2ª parte - BARRA À AMARRAÇÃO EM GAIA
3ª parte - SAÍDA DO DOURO E DESEMBARQUE DO PILOTO NA BACIA DE LEIXÕES
Vapor Dinamarquês JAKOB MAERSK (1) /Copyright - Cortesia "The Danish Maritime Museum - Elsinore"/
O Vapor Norueguês DOURO saindo a barra do Douro em 01/10/1929 /foto de autor desconhecido/
BACIA DE LEIXÕES À BARRA DO DOURO
Mês de Outubro de 1935, um suposto dia de nevoeiro cerrado, pelas 17h30, o senhor piloto-mor chamou ao seu gabinete o piloto, que por ordem de escala se encontrava ao primeiro da esquadra de fora e instruiu-o para no dia seguinte, embora a preia-mar fosse às 14h30, e caso a névoa persistisse, fosse para Leixões manhã cedo, a fim de embarcar no vapor dinamarquês JAKOB MAERSK (1), 92m/2.245tb, o qual iria amarrar no lugar do Jones, margem de Gaia, junto ao tabuleiro inferior da ponte D. Luis, único ancoradouro disponível para a descarga de carvão, devido aos vários locais de amarração se encontrarem ocupados com outros vapores prolongados dois a dois. Ancoradouro, que requeria uma manobra bastante atenta devido à proximidade da referida ponte e também pelo grande porte e calado daquele vapor.
O piloto José Fernandes Amaro Júnior, pai do autor, contara que numa certa escala do vapor norueguês DOURO, 65m/928tb, chegado ao dito ancoradouro do Jones, apesar do seu pequeno porte e calado, era uma unidade demasiado grande para amarrar pela proa de dois outros vapores, que se encontravam lado a lado e não teve outra solução senão desandar proa a jusante e descer o rio até deparar com um ancoradouro não usual, mas que resultou. Deu fundo na Afurada, já muito perto da barra, e ai ficou amarrado junto da capela de São Pedro, há muito demolida, realizando as suas operações comerciais.
A ideia do senhor piloto-mor era caso se desse uma aberta da névoa, o piloto deveria mandar suspender e trazer o vapor para junto da barra do Douro e fundear a aguardar pela hora da maré, porque por vezes há nevoeiro no mar e dentro da barra e no rio a visibilidade é clara.
No dia seguinte, pelas 07h00, na estação de pilotos da Cantareira, verificando que a névoa persistia e parecendo ter tendências a não se dissipar, o piloto foi apanhar o carro eléctrico da linha 1 para Leça da Palmeira e chegado à paragem do Castelo, dirigiu-se ao torreão dos Pilotos, Castelo de Leça, a fim de mandar chamar o pessoal da lancha P3 para o conduzir a bordo, e indagou do vigia, sobre navios esperados e da posição dos navios fundeados na Bacia, que eram os seguintes: LAFCOMO, Americano e o CUBANGO, português, ao Sul; Canhoneira NRP ZAIRE, no quadro dos navios de guerra, ao Noroeste: vapor de pesca SANTA FÉ e o ESTRELA DO NORTE, iate-motor IRENE DORATY e o lugre-motor GEORGINA, todos Portugueses, junto do cais das Gruas, molhe Norte. No cais acostável do molhe Sul estavam o vapor Letão KLINTS e o Estoniano MAI a carregar esteios de pinho para as minas do País de Gales. O paquete HILARY, inglês, procedente de Manaus/Pará via Funchal e Lisboa e o GENERAL OSÓRIO, Alemão, vindo de Hamburgo via Villagarcia, e ainda o navio-motor KEPLER, Alemão, proveniente de Bremen e Anvers via Lisboa, destinado ao Douro. Todos os três esperados durante a manhã. Contra o usual elevado número, fora da barra não havia qualquer navio fundeado, a aguardar entrada, assim como não foi recebido qualquer telegrama para largadas do Douro. Na Bacia fundeadas ao Sul e Norte, como era usual, muitas embarcações de pesca de pequeno porte, particularmente traineiras, que se viam retidas devido à névoa.
O JAKOB MAERSK encontrava-se fundeado a Leste, junto da foz do rio Leça, assim como várias fragatas e dois rebocadores, e como tal numa excelente posição para zarpar do porto com a cerração, sem qualquer navegação, que lhe obstruísse a sua rota.
Verificado o calado de água de
O JAKOB MAERSK, procedente de Swansea, Gales do Sul, com um carregamento completo de carvão, aparecera à vista da barra do Douro há cerca de cinco dias em
Às 10h00, o piloto vendo que a névoa não abria, conferencia com o capitão e decidem sair do porto, a fim de se ir dar fundo o mais próximo da barra. Virou-se o ferro e orientando-se pela ronca do molhe Sul, de máquina devagar avante, aproa entre molhes, apitando compassadamente, assinalando a marcha. Já por fora dos molhes (naqueles tempos o quebramar semi-submerso do Esporão achava-se em inicio de construção ou ainda não existia, e muito menos o Terminal de Petroleiros), manda meter rumo Sul quarta de Sudoeste, para ir safo dos destroços do vapor grego VIRGINIA, afundado nas proximidades do Castelo do Queijo, local onde o JAKOB MAERSK (3) se perdeu naquele trágico dia de 29/01/1975.
