quinta-feira, 26 de junho de 2008

« O REBOCADOR "VANDOMA" ex "ST-745" »

Uma certa manhã dos primeiros meses de 1949, com os meus 12 anos de idade, viajando de carro eléctrico da Foz do Douro para o Porto, a fim de me dirigir ao estabelecimento de ensino, que frequentava, já muito próximo de Massarelos, vislumbrei uma embarcação um pouco esquisita, casco bojudo e chaminé deveras dimensional, amarrada no conhecido lugar do Quadro dos Bacalhoeiros, margem direita do rio Douro, cujo seu aspecto nada se igualava aos rebocadores da época. Tal embarcação mais parecia uma unidade de outra qualquer armada, menos da Portuguesa, devido ao seu casco e estruturas se encontrarem pintados na sua totalidade de cinzento-escuro. À proa, nas amuras, e se bem me lembro, também na chaminé, distinguia-se a sua identificação e número ST-745, pintados de cor preta, que correspondia ao nome da embarcação.
Essa embarcação esquisita, que viera substituir o velhinho mas sempre relevante e popular rebocador TRITÃO, 36m/172tb, que já deveria ter ido para a reforma há bastantes anos, pois fora construído em Inglaterra em 1888, por encomenda do Governo Português e entregue à Junta Autónoma dos Portos do Norte – Douro/Leixões, actual APDL, era nem mais nem menos do que o actual rebocador VANDOMA, que acabara de chegar da Holanda, já com bandeira e tripulação Portuguesa, onde fora adquirido para servir de rebocador portuário nos portos do Douro e Leixões, particularmente neste último, além de prestar apoio à navegação em dificuldades ao largo da costa.
O VANDOMA ex ST-745, 26,68m/154,89tb, 690HP/1.250HP, fora construído em 1944 nos EUA pelo estaleiro Tampa and Marine Corp., Tampa. FL, de acordo com o projecto 327 e entregue à US ARMY CORPS para aumentar o esforço de material flutuante para fazer face à Segunda Guerra Mundial. Ainda no mesmo ano do seu lançamento á água foi enviado para o teatro de operações de guerra na Europa e fazendo parte do comboio naval NY-118, deixou a costa Leste dos EUA a 23 de Julho, alcançando o porto de Falmouth, Sudoeste de Inglaterra, a reboque do navio de desembarque LST-363, a 17 de Agosto, por conseguinte 25 dias de mar. Há quem diga que tomou parte no desembarque das forças aliadas nas costas da Normandia, célebre “D-Day”, nas manobras do posicionamento dos navios afundados, propositadamente junto às praias, e ainda dos módulos de concreto destinados a estabelecer molhes, ou seja um género de porto artificial.
Em 1949 foi vendido à Sociedade de Representações., Lda., Lisboa, ficando a pertencer à APDL – Administração dos Portos do Douro e Leixões, Porto, em 1950. Após os fabricos, julgo, totalmente realizados no ancoradouro de Massarelos e em Leixões, fez experiências de mar a 30/04/1949, demonstrando as suas excelentes potencialidades de manobra e marcha, já pintado com as cores da APDL, muito mais interessantes do que as actuais.
Década de 70 com a vinda de novos rebocadores foi entregue à JAPN – Junta Autónoma dos Portos do Norte, Viana do Castelo, a fim de substituir o rebocador RIO VEZ, entretanto tragicamente naufragado naquela barra minhota. Em 1983 tomou as cores alaranjadas da TINITA- Transportes e Reboques Marítimos SA, empresa de rebocagens sedeada em Viana do Castelo, continuando a servir aquele porto até 2005, e bem, devido ao facto de lhe ter sido instalado um propulsor do tipo "Schottel", à proa, pelo que ganhou melhor manobralidade e capacidade de tracção, o que lhe permitiu operar até tão tarde.
Perto do final do afretamento, a TINITA tornou a pintá-lo com as cores do seu antigo armador, a JAPN, casco preto e superstruturas de amarelo e branco, tendo sido entregue ao agora IPTM - Instituto Portuário dos Transportes Marítimos, delegação do Norte, entidade que substituiu a JAPN na administração do porto de Viana do Castelo. Como anteriormente na chaminé tinha as letras JAPN, que já não existe, optaram por manter a cruz de Cristo, simbolo da TINITA e que todas as unidades daquela empresa ostentam, e segundo parece, tem a ver com as preferências clubisticas de um dos fundadores daquela empresa de sucesso - o popular "Belenenses".
Actualmente, encontra-se atracado ao terminal de cargas rolantes (Ro-Ro) do porto comercial de Viana do Castelo, a aguardar desmantelamento para sucata, após cerca de 60 anos de bons e úteis serviços, contudo teve ainda a oportunidade de participar nas filmagens do "Assalto ao Santa Maria", parcialmente rodado no navio-hospital GIL EANNES. Para o efeito navegou pelos seus próprios meios, apenas com o impulsor de proa, para a doca comercial, recebendo o nome e porto de registo de ocasião, GIERIG - Curacao, e já que não ficará preservado como motivo museológico junto do GIL EANNES, pelo menos foi o melhor fim para uma tão rica e longa carreira, iniciada há 64 anos na sua vinda para a Europa, a fim de tomar parte no esforço de guerra Aliado para combater o Nazismo.

