A desditosa traineira GRAÇA DE DEUS
A traineira GRAÇA DE DEUS numa das suas marés no canal Central da ria de Aveiro
O malogrado mestre António Paulo a bordo da sua traineira
Despojos da traineira GRAÇA DE DEUS arrojados à costa
13/11/1955 – Morreram afogados
dezasseis tripulantes da traineira GRAÇA DE DEUS, da praça de Peniche, que
naufragou á saída da barra de Aveiro, onde fora vender o peixe pescado durante
a noite anterior.
Grande tragédia voltou a
cobrir de dor e de luto alguns centros piscatórios do país que acabam de perder
dezasseis dos seus humildes filhos, que confiadamente, tinham partido, na
terça-feira da semana finda, de Peniche, para a pesca, a bordo da traineira
GRAÇA DE DEUS. De novo os gritos lancinantes de desespero e de sofrimento das
famílias e amigos dos desditosos náufragos ecoaram nesses centros mal se soube
do trágico naufrágio.
Mal as famílias dos náufragos
de Peniche, não ouvindo, nos seus aparelhos de rádio, as notícias que a
embarcação costumava transmitir, todas as manhãs, às 7 horas, tiveram o
pressentimento, de que alguma desgraça ocorrera, dirigiram-se com os corações
dilacerados para a praia e à Casa dos Pescadores, na esperança de verem
desfeitas as suas angústias.
Infelizmente, os pedidos de
socorro lançados pela traineira BEIRA NOVA e captados nos aparelhos de rádio de
alguns dos familiares dos tripulantes da GRAÇA DE DEUS confirmavam o drama que,
às 7,45 horas, acabava de se registar, no paredão da Meia-Laranja, no extremo
da barra de Aveiro, porto que a GRAÇA DE DEUS demandara, anteontem, a fim de
reparar as redes e vender os quarenta cabazes de peixe que tinham sido
pescados. A tragédia, contudo só algumas horas mais tarde era conhecida com
toda a sua pungente realidade.
De Aveiro, e pela
radiotelefonia, era comunicada, oficialmente, ao capitão do porto de Peniche, o
dramático naufrágio e, embora sob reservas, todos os tripulantes da embarcação
eram dados como desaparecidos. Ignorava-se ao certo, o número de mortos, pois
ainda se desconhecia que tinham ficado em Peniche, por motivo de doença, os
tripulantes José Cativo, de 47 anos, casado, de Vila do Bispo; e José Luis
Pereira, o “Gaivino”, de 26 anos, casado, daquela vila, que assim salvaram a
vida. Contudo, a notícia da tragédia ia alastrando a todos os centros
piscatórios do país, causando a maior emoção, pelo elevado número de vítimas
que nela perderam a vida. Mas onde ele se sentiu, com todo o peso da sua dor e
luta, foi em Peniche, praça da traineira naufragada e onde residiam o mestre, o
contramestre, o motorista e três dos seus tripulantes. Dos restantes náufragos,
dois eram de Setúbal, três da Quarteira, dois de Vila do Bispo, e os três
restantes, de Lisboa, Lagos, Buarcos e Figueira da Foz.
APESAR DE IÇADO O SINAL DE MAU TEMPO. NA TORRE FO FORTE DE AVEIRO,
ALGUNS MESTRES TEIMARAM EM SAOR DO PORTO, E FOI ESSA TEIMOSIA A CAUSA DA TRAGÉDIA
Como dissemos a GRAÇA DE DEUS,
que pertencia à Sociedade de Pesca Graça de Deus, com sede em Peniche, e que
tinha como mestre António Paulo Júnior, o “Sardinha Aringa”, que também era
sócio daquela empresa, demandara a barra de Aveiro, anteontem e fundeara no
canal Central, a fim de vender o peixe que pescara, como era costume.
Com aquela embarcação,
fundearam também, no ancoradouro, das Pirâmides, a BEIRA NOVA, VENTUROSA, DUAS
FILHAS e a ESTRELA DO MAR, todas da Praça de Peniche, e a ERRA, de Matosinhos.
Vendido o peixe. Os mestres
das traineiras prepararam as embarcações para, na madrugada seguinte, se
fazerem ao mar. Alguns marítimos mais velhos, aconselharam-nos a aguardar por
melhor tempo, pois o mar estava muito agitado devido à violenta nortada, e, na
Torre do Forte, conservava-se içado e iluminado, durante toda a noite, o sinal
de mau tempo.