Passados vinte minutos de navegação, o piloto não se podia orientar pelos ruídos de terra, porque a época balnear já havia passado, e como tal não se escutava o barulho dos banhistas na praia do Molhe de Carreiros, situada no porto de Carreiros, por intuição e à sua longa prática e experiência dos seus tempos das artes piscatórias, tudo indicava que estaria um pouco a Sul daquela praia, por cima das lajes das Longas, sensivelmente a seiscentos metros ao noroeste da pedra do Gilreu, e assim era porque as sondagens começavam a apresentar valores mais reduzidos, pelo que decidiu fundear e o sino de bordo começou a tocar assinalando navio ancorado. Havia uma pequena brisa de Norte e mar estanhado, o que é sempre um perigo para navegação com nevoeiro, junto à costa.
Já há algum tempo, a Sudoeste, escutava-se a aproximação de toque de sirene muito conhecido, que era, nem mais nem menos do que a característico apitar do paquete HILARY, que orientando-se pelos toques compassados da sirene do JAKOB MAERSK, além das roncas do molhe Sul e do farol da Boa Nova, vinha na sua direcção, percebendo que era navio saído de Leixões. Em face dessa situação perigosa, o piloto pega no manípulo e faz vários toques seguidos, a fim de prevenir aquele paquete inglês, o qual acabou por se desviar e passou a cerca de duzentos metros por fora do seu vapor, que estava aproado a Norte. Poucos minutos depois, escutou-se o correr da sua amarra e três apitos, indicativo que fundeara e estava de marcha à ré. Passados vinte minutos o HILARY, já pilotado, suspendeu e silvando, lá seguiu para a doca de Leixões.
Pelas 11h30, quando estava a suspender, a fim de se aproximar mais da barra, apareceu à borda uma bateira da Afurada, que andava na pesca do caranguejo pilado, mais conhecida por “arte da mugiganga”, e que se acercara do vapor, para a companha pedir tabaco ao capitão, o qual lhes deu duas latas de cigarros e pelas suas sondagens confirmaram que se encontravam sobre a penedia submersa das Longas.
Após suspender, o piloto ordenou rumo Sul quarta de Sueste e máquina devagar avante, ao mesmo tempo que se ouvia o apitar do rebocador MARS 2º, ainda dentro da barra, ai pelo lugar da Meia Laranja, prova que no rio não havia névoa, e assim se confirmou, porque o mestre Marcelino, que ia para Leixões, aproximou-se à borda e informou o piloto que de facto a partir do cais do Relógio (Pilotos) os céus estavam brilhantes, Entretanto começou a escutar o sino do farolim da barra, mais identificado por farolim de Felgueiras, e daí em diante foi-se orientando pelo som daquele sino de nevoeiro, dando sempre o resguardo necessário, até ficar a sotavento, a cerca de quatrocentos metros por fora da bóia da barra mandou largar o ferro de bombordo, dando três toques de sirene, sinal de aviso para terra, que acabara de fundear, e o vapor acabou por aproar a Norte, voltando o sino de bordo a assinalar a presença de navio fundeado. Terminada a manobra de fundear às 12h30, o capitão chamou o piloto para almoçar.
Terminado o almoço, o piloto regressou à ponte, e o nevoeiro persistia. A Sudoeste escutava-se a sirene do navio-motor alemão KEPLER, e pouco tempo depois fundeava por fora do JAKOB MAERSK. Mais tarde surgiu no meio da névoa a lancha P4, que ia pilotar o KEPLER e abordando o JAKOB MAERSK, o cabo-piloto informou o piloto, que o Senhor piloto-mor viria na sua lancha, a P7, conhecida pela “lancha da Assistência ou do Piloto-Mor”, dar autorização de entrada, lá para as 13h30.
O KEPLER, que vinha em
Naqueles tempos ainda não havia o cais acostável de Gaia e o único existente era o do Terreiro/Estiva, Ribeira, muito exíguo, e só por favor era classificado de cais acostável, dado que os navios não conseguiam atracar à muralha, devido a umas pedras submersas ali existentes, metiam-se barcas pelo meio, para as quais era baldeada a carga e depois guindada para o cais.
(continua)
Rui Amaro
2 comentários:
UUffff... emocionante...para quem viveu nesse ambiente. Pelo menos 16 aninhos andei pelo V. meio, ainda fui meia-dúzia de vezes fora da barra e... muitas mais pelo rio acima para a amarração, claro que depois tinha que amarrar o caique já cansadinho com o remmo à ré. (sear?).
Obrigado pelo seu trabalho.
Boa noite
Caro Rui,
Para além das saudades que me dá, esta série bonita sobre o trajecto entre Leixões e a Cantareira sob o nevoeiro, fez-me pensar numa nova publicação sua, com tudo o que escreveu depois da "Barra da Morte" (e até alguns artigos não publicqados ali).
Que me diz.
Um abraç a si e aà sua família.
Quim Zé
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