Em 1954, juntamente com o MONTALTO e o MERCÚRIO 2º, participou nas operações de reflutuação do navio-motor COLARES, encalhado à entrada da barra do Douro, que foram coroadas de êxito e ainda na tentativa de resgate da tripulação do vapor SILVER VALLEY, encalhado a 17/03/1963 no Cabeço daquela mesma barra, entre outras. Os seus gémeos de bandeira Portuguesa, mais aproximados, foram os rebocadores GUIA, porto de Macau, além do CATUMBELA e DANDE, governo de Angola e entre os estrangeiros existe o VERNICOS IRINI, da Turquia, cujo armador o ofertou a um museu maritimo daquele país.
Dentre várias operações de reboque de material flutuante de obras públicas, nomeadamente portuárias, colaborou em 1963, juntamente com outro rebocador da APDL, no reboque do pontão MARIETA que transportava os "cimbres" para construção da Ponte da Arrábida sobre o rio Douro.
No Verão de 1949, num passeio na ria de Aveiro, que realizei com meus Pais, na bateira da apanha do burrié e berbigão, um género de moliceiro, propriedade do nosso saudoso parente Manuel Galvão, entre o cais do Bico, Murtosa, e a barra de Aveiro, navegação que de principio foi feita à vara e quando o vento norte refrescou foi de vela enfunada à escota larga, até perto da barra e junto aos Estaleiros Navais de São Jacinto, a fim de se cozinhar e almoçarmos, atracou-se à rebeça de um dos três rebocadores de origem Americana, então, recentemente adquiridos, se bem que de menor deslocamento do que o VANDOMA, os quais se encontravam em finalização de fabricos. Eram eles, o MONTE GRANDE e o MONTALTO destinados à APDL, e ainda o RIO VEZ à JAPN, que entraram ao serviço em Março de 1950. No regresso à Murtosa, foi navegar à bolina, à escota curta, com paragem no Moranzel e na Torreira, com a água a emborcar na embarcação e vertedouro a despejá-la para a ria, além da “toste”, pá da borda, a ser lançada à água conforme o respectivo bordo. Da Torreira rumou-se à Béstida e daí com vento de feição, chegávamos ao cais do Bico, Murtosa, ao final da tarde, após um agradável e ventoso dia na laguna de Aveiro.
A frota de rebocadores da APDL em 1950, e após a imobilização do velho TRITÃO no seu primitivo ancoradouro do caneiro da Ínsua, rio Douro, ficou constituída pelos rebocadores VANDOMA, MONTE GRANDE, MONTALTO, e também o rebocador a fogo MIRA e de acordo com uma fonte recente, aquando da aquisição daqueles novos rebocadores, a APDL esteve para adquirir um outro de maiores dimensões e mais potente, também de origem Americana.
Rui Amaro
Fontes: Imprensa diária
Mr. Hugh Ware (Tugboats – Silverside & Mutiara)
Malheiro do Vale - Viana do Castelo

O rebocador "VANDOMA" com as cores da APDL, após os fabricos, procedendo em 30/04/1949 às experiências finais no rio Douro. / (c) Gravura de noticia de "O Primeiro de Janeiro"/.

O rebocador "VANDOMA", no porto de Leixões, auxiliando as manobras de um navio em 06/06/1960 /(c) Foto de Rui Amaro/
O rebocador "VANDOMA" demandando o porto de Leixões em 29/10/1967./(c) Foto de Rui Amaro/.
O rebocador "VANDOMA" na doca do porto de Viana do Castelo em 07/1985./(c) Foto de Rui Amaro/.

O rebocador "VANDOMA" acostado ao cais de cargas rolantes do porto de Viana do Castelo, aguardando o desmatelamento, em 2007./(c) Foto de Rui Amaro/.

O rebocador "VANDOMA" no porto de Viana do Castelo em 06/2008, ostentando o seu nome e porto de registo de ocasiãio, para a rodagem do filme "O Assalto ao Santa Maria"./(c) Foto gentilmente cedida pelo Amigo Malheiro do Vale/.

