01/12/1968, navegando à vela, sob muito mau tempo, foi avistado, cerca das 17h00, em frente ao bairro dos Pescadores, um lorde*, que se aproximava perigosamente da penedia que limita a costa em toda essa extensão, a Norte do litoral Vianense. Os habitantes do bairro, ao verem a embarcação aproximar-se da penedia, pressentiram desgraça, e assim, saíram todos para a rua em alta gritaria, tentando fazer-se ouvir a bordo do iate de recreio. Isso porém, era impossível, porquanto o barulho do mar e a ventania, além da escuridão que se aproximava, nada permitia ouvir; foi então que um habitante do bairro Leopoldo de Araújo, tomou o expediente de se munir dum lençol e com ele começou a fazer sinais que parece terem sido vistos de bordo, porque o lorde*, imediatamente começou a afastar-se da costa, rumando a Sul. Entretanto, os pilotos da barra eram avisados do que sucedia, isto porque da respectiva torre de vigia não se avistava o local do acidente; e o cabo-piloto Agostinho Vieira, subindo ao alto da torre, apercebeu-se de o iate de toda a maneira corria grave risco, porque a tempestade era violenta e a barra estava perigosíssima; só com ajuda do salva-vidas seria possível meter a embarcação dentro do porto.
O salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL na Fuzeta / (c) cortexia do patrão do salva.vidas da Fuzeta /.
Assim, tomou imediatas providências para que o salva-vidas ALMIRANTE FERREIRA DO AMARAL saísse a barra. Para tanto convocou o seu mestre, Patrão António Rodrigues e o respectivo motorista, e procurou, também alguns voluntários, que iriam ser precisos para guarnecer o barco, numa tal emergência. Prontamente se ofereceram para a perigosa missão, Napoleão Peres, seu irmão Nelson Peres e Mário da Guia, todos marítimos deste porto: e passados poucos minutos aquele barco, que em 31/10/1960 fora protagonista de naufrágio na barra, e que perdera a vida o Patrão César Martins e mais dois voluntários, era lançado á água, rumando á barra. Era seu propósito sair a barra pelo Sul e ir dar reboque ao iate. Este, porém, enquanto navegava para Sul, descobriu a entrada da barra, quando se encontrava um pouco a Sul do Bugio, e surpreendentemente, resolveu enfiar direito ao porto, passando nos perigosos baixios da “Robaleira” e “Camalhões”, não manifestando conhecimento das torres que marcavam a entrada da barra e que lhe facilitariam a manobra, aliás sempre muito perigosa com o tempo que estava; o acesso natural seria pelo Sul. Em certa altura, o iate deve ter embatido nas pedras denominadas “Parede” e abriu água que os tripulantes começaram a esgotar da maneira possível. De terra a manobra do lorde* era seguida com bastante espanto e ansiedade, causando vivas apreensões de, a todo momento, se desfazer nas rochas. Mas milagrosamente, o perigo das pedras foi transposto, na altura em que o barco salva-vidas postado na embocadura da barra, se preparava para o pior. O iate saindo das pedras, guinou perigosamente para a “Tornada”, outro baixio de areia muitíssimo perigoso na situação que o barco se encontrava e dada a violência da rebentação. Aí novamente o perigo de naufrágio esteve á vista, mas uma vez mais agora com a ajuda do salva-vidas e já com o prático Agostinho Vieira a bordo, ele se safou e, enfrentando agora a entrada do anteporto, pouco depois ficava liberto de perigo, rumando á doca comercial, já com bastante água a bordo.
Entretanto o comandante Fernando Miranda Gomes, capitão do porto, que se inteirara pessoalmente do sinistro, dera ordens para que fosse prestada toda a assistência ao iate e tripulantes; uma motobomba dos Bombeiro Municipais, requisitada, foi sem demora instalada no lorde*, e começou a tarefa violenta de evitar o seu afundamento, até que outras providências fossem tomadas. De facto, às 14 horas do dia 2, sempre com a motobomba esgotando a água, o iate foi trazido da doca comercial para a de marés e ai levado para a lingueta do salva-vidas, a fim de ficar em seco e poder então apreciar-se da amplitude das avarias no leme, o que requer maiores cuidados, dado que é uma embarcação que só navega à vela, tendo apenas um pequeno motor de emergência e de manobras.
O prático Agostinho Vieira dirigindo as manobras de atracação do PHRYNA / jornal O Comércio do Porto /.
O iate, todo em madeira, era o PHRYNA, de nacionalidade Inglesa. Era seu proprietário o capt. P. M. Grayson Smith, e constituia a tripulação seu filho, L. M. Grayson Smith , o pai de 43 anos, o filho de 19; e mais duas jovens de nacionalidade Inglesa, Valey Holman e Ben Wate; uma Americana Anne Kiggel; e mais dois jovens James McElveen, Inglês e Charles Cluterbuck, Americano. Tudo gente muito nova e que segundo certas palavras proferidas, iam emigrar para a África do Sul ou Austrália. O barco vinha de Falmouth e o seu próximo destino era as Ilhas Canárias. Falando-se do acidente com o capitão do porto, este manifestara a sua estranheza pela ignorância do capitão em ter feito a manobra que fez; essa opinião, de resto, foi corroborada pelos pilotos da barra. A entrada da barra, quando fosse feita na direcção que o iate o fez, deveria sê-lo pelo enfiamento de duas torres – uma branca e outra vermelha implantadas no Cabedelo, e que encarreiravam as embarcações por entre os baixios referidos, sem qualquer perigo. Vinham assinaladas nas cartas internacionais. Mas, no estado em que o mar estava, o capitão teria somente que esperar a chegada da lancha salva-vidas, pois esta lhe indicaria o caminho. Verificou-se que a bordo, houve pânico e tanto que o capitão e os tripulantes, quando chegaram a terra, vinham num estado de depressão visível, impressionante, os seus rostos davam vem nota do medo que deles se apossou, ao verem a frágil embarcação de vinte metros de comprimento, barco de madeira, borda bastante baixa – ao sabor da tempestade, com água aberta e avaria no leme. O capitão do barco declarou que fora ele mesmo o construtor, destinando-o a ir para terras longínquas procurar trabalho.
* Lorde – nome dado, ainda mesmo no passado recente, aos iates de recreio ou de desporto, que normalmente eram propriedade de grandes Senhores ou ricaços, e uma vez que naquele tempo não estavam equipados com os meios técnicos de navegação, nomeadamente GPS, como actualmente, essas embarcações demandavam os portos sob a orientação de piloto da barra embarcado.
Fonte: Jornal “O Comércio do Porto” 03/12/1968.
Rui Amaro
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