Mas ao dealbar, os
preparativos de partida entraram em grande azáfama e, cerca das 6 horas, o
mestre da traineira ERRA largava do ancoradouro da Pirâmides para a saída da
barra, embora o mar se mantivesse bastante agitado. Os mestres das outras
traineiras, imprevidentemente, seguiram-lhe o exemplo e a BEIRA NOVA e a GRAÇA
DE DEUS foram no seu encalce, a pouca distancia umas das outras. A ERRA já na
linha do “cabeço” dos molhes, manobrou com grande risco, mas conseguiu,
felizmente, romper as vagas alterosas e pôr-se ao largo.
Mas já a BEIRA NOVA não foi
capaz de vencer a força da rebentação e desistiu de prosseguir viagem,
regressando no momento em que a GRAÇA DE DEUS tentava galgar um dos vagalhões,
que vinha desfazer-se na proa da traineira.
Foi, então, que uma volta de
mar mais violenta a sacudiu e uma vaga lhe inundou a ré.
O mestre da traineira, segundo
declarações do faroleiro Joaquim Augusto Rosa que assistiu, do farol da barra
de Aveiro, a todo o drama, e o mestre da traineira BEIRA NOVA, Joaquim Mamede
Cardoso, devia ter obrigado, nesse momento, os tripulantes a descerem aos seus
beliches e a fecharem os escantilhões, para evitar que as vagas, que varriam o
convés, os encharcasse, ficando ele com o contramestre João de Jesus e mais
dois moços de convés.
Entretanto, novo vagalhão
galgou a traineira que, já meio submersa, se voltou, afundando-se em poucos minutos,
com toda a sua companha.
A BEIRA NOVA lançou então um
SOS aflitivo para as embarcações que estavam mais próximas, pedido de socorro
que algumas famílias dos tripulantes que costumavam, em Peniche, ouvir as comunicações
lançadas pontualmente, todas as manhãs, de bordo da GRAÇA DE DEUS, captaram nos
seus aparelhos de fonia e que lhes deu a triste noticia do trágico
acontecimento, como já dissemos.
Impossível se tornava prestar
socorros aos náufragos.
A GRAÇA DE DEUS afundara-se e
as traineiras VENTUROSA, DUAS FILHAS, e ESTRELA DO MAR que, juntamente, com a
BEIRA NOVA tinham desistido de se fazer ao mar regressaram aos ancoradouros,
nada puderam fazer.
AVIÕES DA BASE DE SÃO JACINTO SOBREVOARAM O LOCAL DA TRAGÉDIA, NA VÂ ESPERANÇA
DE ENCONTRAR NAUFRAGOS
Muitas traineiras que
navegavam próximo da costa de Aveiro, algumas das quais da praça de Matosinhos,
acorreram aos pedidos de socorro, mas também nada puderam fazer.
A GRAÇA DE DEUS de quilha para
o ar, servia de túmulo a todos os seus valorosos tripulantes.
Rapidamente o drama marítimo
era conhecido em Aveiro e centenas de pessoas se deslocaram para o local da
tragédia que, então, começou a ser sobrevoado por alguns aviões da base de São
jacinto.
Durante largo tempo esses
aparelhos pesquisaram o oceano, numa larga área, lançando no ponto onde se
registara o naufrágio, algumas boias e barcos de borracha na esperança que se
houvesse sobreviventes estes poderiam servir-se daqueles meios para salvarem as
suas vidas,
Mas tudo foi inútil. Apesar
das pesquisas, nem um náufrago foi visto, e, só algumas horas depois, é que
começaram a ser dados à costa, nas praias de Mira e da Costa Nova, alguns
destroços da traineira e apetrechos de pesca.
A comoção das centenas de
pessoas que assistiram a estes esforços para localizar os náufragos foi enorme
e alastrou-se a toda cidade de Aveiro.
A Impressão geral, dolorosa e
pungente, foi a de que, dos dezasseis tripulantes, treze tinham morrido
asfixiados nos beliches, sem terem tempo de abrir as escotilhas.
O mestre e o contramestre e um
dos moços não puderam utilizar-se dos cintos de salvação, ficando debaixo da
traineira, quando esta se voltou.
CENAS LANCINANTES SE REGISTARAM, EM AVEIRO, ENTRE AS FAMILIAS DAS
VITIMAS QUE ALI FORAM TRANSPORTADAS EM AUTOMÓVEIS, DE PENICHE
A tragédia que enlutou a
classe piscatória de todo o País, foi profundamente sentida em Aveiro e todos
os barcos fundeados naquele porto colocaram a bandeira nacional a meia haste,
em sinal de luto, e os organismos oficiais de pesca enviaram, de Lisboa, como
seu representante, àquela cidade, o Sr. António Cruz, a fim de este funcionário
tomar as necessárias providencias para que às famílias dos náufragos seja
prestada a indispensável assistência moral e material.