O rebocador "VANDOMA" no porto de Viana do Castelo em 06/2008, ostentando o seu nome e porto de registo de ocasiãio, para a rodagem do filme "O Assalto ao Santa Maria"./(c) Foto gentilmente cedida pelo Amigo Malheiro do Vale/.

Os novos rebocadores da APDL, da direita para a esquerda, "VANDOMA", "MONTE GRANDE" e o "MONTALTO" na doca nº 1 do porto de Leixões em 16/03/1950. /(C) gravura de noticia de "O Primeiro de Janeiro"/

O velho rebocador "TRITÃO", após a sua imobilização, amarrado no Caneiro da Insua, rio Douro, em 1949. /(c) Foto de F. Cabral/.

12 comentários:

Luis Filipe Morazzo disse...

Caro Rui Amaro

Sem o meu amigo se aperceber, ao ter postado desta vez as fotografias do rebocador “Vandoma”, acabou de me fazer mais outro favor, que desde já agradeço. Caso tenha a possibilidade de ler a edição deste ano de Fevereiro / Março da “Revista de Marinha”, vai encontrar um artigo de minha autoria, intitulado, “Pela Primeira Vez, na Costa Portuguesa o Helicóptero em Missão de Salvamento”. Onde, o salvamento operado pela primeira vez na nossa costa, por dois “Alouttes” da Força Aérea Portuguesa, de toda a tripulação do cargueiro “Silver Valley”, naufragado no fatídico Cabedelo, a 16-3-63, é abordado. Nesse artigo, eu também falo das acções heróicas, especialmente desenvolvidas pelas tripulações do salva-vidas “Carvalho Araújo” e rebocador ”Vandoma”, que de uma forma abnegada e corajosa, tentaram chegar repetidamente, perto do navio sinistrado, tentativas a que o mar sempre se opôs. Desse famoso rebocador, além do nome do navio, só conhecia o nome do seu corajoso mestre, José Neves.
Antes de acabar, gostaria de perguntar ao meu amigo, a onde é que foram desencantar esse nome “Vandoma”?

Nota: Acredito que os rebocadores "Mafra" e "Mutela", construídos nos Estados Unidos em 1943, e que em 1947 vieram reforçar a frota da CCN no porto de Lisboa, seriam do mesmo tipo do nosso "Vandoma".

Com os meus agradecimentos

Saudações marinheiras e até breve

Luis Filipe Morazzo

Rui Amaro disse...

Amigo Luis Filipe Morazzo
Pois como assinante da Revista de Marinha li e apreciei o seu artigo sobre o naufrágio do Silver Valley no Cabeço da barra do Douro em 1963, aqui mesmo diante de minha casa. O mau tempo era tanto, que só pela manhã ao sair de casa é que dei com aquele espectáculo dantesco, com o vapor já alquebrado e a tripulação recolhida à proa, se bem que nessa altura a fúria do mar já era reduzida. Já haviam embarcações a cruzar a barra sem dificuldade, só que naquele baixio, raramente o mar está chão, pelo que era impossível as embarcações de socorro se aproximaram, pois tinham que pairar à distância fosse por fora, norte ou sul e de facto entre outras embarcações, lá estava o Vandoma capitaneado pelo seu mestre efectivo Idalino Moura dos Santos. Aquele mestre, que também tomou parte no desencalhe do Colares em 1954, usualmente era chamado para acudir a outros casos graves, pois o seu rebocador apesar de portuário era o mais potente aqui no norte. Não sei onde encontrou o nome de José Neves, talvez viesse mencionado em algum jornal, por lapso. Aquele salvamento por helicópteros foi das coisas mais maravilhosas que até hoje assisti, aliás no meu Blogue faço referencia aquele salvamento.
Os rebocadores Mutela e Mafra, embora de construção Americana, se observar bem, são bastante diferentes.
No que respeita ao nome há váriios: Vandoma, freguesia do concelho de Paredes, aqui perto do Porto; Vandoma, artéria do Porto, junto da Sé, e que dera o nome a uma feira de quinquilharias e artigos usados, que se realiza todos o sábados e que actualmente mudou para a zona das Fontainhas; Arco de Vandoma, na mesma artéria e ainda Nossa Senhora de Vandoma, padroeira da cidade do Porto.
Julgo ter dado o esclarecimento necessário
Mande sempre
Um Abraço
Rui Amaro

Luis Daniel Vale disse...

Mais um excelente pedaço de história! Apenas uma correcção, o Vandoma operou (e bem) até 2005. Devido ao facto de lhe ter sido instalado um propulsor do tipo schottel à proa ganhou em manobrabilidade e capacidade de tracção, o que lhe permitiu operar até tão tarde...
Cumprimentos

Rui Amaro disse...

