sábado, 13 de fevereiro de 2010

RECORDANDO O SALVAMENTO DOS TRIPULANTES DO NAVIO “NISSOS SKOPELOS” PELO ARRASTÃO BACALHOEIRO “NAVEGANTE” EM 1986




O NAVEGANTE atracado ao cais Norte da docax nº 1 do porto de Leixões em 17/11/1986 /c) foto de autor desconhecido - MMI /.
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Olhos congestionados de alegria, e lágrimas, também de alegria, “receberam” os tripulantes do navio mercante Grego naufragado ao largo dos Açores a 15/11/1986, bem como os seus salvadores, a companha do arrastão de pesca do bacalhau NAVEGANTE. O episódio aconteceu no final da tarde 17/11/1986 no cais Norte, da doca nº 1 do porto de Leixões, local onde se encontrava um grande número de familiares e amigos da companha daquele navio bacalhoeiro, assim como o armador do navio acidentado, o NISSOS SKOPELOS, e ainda os representantes no Porto dos armadores de ambos os navios. Abraços, agradecimentos, troca de endereços, palmas, vivas, manifestações tocantes da solidariedade que define especificamente os homens do mar, foram atitudes que “encheram” o cais de Leixões, quando os náufragos do navio Helénico desembarcavam e os pescadores Portugueses se despediam deles, improvisadamente calçados com alpercatas, num sinal da necessidade sentida em tirar os sapatos para melhor fugirem à morte.
O navio Grego foi atingido por volta das 15h00 da passada Quinta-feira (a cerca de 200 milhas de Ponta Delgada) por avaria de origem desconhecida, que o colocou na situação de “água aberta” (terminologia marinheira que significa entrada de água), e com a inclinação de 45 graus para bombordo. A bordo haviam 26 homens – 20 Gregos e 6 Egípcios – que emitiram um SOS.
Este SOS seria captado pelo arrastão NAVEGANTE, então a 20 milhas do NISSOS SKOPELOS, que de imediato se dirigiu para local do sinistro.
“Por volta das 17h45 avistámos o navio de carga, e constatámos que apesar de dispor das usuais embarcações salva-vidas, elas não poderiam ser utilizadas, dada a posição complicada em que se encontrava o navio”, relatou Fernando Vergas, comandante do NAVEGANTE.
O NAVEGANTE numa escala logistica ao porto de Rochefort-sur-Mer em 1982 /(c) Cortesia Olivier Leblanc - Rochefort-sur-Mer /.