Entretanto, as autoridades
marítimas de Peniche tomaram, também a iniciativa de transportar algumas das
famílias das desditosas vítimas à Gafanha da Nazaré, onde se registaram cenas
lancinantes, ao confirmar-se que nem um dos tripulantes da GRAÇA DE DEUS se
salvara, cortando assim toda a esperança que os corações daquelas famílias
ainda albergavam.
A LISTA DA VITIMAS
Como o registo da capitania de
Aveiro dava como sendo de vinte e cinco o número de tripulantes da GRAÇA DE
DEUS, estabeleceu-se nas primeiras horas, uma certa confusão quanto ao número
exacto de náufragos.
António Paulo Júnior, de 51
anos, mestre; João de Jesus, de 25 anos, contramestre; Belarmino Matos
Figueiredo, de 24 anos, motorista; e os pescadores Jacinto dos Santos Nunes, de
39 anos, António Encarnação Mamede, de 19 anos, e João Matoso Xavier, todos residentes
em Peniche; e Paulo da Graça Quitério e Gelásio Dias, ambos de Setúbal; Manuel
Guerreiro Nunes, Francisco Renda Correia e João dos Ramos Deus, todos da
Quarteira; José Simão Sintra e António Fernandes, ambos de Vila do Bispo;
António Maria Pata, de Buarcos; José António Santos, de Lisboa; e João da Luz
Lopes, de Lagos.
À hora do jornal entrar na
máquina, ainda não tinha dado à costa o corpo de nenhum dos desventurados náufragos.
As autoridades Aveirenses compareceram
no local da tragédia e os organismos de pesca daquela cidade também puseram a
bandeira a meia haste, em sinal de pesar.
Resta acrescentar que a traineira GRAÇA DE DEUS foi construida em 1947 por António Gomes Martins, no seu estaleiro de Vila do Conde, e tinha de comprimento ff cerca 15m.
O corpo do seu desditoso mestre, sr. António Paulo, o Sardinha Arinca, deu à costa de Buarcos, no dia seguinte ao naufrágio.
Resta acrescentar que a traineira GRAÇA DE DEUS foi construida em 1947 por António Gomes Martins, no seu estaleiro de Vila do Conde, e tinha de comprimento ff cerca 15m.
O corpo do seu desditoso mestre, sr. António Paulo, o Sardinha Arinca, deu à costa de Buarcos, no dia seguinte ao naufrágio.
Fonte e imagens: Jornal O Comércio do Porto.
Rui Amaro
ATTENTION.
If there is anyone who thinks they have “copyrights” of any images/photos
posted on this blog, should contact me immediately, in order I remove them, but
will be sadness. However I appeal for your comprehension and authorizing the
continuation of the same on NAVIOS Á VISTA, which will be very much
appreciated.
ATENÇÃO: Se
houver alguém que se ache com direitos sobre as imagens postadas neste blogue,
deve-o comunicar de imediato. a fim da(s) mesma(s) ser(em) retirada(s), o que
será uma pena, contudo rogo a sua compreensão e autorização para a continuação
da(s) mesma(s) em NAVIOS Á VISTA, o que muito se agradece.
4 comentários:
Infelizmente sou filho de uma das vítimas do naufrágio da traineira Graça de Deus. Tinha dois anos quanto tudo aconteceu.
Aproveito também para dar o nome correto do meu falecido pai.
Paulo da Graça Quintino.
Cumprimentos
José Luís Barreira Quintino
RIP ao mano Paulinho
Mas como é que pode dizer que o mano e muito respeitado e lindissimo Paulo morreu se ainda ontem tive a jogar a bola com ele e a fazer pasteis de nata em casa dele?
Voce so pode estar maluco pois ele ainda nao faleceu olhe que eu descubro onde voce vive tenha cuidado com quem se mete atenção!
Com sorte voce matou o hoje e eu ainda nao sei de tal noticia
Cumprimentos do melhor amigo de Paulo da Graça Quintino
Só pode ser coincidência.
Paulo da Graça Quintino
Natural da Freguesia de Nossa Senhora da Anunciada
Setúbal
José Luís Barreira Quintino
Tinha eu 7 anos de idade.
Despertamos com a rádio marítima, onde o meu pai pedia socorro ao meu irmão mais velho.
Foi um despertar angustiante.
Havia um vizinho nosso,muito novo, que faleceu também nesse naufrágio.
A minha mãe foi logo com a minha prima, para Aveiro.
Nunca mais me esquecerei desse triste acontecimento, por muitos anos que viva.
O meu pai era o mestre Joaquim Mamede Cardoso, da embarcação Beira Nova.
Só uma correcção : o naufrágio foi a 13 de Setembro de 1955 e não em Novembro.
Ivone Mamede Cardoso Gago
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