quarta-feira, 1 de abril de 2009

RECORDANDO A TRAGÉDIA DA LANCHA SALVA-VIDAS “ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL” NA BARRA DO PORTO DE VIANA DO CASTELO em 1960





O ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL na Fuzeta /(c) Cortesia do patrão do salva-vidas da Fuzeta/,


Mal desvanecidas ainda as sombras negras e lúgubres, que há menos de um ano haviam caído sobre a laboriosa e arrojada população da Ribeira de Viana, de novo o destino trágico das gentes do mar pesava irremediávelmente nos seus corações simples.

Tornaram a ouvir-se os gritos lancinantes que só gargantas desesperadas conseguem articular, as preces ao patrono, repletas de fé, com a esperança e a convicção que dita a crença pura e sincera; soaram palavras de confiança, de carinho , de conformação e apoio. As portas fecharam-se, isolando o infortúnio que encerram.

Foram três os sacrificados, três “lobos do mar” que tripulavam a lancha salva-vidas auto-propulsora ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL.

Desde o meio-dia de 31/10/1960, devido a fortissimo vendaval de Sudoeste que se fazia sentir, aquela modernissima e prestimosa embarcação dava assistência às motoras e barcos de pesca locais, que de manhã sairam a barra para a sua faina quotidiana.

Até ao momento em que se verificou a tragédia, o salva-vidas comboiara já e pusera a salvo doze embarcações. Faltavam sòmente duas: a MANUEL SALVADOR, do arrais Manuel Peres da Silva, e a ABADE SOBERBA, de que era arrais o pescador Edgar Brás. Esta última, com avaria no motor, demandava a barra à vela.

O salva-vidas, depois de as ter alcançado, dirigia-se para o porto, assistindo e vigiando as duas embarcações.

Pelas 16h10, de repente, três vagas descomunais e consecutivas apanharam o salva-vidas, fazendo-o virar por várias vezes e atirando com três dos seus tripulantes pela borda fora, juntamente com grande parte da palamenta da embarcação.

Eram eles o mestre César Martins, que desempenhava as funções de patrão do salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL, desde que este inicou os seus serviços, isto é, há cinco anos, o qual havia perdido um filho no naufrágio da motora ARROGANTE, que a 30/11/1959, deapareceu no mar em lugar incerto, e por causas que igualmente se desconhecem, não tendo sido encontrado qualquer um dos seus oito pescadores. Além do patrão do salva-vidas pereceram os tripulantes António Passos Pacheco, conhecido pelo “Joli” e Mário Marques da Guia, ambos pescadores.

O mestre César Martins contava 65 anos e desde os 11 que vivia do mar. Era casado com Laura Martins, de quem tinha 6 filhas, todas maiores.

O António Passos Pacheco tinha 42 anos, e era casado com Aurélia Hermógenes, tinha 8 filhos, a maior parte dos quais ainda de menor idade, encontrando-se a mulher em adiantado estado de gravidez. Um dos filhos, de nome Artur, morreu no naufrágio do MARIA GRACIETTE, ocorrido sete anos antes. Consta que pretendeu fazer-se substituir por outro elemento e teria dito que era para “ganhar uma tijela de caldo”.

O Mário Marques da Guia, era filho de Manuel Ribeiro da Guia e de Hermenegilda Marques da Guia, tinha 24 anos e era casado com Maria do Carmo da Silva Barbosa, filha do guarda do estádio “Dr. José de Matos”. A infeliz que esperava um filho, deu entrada no Hospital da cidade, logo que soube da tragédia, que lhe levou o marido.

A bordo do salva-vidas só conseguiu ficar o motorista João Alves que com o motor da embarcação a trabalhar mal, pode aguentar-se e encaminhar a embarcação para o porto de abrigo. Foi depois levado para o hospital, bastante contundido. Testemunhas disseram ter ainda visto o mestre César Marins agarrado a uma corda da popa do salva-vidas.

A motora MANUEL SALVADOR, cuja tripulação se apercebeu do desastre, deu várias voltas ao local no intuito de socorrer as vitimas, mas em vão.

Em terra formou-se imediatamente uma tripulação de voluntários para o salva-vidas a remos JOÃO TOMÁS DA COSTA, que ainda chegou a sair mas não passou para além do Búgio, em virtude das fortes vagas que se faziam sentir, sendo a última tentativa efectuada para se encontrar os tripulantes desaparecidos do salva-vidas.