A OPERAÇÃO DE SALVAMENTO
Explicando aquela impossibilidade, Fernando Vergas relatou “que o que aconteceria era que se se tentasse libertar a baleeira do bordo mais emergido, ela despenhar-se-ia e ao mesmo tempo ia retirar peso imprescindível à manutenção do navio sobre as águas. Isto, enquanto por outro lado, se tornava impossível retirar a baleeira instalada no bordo oposto, o menos emergido, dado o desnível a que se encontrava das águas”.
Sequentemente, o comandante disse que a operação de salvamento iniciada pelo NAVEGANTE constaria do envio de barcos salva-vidas do seu navio para junto do NISSOS SKOPELOS, já que a iminência de afundamento deste, impedia a sua abordagem.
A agravar acentuadamente a operação, juntou-se ainda o péssimo estado do mar e do tempo, que aliás deverá também ter estado na origem do rombo sofrido pelo navio em dificuldades, também segundo a descrição do comandante da embarcação salvadora.
Após várias tentativas de disparo dos cabos que seguravam as baleeiras a bordo do navio acidentado, o NAVEGANTE só lograria por volta da 01h00 de Sexta-feira resgatar 24 dos 26 náufragos, portanto depois de sete horas e meia de tentativas, sempre segundo o depoimento do Comandante Vergas.
Dois dos náufragos não haviam assim desgraçadamente tido possibilidades de ainda escapar.
Tal deveu-se ao facto do cabo que segurava o bote salva-vidas ter então rebentado, originando posteriormente nova série de lançamentos de cabos.
Isto até que, sob condições ambientais ainda piores, o salvamento dos dois homens ocorresse, o que aconteceria por volta das 13h30.
O Comandante Fernando Vergas exteriorizou ainda que a operação desencadeada pelo NAVEGANTE foi acompanhada por dois navios mercantes Alemães Federais, que todavia, porque dispunham de grande porte, não se poderiam aproximar do NISSOS SKOPELOS.
Vergas fez igualmente questão de agradecer a colaboração da FAP - Força Aérea Portuguesa, por ter procedido ao lançamento de vários foguetes luminosos, “dessa forma permitindo, não só uma melhoria no visionamento do naufrágio, mas também o conforto de, numa ocasião como aquela, sentirmos que não estamos sós”.
O LOUSADO na doca seca dos ENVC em 1954, distinguindo-se também os dois transbordadores inter-ilhas ARNEL e CEDROS / (c) Imprensa Diária /.
O AFUNDAMENTO
Questionado “se os marinheiros haviam assistido ao afundamento do seu navio”, Vergas referiu que “não, pois entretanto chegara ao local a corveta da Armada Portuguesa NRP OLIVEIRA E CARMO, vinda de área a 35 milhas do local do naufrágio “.
Solicitado por sua vez a fazer um relato do desespero vivido pela tripulação do NISSOS SKOPELOS, o seu comandante, Kouziolis Evangelis, escusar-se-ia a fazê-lo.
O afundamento do navio, segundo dados recolhidos, verificar-se-ia cerca das 16h30 de Sexta-feira – quatro horas depois de terem sido salvos os seus últimos tripulantes.
Sublinhe-se que durante o sinistro um marinheiro Helénico fracturou uma perna, tendo sido assistido pelo enfermeiro do NAVEGANTE.
Diga-se também que o NAVEGANTE tentou durante o dia de ontem e manhã de hoje demandar a barra de Aveiro, não o podendo fazer dado o mau estado do mar e tempo, rumou ao porto de Leixões.
O NISSOS SKOPELOS rumava de Amesterdão para Havana, transportando 3.000 toneladas de batata de semente.
No tocante ao NAVEGANTE, havia largado da Gafanha da Nazaré, há quatro meses, para uma campanha próximo das águas territoriais do Canadá, na Terra Nova, de onde deveria regressar apenas em 15 de Dezembro, porém, em consequência de uma avaria no guincho de alagem das redes, regressou agora a Portugal com 250 toneladas de pescado (parte da sua capacidade), entre ele bacalhau, e do seu lotamento faziam parte 45 Portugueses e um Japonês.
Este salvamento foi o segundo até agora realizado pelo NAVEGANTE. O outro ocorreu precisamente ao largo das águas territoriais do Canadá, em Agosto passado, e disse respeito ao bacalhoeiro Português MARIA DE RAMOS PASCOAL, que sofrera uma avaria na hélice e fora rebocado para o porto de S. João da Terra Nova.
Resta acrescentar que os tripulantes do NISSOS SKOPELOS foram transportados num autocarro alugado pelo armador para um hotel da cidade do Porto, e já examinados por uma equipa médica, regressando hoje mesmo por via aérea à Grécia.
LOUSADO /(c) autor desconhecido - MMI/.
HISTORIAL E DETALHES
NAVEGANTE – Imo 5213066/67m/1.179tb/12,5nós; 05/1954 entregue pelo ENVC – Estaleiros Navais de Viana do Castelo, Viana do Castelo, como n/m bacalhoeiro de pesca à linha LOUSADO para a Pescal – Empresa Comercial e Industrial de Pesca., Lda., Lisboa; 1959 LOUSADO, mesmo armador, convertido em n/m de pesca com redes de emalhar c/ utilização de chalandras motorizadas; 1967 NAVEGANTE, João Maria Vilarinho, Sucrs, Lda., Ílhavo, Aveiro, que entretanto o converteu em navio de pesca de arrasto lateral; 1990 SILVESTRE VIEIRA, Sociedade de Pesca Silva Vieira, Lda., Ílhavo, Aveiro; 1990 NAVEGANTE, Empresa de Pesca João Maria Vilarinho, Sucrs., SA., Ílhavo, Aveiro; 01/1993 NAVEGANTE, adquirido pelo sucateiro Baptista & Irmão, Lda., Lisboa, para desmantelamento.

O SILVESTRE VIEIRA em Ponta Delgada no ano de 1990 /(c) Cortesia Yvon - Ships Nostalgia/.
NISSOS SKOPELOS – Imo 6905290/frigorifico/140,7m/4.889tb; 10/1969 entregue pelo estaleiro Drammen Slip & Verk, Drammen, como SLEVIK para o armador Skibs A/S Karlander, Fredrikstad; 1969 ALASKACORE; 1975 ALASKA; 1979 ALASKA 1; 1986 NISSOS SKOPELOS, f.c. Georgopoulos & A.N. Athanassiades, Grécia; 15/11/1986 naufragou na posição 39,42N/21,24W.
Fontes: Jornal “O Comércio do Porto” (redactor José Braga) de 18/11/1986, c/ algumas adaptações à giria maritima; Miramar Ship Index; Lloyd’s Register of Shipping.
Rui Amaro

14 comentários:

Tiago Neves disse...

Um excelente post, sem sombra de dúvida!

É com grande gosto e orgulho que leio estas nossas "aventuras", a bordo dos grandes navios de outrora.

Já agora, parabéns pelo blog!

Os Melhores Cumprimentos.

http://www.roda-do-leme.com

Rui Amaro disse...

