Traineira SANTA MARIA / autor desconhecido - colecção de Rui Amaro /.
A 20/12/1929 ia havendo uma nova tragédia marítima,
a juntar a tantas outras que nos últimos tempos se desenrolaram ali bem perto.
Felizmente que ás primeiras horas de sobressalto,
pavor e angústia se seguiram outras de sossego e quietude, ao ver que o mar despedaçava
mais uma embarcação, mas tinham já sido salvos todos os seus tripulantes. Ainda
bem!
O mar, que tanto peixe deu à traineira SANTA
MARIA, destruiu-a agora por completo, e deixou sem o ganha-pão de cada dia os
seus camaradas.
A traineira SANTA MARIA, construída com toda a
segurança há cerca de dois anos, nos estaleiros da Afurada, para o armador do
centro piscatório do Ouro, Porto, José Alves dos Reis, era, na afirmação dos marítimos,
considerada uma das melhores e mais produtivas traineiras da região marítima Nortenha.
Logo de princípio, sempre que largava para o
mar, voltava para terra a abarrotar de peixe. Duma só maré, no verão de 1928, trouxe
peixe que rendeu 66 contos.
E agora, também duma só maré, capturou peixe que
se vendeu na praia da doca de Matosinhos por 77 contos.
Veja-se agora como o mar a encalhou, para daí a
pouco a destruir por completo, a traineira SANTA MARIA.
Às 18h15, depois de haver pescado 200 cabazes de
sardinha, que deixara em Matosinhos, a traineira SANTA MARIA vinha fundear
junto do cais da Alfandega, mas vindo a demandar a barra, ao chegar junto do
banco, as ondas alterosas e ameaçadoras, envolveram-na e cobriram-na,
arrebatando-lhe a rede, a qual se enrodilhou na hélice, impedindo-lhe os
movimentos.
Assim, ela desgovernou-se e, impelida pelo mar,
veio encalhar por cima dos cachopos da praia do Ourigo, mais propriamente junto do Caneiro.
Embora distante alguns metros de terra, os
tripulantes viam-se na iminência de morrer ali, tragados pelos imensos vagalhões,
que pareciam montanhas a querer envolver toda a Foz.
Mais felizes que os 25 náufragos do vapor
DEISTER, – para cuja memória vão ainda nesta conjuntura as pétalas da admiração
e saudade dos Portuenses – os homens desta traineira foram salvos num gesto de
grande abnegação e humanidade.
Praticaram-no os marítimos locais: Adrião da
Rocha Lima, que a nado, levou à SANTA MARIA a bóia da salvação; José Teixeira
da Silva (Zé Relojoeiro), que na praia segurou o respectivo cabo, um género de vai-vem, que trouxe os náufragos
um a um para terra, e ainda Afonso Martins da Costa, Albano e Alberto Soares e
Camilo Rodrigues Passos, que também os coadjuvaram valiosamente, tendo este
último ficado ferido em terra e recebido curativo na ambulância da Cruz Vermelha,
que ali compareceu de pronto. O Adrião da Rocha Lima foi mais tarde maquinista
da traineira S. JULIÃO.
Pormenores do encalhe e do resgate dos náufragos / jornal O Comércio do Porto /.
Os tripulantes da traineira eram:
Maquinista, Ilídio Guedes; fogueiro, Manuel
Pinto; contra-mestre, Abraão Sampaio; camaradas: Adriano Sampaio, José António
de Almeida, Manuel Dias Fonseca, Manuel de Oliveira Gomes Fragateiro,
Bernardino Baptista da Silva, José do Mar, Camilo Seixas e Fulgêncio Mano.
Além dos imediatos socorros acima referidos,
outros foram prestados aos tripulantes, tendo comparecido na praia da Foz as
corporações de bombeiros voluntários e Cruz Vermelha do Porto, com a sua
costumada solicitude, se bem que o material de socorros a náufragos não chegou
a ser utilizado, visto os náufragos já se encontrarem a salvo.
Durante toda a tarde afluíram centenas de pessoas à rua da Praia, a fim de presenciar a traineira, que a olhos vistos, era despedaçada pelas alterosas ondas, cujos destroços o mar arrojava à praia, bem como alguns dos seus apetrechos.
Durante toda a tarde afluíram centenas de pessoas à rua da Praia, a fim de presenciar a traineira, que a olhos vistos, era despedaçada pelas alterosas ondas, cujos destroços o mar arrojava à praia, bem como alguns dos seus apetrechos.
Traineira SANTA MARIA na descarga do peixe - Junto da praia da Sardinha, de Matosinhos / autor desconhecido, colecção de Rui Amaro /.
Fonte: jornal O Comércio do Porto.
Rui Amaro
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