & Stadtlander G.m.b.H., Bremen, passando então a andar fretado à companhia Neptun Dampfs. Ges., também de Bremen, até se p
erder, quando realizava a sua terceira viagem ao rio Douro.
Rui Amaro
Fontes: Imprensa diária
Piloto da barra José Fernandes Amaro Júnior - meu Pai

Vapor italiano Doride, 75m/1.507tb, construido em 1897 por Henry Koch, Lubeck, como Tanger para OPDR, Oldenburg; 08/1914 devido à guerra foi internado em Malaga; 08/1919 quando se encontrava ao serviço de um armador Francês foi entregue ao Shipping Controller, Londres; 1921 Stralsund, Neue Dampfer-Compagnie, Stettin; 1924 Deutche Levante Linie, mesmo nome; 1926 Doride, Navigazione Neptunia, Genova, que o empregou no seu serviço Itália para Portugal; 1938 Gimna, Servizio Italo Portughese, Génova, 24/05/1943 afundado por bombardeamento em Regio di Calabria; 1947 posto a reflutuar: 1951 Palmaiola, Ilva Alti Forni e Accieri di Italia, Genova; 1961 desmantelado em Genova. /(c) Foto de autor desconhecido/.

O rebocador Jupiter, 33m/114,58tb, construido em 1915 por J. Constant Kieverts, Dordrecht; ex Foremost III, R.E.V. Jaags,Ltd; 1920 Jupiter, Empresa de Transportes Fluviais e Maritimos (Garland, Laidley & Co.,Ltd.), Porto; 1931 Jupiter, Messageries du Senegal, Dakar. / (c) imagem do armador/.


3 comentários:

Luis Filipe Morazzo disse...

Bom amigo Rui Amaro

Tenho muito gosto em informar o meu amigo, que o seu livro já chegou a Cascais, e sempre que posso, delicio-me a ler mais umas paginazinhas, esperando sempre que a leitura nunca chegue ao fim. Fiquei a saber, que um dos naufrágios que mais o marcou foi aquele relacionado com perda do iate-motor “Meteoro” e respectiva tripulação. Acredito que devem ter sido alguns dos momentos mais intensos que viveu até hoje, pois estar a assistir a todo aquele drama, e ao mesmo tempo sentir-se completamente impotente para poder ajudar, é mesmo muito complicado. Eu próprio também tive uma experiência parecida, embora no meu caso e ainda bem que foi assim, não houve perda de vidas a lamentar. Estou-me a referir ao naufrágio do grande arrastão bacalhoeiro “Santa Mafalda”, que no dia 22-1-66, encalhou na Ponta da Laje, junto ao farol de S.Julião da Barra, em Carcavelos, quando completamente aparelhado para a “Faina Maior”, zarpava do Tejo pela barra norte, e nesse preciso e fatídico momento, devido a uma avaria inoportuna no leme, que o obrigou a encalhar, tendo como consequência, a sua perda total.
Lembro-me que nessa altura com os meus quinze anos, estava a estudar no liceu de Oeiras, localizado a poucas centenas de metros da barra do Tejo, e logo que a rapaziada soube do acontecimento, todos correram para a praia, esquecendo os seus afazeres de estudante, na ânsia de apanharem os melhores lugares. Quando cheguei ao local do naufrágio, lembro-me de ver o navio que estava muito pesado, encalhado de proa em frente ao forte, ligeiramente adornado a bombordo, e a ser fustigado por uma forte ondulação empurrada por um vento que não parava de aumentar de intensidade do quadrante de SW.
Houve dois aspectos que eu gostaria de realçar deste grave acidente, o primeiro, foi a corajosa e hábil manobra que o patrão do vapor “Comandante Milheiro” dos pilotos da barra, executou, ao posicionar o seu navio por barlavento, o mais perto possível do navio sinistrado, e em seguida, ao colocar um bote na água, pôde assim estabelecer um sistema de vai-vem, no qual salvou 32 dos 64 homens da companha, (os restantes homens incluindo o cão de bordo, foram salvos pelo sistema de cabos vai-vem, estabelecidos pelos bombeiros de Paço d`Arcos). O segundo aspecto, foi a rapidez com que o mar num período curto de cerca de 7 dias, conseguiu partir um navio construído em aço, em três secções distintas.
Antes de terminar e como eu sou um chato do caraças, aproveito para fazer aquela perguntinha da ordem: Se tem alguma fotografia do iate-motor “Meteoro”? e se for o caso, não se importasse em posta-la no seu blogge?

Obrigado

Saudações marinheiras e até breve

Rui Amaro disse...

Amigo Morazzo
Obrigado pela sua mensagem e posso-lhe dizer que me lembro do arrastão Santa Mafalda, da EPA, Aveiro, que chegou a vir aqui ao Douro/Leixões, a fim de aliviar carga ou aguardar maré para demandar a nem sempre acessível barra de Aveiro, que na altura não era nada comparável à funcional barra de hoje em dia. Na minha colecção de recortes de noticias de assuntos marítimos, não podia faltar o encalhe do Santa Mafalda (1), porque logo de seguida foi iniciada a construção do Santa Mafalda (2), um arrastão de pesca pela popa.
Quanto ao iate-motor Meteoro, no meu livro pag. 114 há uma gravura, infelizmente de má qualidade, obtida da imprensa diária. Essa foto, mais completa, embora também de fraca qualidade, onde se vê por vante do Meteoro, o qual no momento se está a afundar, o navio-motor Caramulo. Essas fotos e outras desse naufrágio foram obtidas pelo amador fotográfico A. Teixeira da Costa, residente e empregado de uma pastelaria, aqui junto da barra, o qual estava no local certo e possuía uma enormíssima colecção fotográfica de cenas da barra do Douro. Algumas que consegui arranjar irei postar no meu Blogue Navios à Vista e site Ships Nostalgia. Um texto sobre o naufrágio do Meteoro, com o máximo dos pormenores, irá dentro de dias ser postado no meu Blogue.
Sempre ao dispor
Saudações Marítimas
Rui Amaro

broderix disse...

Amigos: tenho colegas que colecionam postais com imagens de navios, de portos e tambem material impresso sobre os mesmos. Quem possuir tais materiais disponíveis para envio para o Brasil favor contactar Broderix@hotmail.com