Caro Tiago Neves
Muito grato pelo seu comentário.
Aproveito para também o felicitar pela sua magnifica página RODA DO LEME,que visito regularmente,também virada, como o nome o indica, para as coisas do mar. E ainda bem que damos a conhecer e a incentivar as actividades maritimas, já que Portugal desde alguns anos atrás, parece as ter esquecido, e que seriam um manancial de emprego, que hoje em dia tanta falta faz.
Saudações maritimo-entusiasticas
Rui Amaro

Tiago Neves disse...

Muito Obrigado caro Rui!

É bem verdade o que diz, apesar de ainda visitar com regularidade blogs de qualidade como o seu, sinto que para uma nação com a tradição da nossa, falta algo mais...

Os melhores cumprimentos.

http://www.roda-do-leme.com

Ricardo Matias disse...

Sr. Rui Amaro, obrigado por partilhar estas coisas connosco, estou sempre a aprender.

Ricardo Matias

Rui Amaro disse...

Amigo Ricardo Matias
Grato pelo seu comentário.
Pois como já deve ter notado cá me vou entretendo com este meu blogue e com o O PILOTO PRÁTICO DO DOURO E LEIXÕES (narrativas deixadas por meu pai) e ainda postagens de imagens de navios e sua historia na página SHIPS NOSTALGIA.
Saudações maritimo entusiásticas
Rui Amaro - Foz do douro

fangueiro.antonio disse...

Boas.

Sem dúvida, um belíssimo artigo a trazer ao público algo praticamente esquecido. Felizmente foi um caso com final feliz.

Atentamente,
www.caxinas-a-freguesia.blogs.sapo.pt

OConscienciaTranquilo disse...

Parabens pela lembrança, de quem anda no mar a principal responsabilidade social é sempre que possivel salvar quem se encontra em perigo. Parabens tambem por lembrar e descrever um NAVIO que muito poucos blogs desta area tematica até agora mencionaram. O NAVEGANTE não era um simples bacalhoeiro, era acima de tudo uma FAMILIA, que enchia a Barra de Aveiro no dia de regresso, era um espirito de entreajuda de todos os seus tripulantes nos Bancos da Terra Nova. Enfim entre a Frota eramos UM CASO MUITO ESPECIAL ...

Bem haja

FJConsciencia Martins

Rui Amaro disse...

Amigos
António Fangueiro e
F. J. Consciencia Martins
Pois estou-lhes muito grato pelos seus comentários, que me incentivam sempre a postar novos e interessantes textos.
Saudações maritimo-entusiásticas
Rui Amaro - Foz do Douro

julio reis disse...

ovideeu fiz parte da tripulaçao do navegante e recordo com muito orgulho este feito, porque eu tb ja tinha naufragado no cidade de aveiro.. era ajudante de motorista e estava de serviço quando se dava o salvamento..nome Júlio Reis

Rui Amaro disse...

Amigo Júlio Reis
Pois deve ter sido um salvamento de verdadeira aventura e coragem, mss os mareantes são mesmo assim, há que fazer tudo para salvar a embarcação em dificuldades, e quando isso já não é possivel, há que resgatar os seus camaradas de profissão, os náufragos.
Saudações maritimo-entusiásticas
Rui Amaro

julio reis disse...

obrigado srº rui amaro. A capitania de aveiro, deu a todos uma medalha dos socorros a naufragos, e um diploma esse nunca o recebi mas muitos dos meus colegas receberam.mas o k me chocou foi que houve uma certa quantia em dinheiro para distribuir por toda tripulaçao.e ja havia socrates em 1986.essa quantia foi dividida em partes desiguais.como se de peixe se tratasse. o meu lamento,nao pelo dinheiro mas pela atitude.só um desabafo.Júlio Reis

Filipe Neto disse...

Fico muito satisfeito por ter encontrado um post a falar deste acontecimento, enche-me de orgulho porque o comandante Fernando Vergas é meu familiar, mais concretamente primo direito do meu pai e como disse e anteriormente enche.me de orgulho ver que um familiar e os seus colegas de tripulação tiveram uma atitude tão heroica que agora fica aqui imortalizada
parabéns pelo post, excelente blog

Rui Amaro disse...

Amigo Filipe Neto
Grato pelos eleogios ao meu Blogue.
Uma verdade é que os maritimos por mais perigo que haja nunca deixam de o enfrentar para resgatar os seus camaradas.
Actos desses assisti inumeras veszes aqui na temrosa barra do Douro, mesmo com situações vividas com meu pai, pescador e piloto da barra, e com um meu tio, pescador e mestre da lancha de pilotar.
Saudações maritimo-entusiásticas
Rui Amaro

Filipe Neto disse...

Amigo Rui
só recentemente tomei conhecimento com o seu excelente blogue que retrata os verdadeiros heróis que são estes homens que mantém viva a verdadeira razãp de ser do nosso pais que é o mar e toda a actividade a ele ligada mas que infelizmente cada vez tem menos gente a olhar para ele com a importância que lhe devia ser reconhecida
parabéns caro amigo Rui por tudo e já agora um excelente ano novo