Dos quatro homens que embarcaram no ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL, só o patrão e o motorista eram efectivos.

Mestre César Martins, que foi por diversas vezes galardoado com condecorações, distinções essas tributárias do testemunho de gratidão e reconhecimento por quem sempre se prontificou a estar ao lado do seu semelhante em momentos de aflição era muito justamente considerado uma figura lendária da Ribeira de Viana.

Pelo exemplo de altruísmo que norteou a sua vida, mereceu o galardão póstumo do seu nome ser perpetuado para as gerações vindouras pela Câmara Municipal em 2001, deliberando consagrar o seu nome na toponímia da cidade, afixando-o no Largo da Capitania com os seguintes dizeres: Largo Mestre César. Patrão do Salva-vidas. Falecido em missão de salvamento na barra de Viana. 1895 – 1960.

Também o Instituto de Socorros a Náufragos, a uma das várias lanchas salva-vidas da classe D. Carlos l, que se construiram, nas suas oficinas de Paço de Arcos, nas décadas de 50 e 60, como homenagem, foi dado o nome de PATRÃO CÉSAR MARTINS (UAM 671).



O PATRÃO CÉSAR MARTINS no plano inclinado das embarcações de pilotagem, vendo-se ao fundo a actual Estação do ISN da Foz do Douro, na Cantareira, em 2005 /(c) Foto de F. Cabral/.


Elementos das duas lanchas salva-vidas do tipo Inglês Oakley.

UAM 652 – construida em madeira em 1952 nas oficinas de Porto Brandão, e entrou ao serviço em 30/03/1953, estava equipada com um mastro avante - cff 9,75m/8,5tons – velocidade 7 nós– com a entrega de uma nova lancha salva-vidas de construção Alemã à estação do ISN de Viana do Castelo, em 19?? foi transferida para a estação do ISN da Fuzeta - abatida ao efectivo em 01/08/2007, tendo então sido a embarcação salva.vidas mais antiga – situação actual imobilizada na Fuzeta.

UAM 671 – construida em madeira em1975 nas oficinas do ISN de Paço de Arcos – cff 9,75 – velocidade 10 nós – abatida ao efectivo em 15/09/2007 – Fez estação na Povoa de Varzim; situação subsequente desconhecida.

Desde sempre, as tragédias maritimas aconteciam com alguma frequência e, como tal foram muitos os pescadores e homens do mar Vianenses que viveram horas de aflição e desespero, perdendo-se nesses naufrágios, tragadas pelo mar, muitas vidas, algumas à vista de terra, fazendo com que muitas familias, particularmente da Ribeira de Viana, já de si tão pobres, ficassem na miséria, contrangindo-as a vestir o negro e a chorar o desaparecimento dos seus ente queridos.

No entanto, há aqui a apontar uma significativa curiosidade da história recente dos sinistros maritimos com as enbarcações ARROGANTE, 1956 e 1959; ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL, 1960; BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES, 1963; RIO VEZ, 1965; PÉROLA DE PENICHE, 1965; LUíSA MARIA, 1967; JORGE DE JESUS, 1968, que provocaram a morte de 46 preciosas vidas. De facto nesse espaço de tempo de 1956 a 1968, foi o que mais graves, mais enigmáticas e invulgares tragédias maritimas se verificaram desde que há registo e, pior que tudo, foi o que maior número de perda de vidas humanas provocou. Verdadeiramente terrivel, um periodo negro, muito triste, sem igual na história trágico-maritima da Viana do Lima.

Outros sinistros, sobre as traiçoeiras ondas do mar, ocorreram naquele periodo em Viana do Castelo, em que nos momentos de aflição e agonia foram muitos os maritimos que se salvaram devido à sua própia valentia ou ao esforço generoso e abnegado das equipagens dos salva-vidas ou de outras embarcações, mais das vezes de pesca, que logo foram em seu auxilio, pelo que é inteiramente justo referir que, a história trágico-maritima Vianense, está recheada de páginas de grande significado pelos actos de coragem, de religiosidade e profundo espirito de fraternidade humana praticados por esses HOMENS DO MAR que desde sempre, muito dignificaram e honraram a nobre cidade de Viana do Castelo.