Caro Amigo Malheiro do Vale
Muito grato pelo seu comentário e correcção, relativa ao Vandoma.
Da última vez, que vi o Vandoma foi o ano passado já com cores alteradas e apresentava novo logótipo na chaminé (cruz), que julgo nada ter a ver com a Tinita nem com a JAPN. Por favor diga-me, caso saiba, qual o armador actual, se ainda se encontra em Viana do Castelo ou se já foi desmantelado e onde.
Parece que ainda existem alguns gémeos do Vandoma, entre os quais o Vernicos Irini, com ligeiras diferenças, o qual foi oferecido pelo seu armador Grego a um museu marítimo Turco http://www.hnsa.org/ships/vernicos.htm
Mais uma vez grato pela sua prestimosa atenção
Melhores cumprimentos
Rui Amaro

Luis Daniel Vale disse...

Caro Rui Amaro,

Enquanto operou afretado à Tinita o Vandoma esteve pintado totalmente de laranja.
Perto do final do afretamento do Vandoma, a Tinita tornou a pintá-lo com as cores da JAPN (amarelo e branco) para a entrega ao agora IPTM Delegação do Norte (armador). Como anteriormente na chaminé tinha escrito J.A.P.N. (que já não existe) optaram por manter a cruz de Cristo (simbolo da Tinita e que todos os seus rebocadores ostentam e que, segundo sei, tem a ver com as preferências clubísticas de um dos fundadores da empresa - o Belenenses...).

Abraço

Rui Amaro disse...

Caro Amigo Malheiro do Vale
Imensamente grato pelo seu esclarecimento, apenas fiquei por não saber se o Vandoma ainda se encontra em Viana ou se já foi desmantelado e neste caso a onde.
Caso me possa esclarecer, mais uma vez fico muito grato.
Um abraço
Rui Amaro

Luis Daniel Vale disse...

Caro Rui Amaro,

O Vandoma lá continua atracado no mesmo sítio em que o viu pela última vez, a aguardar serenamente o calor dos maçaricos. No entanto teve ainda a oportunidade de participar nas filmagens do "Assalto ao Santa Maria" parcialmente rodado no Gil Eannes. Para o efeito navegou pelos seus próprios meios (só com o impulsor de proa pois a máquina principal já era...) para a doca comercial e recebeu novo nome e porto de registo para a ocasião!
Julgo que foi o melhor fim para uma tão rica e longa carreira!
Brevemente enviar-lhe-ei fotos do Vandoma com o "novo" nome e registo...
Abraço

Tiago Neves disse...

E lá chegou o dia. Certamente que nas próximas semanas o Vandoma será desmantelado na Navalria.

Abraço!

Rui Amaro disse...


Caro Tiago Neves
Pois é verdade, lá está a chegar o fim do rebocador VANDOMA - como sucedeu com o FOZ DO VOUGA - que apesar do seu pouco porte apresentava uma certa imponência, e foi figura na rodagem do filme “O Ataque ao Santa Maria” no porto de Viana do Castelo, representando o rebocador de Curaçau GIERIG.
Pena é ambos não terem sido colocados como navios museu. Um dos seus gémeos, o VERNICOS IRINI está na Turquia num museu marítimo.
Saudações maritimo-entusiásticas
Rui Amaro

Tiago Neves disse...

Boas amigo Rui!

Espero que esteja tudo bem consigo.

Quanto ao Foz do Vouga, segundo parece vai ser beneficiado, e ainda continuará a navegar, pois afinal ainda não o desmantelaram. Contudo, isto é apenas um "diz que disse", vamos esperar para ver.

Já agora, publiquei uma notícia no meu blog, e "roubei-lhe" uma das suas fotos do Vandoma. Espero que não haja problema.

Abraço!

Rui Amaro disse...

Caro Tiago
Óptima noticia sobre o FOZ DO VOUGA e que se concretize. Já que vai o velhinho VANDOMA que não "camartelem" o FOZ DO VOUGA!
Quanto às fotos pode postar as que quiser. esteja à vontade.
Saudações marítimo-entusiásticas.
Rui Amaro

Queirós disse...

Durante tempo em que trabalhei na APDL desenvolvi a minha atividade como mecânico dos equipamentos marítimos e intervi muitas vezes na reparação de motor do Vandoma como tal gostaria de deixar uma pequena achega
O motor deste rebocador era um Faibrank Morse de 600 HP a 400 RPM, dois tempos, com ar de lavagem ao cárter,reversivel e arranque por ar comprimido
O motor auxiliar era um continental 65HP