Biografia do Almirante Francisco Joaquim Ferreira do Amaral - patrono da lancha salva-vidas.

http://www.infopedia.pt/$ferreira-do-amaral


Fontes: Jornal de Noticias e Falcão do Minho.

Rui Amaro


O ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL transportando uma imagem para tomar parte numa procissão religiosa na Fuzeta /(c) Cortesia do patrão do salva.vidas da Fuzeta /.



O ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL imobizado no plano inclinado da Fuzeta, após o seu abate ao efectivo em 01/08/2007 /(c) Cortesia de João Macau - Blogue Barcos + Navios /.


Os meus agradecimentos aos patrões dos salva-vidas da Foz do Douro e da Fuzeta e ao entusiasta João Macau pelas suas diligências e cedências de algumas fotos.


PS – Caso algum visitante possua uma foto da lancha salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL no porto de Viana do Castelo, o autor agradece o favor da cedência de uma cópia pelo e-mail do blogue.


7 comentários:

JOSÉ MODESTO disse...

Fantastico como sempre.
Rui temos que marcar um encontro, talvez para a semana vá aí tomar cafézinho contigo, depois ligo-te

Abraço do teu Amigo
José Modesto

Jose Angelo Gomes disse...

Lamento pelo tardio do meu comentario. Meus caros, deviamos fazer uma convenção nacional, e " obrigar" o amigo Rui a botar palavra durante 3 dias seguidos.
Nem mais, nem manos!

Rui Amaro disse...

Caros Amigos
Vou pensar nisso mas acabei de chegar de Marin e Vigo da "Tall Ships Atlantic" e vou entrar de férias moderadoras.
Abraço
Saudações maritimo-entusiásticas
Rui Amaro

Jacinto neves disse...

Eu Patrão JACINTO NEVES, do Salva-Vidas de Peniche, comandei o Salva-vidas "Patrão Cesar Martins", grande embarcação para navegar com mau tempo. Esteve em Peniche, depois esteve na Povoa de Varzim e fui em 1988 busca-la para Peniche novamente até 1998, efectuou grandes serviços de salvamento de vidas humanas e de embarcações, grande navio que tinha o nome de um Grande Patrão de Salva-vidas! "PATRÃO CESAR MARTINS" GRANDE LOBO DO MAR, QUE O MAR O RECOLHEU...

Rui Amaro disse...

Caro Jacinto Neves
Foi um prazer receber o seu comentário com informações que são um acrescento enriquecido ao meu texto em causa.
Eu sempre soube avaliar o valor e abnegação destemida dos patrões e tripulações dos salva-vidas, porque resido aqui junto à barra do Douro, e assisti a episódios dos salva-vidas a remos aqui do Douro, tanto o da estação da Foz do Douro, como o do centro piscatório da Afurada, cujas equipagens arriscavam a sua vida em auxilio do seus camaradas de mar. O meu pai, quer como pescador ou como piloto da barra, por vezes tripulava o salva-vidas da Foz ou de Leixões, até porque antigamente além do patrão, usualmente ia um piloto da barra a titulo voluntário, além disso a própria lancha de pilotos era uma alternativa aos salva-vidas a remos, e prestava assistência às pequenas embarcações de pesca quando em ocasião de mar na barra se encontravam em dificuldade em a demandar, e não terá sido por acaso que o ISN agraciava com bastante regularidade as várias Corporações de Pilotos da Barra de Portugal e os seus elementos. No meu Blogue O PILOTO PRATICO DO DOURO E LEIXÕES, irei postar, oportunamente alguns episódios relacionados.
Saudações marítimo-entusiásticas
Rui Amaro – Foz do Douro

Anónimo disse...

Caro RUI AMARO.
Fico satisfeito por saber que fui util.
Mais informações pode ligar para Estação Salva-vidas de Peniche.
Jacinto Neves

Alexandre Meca disse...

Mais um dos muitos fatais naufrágios que ocorreram na nossa costa.
Filho de nazareno sempre ouvi muitas histórias de tragédias naquelas águas!

Vim parar a este blog por pesquisar informação sobre a lancha Almirante Ferreira do Amaral.
Procuro planos para que possa construir um modelo RC à escala.
Tenho acesso à mesma, tenho bastantes fotos (do mau estado em que está) mas não é viável fazer o levantamento das linhas.
Se, eventualmente, alguém tiver e puder disponibilizar ficarei muito agradecido.

Bons Ventos!

Alexandre Meca