Na estação dos pilotos do Douro, localizada na Cantareira, diante da Estação Semafórica e Telegráfica da Cantareira, havia um livro, formato A4, mais identificado por Livro da Tabela, que após a colocação de uma pequena tabuleta na janela da referida estação telegráfica pelo telegrafista de serviço, era levado por um moço dos pilotos (algumas vezes o autor fez essa tarefa) e no qual o dito telegrafista anotava as informações sobre a embarcação que estava à vista da Estação Semafórica e Telegráfica do Monte da Luz. No caso dos avisos da previsão de chegada (ETA) ou da marcação de saída das embarcações, era através dos telegramas das agências de navegação, que tinham sido entregues em mão na Estação Telegráfica da Bolsa do Comércio do Porto, na zona do Infante, onde se encontravam localizadas a maior parte dessas agências, que eram transmitidas por via telegráfica para as estações da Cantareira ou de Leça da Palmeira, as quais eram colhidas pelo ditos moços dos pilotos, que as entregavam ao piloto de serviço à estação. Nos primeiros anos da década de 60 do século XX, o sistema ainda era assim.
Além disso os navios, que necessitavam de comunicar com terra, que se destinavam ao rio Douro e ao porto de Leixões ou mesmo aqueles que em transito, ou fundeados ao largo da costa à espera de ordens dos seus armadores, correspondiam-se com a Estação do Monte da Luz, através de bandeiras do CIS (Código Internacional de Bandeiras – Mareato) içadas nos respectivos mastros. As referidas estações semafóricas e telegráficas pertenciam à autoridade portuária, Associação Comercial do Porto e mais tarde à A.P.D.L. e apenas operavam de dia.
Os últimos moços dos pilotos, cerca de 12 anos de idade, mais identificados como “moços da tabela” foram o Álvaro Lima (Conde), o Francisco Lima (Conde) e o Fernando (Néné). Os dois últimos ainda entre nós.
27/08/1949
08h00 – Fora da barra encontram-se fundeadas as seguintes embarcações Portuguesas: Vapor Pêro de Alenquer; navios-motor Benguela e Secil; lugres-motor Ulysses e Vianense e ainda o iate-motor Navegante 1º.
08h20, o navio-motor Benguela entrou em Leixões.
09h30, um vapor ao Norte e dois lugres de três mastros à vela a Oés-sudoeste.
09h45, o vapor ao Norte é o inglês Starling.
10h05, o vapor Starling fundeou.
10h30, os lugres à vela a Oés-sudoeste são os bacalhoeiros Ana Maria e Paços de Brandão e a Noroeste está à vista o lugre-motor bacalhoeiro de quatro mastros Santa Maria Manuela.
10h55, O lugre-motor Santa Maria Manuela entrou em Leixões.
12h15, os lugres à vela Ana Maria e Paços de Brandão estão à barra e não fundearam, talvez devido à forte nortada. Navegam à bolina para Oés-sudoeste, a fim de aguardarem piloto e rebocador.
13h00, Os navios Navegante 1º, Ulysses, Vianense e o Secil, já pilotados navegam de rumo à barra do Douro para a demandar e o Starling já suspendeu e está a ser pilotado para se dirigir, também para a barra.
13h20, O Pêro de Alenquer, já foi pilotado, suspendeu e segue para Leixões, a fim de ratificar o seu calado de água na bacia. Dois vapores a Oés-sudoeste.
13h30, O Ana Maria e o Paços de Brandão, regressaram à barra, encontrando-se de capa ao tempo, estando a ser pilotados e vão aguardar os respectivos rebocadores e ao sul avista-se um rebocador e um lugre de quatro mastros.
13h50, As duas embarcações ao Sul são o rebocador Vouga 1º e o lugre-motor bacalhoeiro de quatro mastros Adélia Maria, que procedem do mar da barra de Aveiro.
14h00, o Pêro de Alenquer saiu de Leixões e fundeou ao largo, ficando a aguardar pela maré do alvor de amanhã, com piloto embarcado, devido ao seu calado de
14h15, O rebocador Marialva saiu a barra do Douro e já estabeleceu amarreta ao Ana Maria, que ferrou o pano e já vai a caminho da barra do Douro. Os dois vapores a Oés-sudoeste são os Espanhóis Santirso e o Mina Cantinquin e trazem içado o galhardete da letra G, necessito de piloto, além do grupo de bandeiras indicativo de arribada, possivelmente devido à forte nortada.
14h20, O rebocador Vouga 1º pegou à proa o Paços de Brandão e já vão de rumo à barra.
14h30, O Adélia Maria, já pilotado entrou em Leixões a fim de ratificar o seu calado de água na bacia daquele porto.
14h45, O dois vapores Espanhóis, já pilotados, entraram em Leixões.
14h50, O Adélia Maria saiu de Leixões e já se dirige para a barra do Douro, que a vai demandar.
16h00, Três navios à vista. Dois ao Sul e outro ao Norte.
16h30, Os navios ao Sul são o Português Almeirim e o Alemão Latona e o do Norte é o transatlântico Inglês Caronia, que navega para Sul a cerca de duas milhas da costa.
17h00, O Almeirim entrou em Leixões e o Caronia navega para Sul, ao longo da costa.
17h30, O Latona navega para Norte junto à costa, caturrando e debatendo-se com a nortada, deixando a sotavento da barra dois barcos de pesca do alto do centro piscatório da Afurada, que vinham a reboque, possivelmente por se terem encontrado em dificuldade de enfrentar a nortada e tenham colocado pendão ao alto a pedir auxilio, algures ao largo da costa sul. Esses barcos já vão de velas enfunadas, à escota curta, a entrar a barra.
PS – Os nomes das embarcações, data e horas acima mencionados, apenas servem para exemplificar o que usualmente era anotado no Livro da Tabela.
- Caso durante o dia não houvesse qualquer navio à vista ou fundeado, ao fim do dia era registada a seguinte observação no Livro da Tabela: Fora da Barra nada se avista.
- Nesses tempos o jornais diários noticiavam o movimento marítimo de entradas e saídas dos portos do Douro/Leixões e ainda do porto de Lisboa e o "O Comércio do Porto" além do nome dos navios, mencionava a nacionalidade, procedência/destino. nome do capitão, tonelagem bruta, tipo de carga, calado e o nome do agente consignatário, o que era de muita utilidade para os importadores e exportadores.
- A Estação do Monte da Luz estava situada junto do extinto farol-capela do mesmo nome, que em tempos servia de referência a muitos navios, que de largada iam diante daquele monte marcar o “Leste verdadeiro”. Eu lembro-me de ter presenciado navios, tivessem saído de Leixões ou do Douro, fossem para Sul ou para Norte, somente diante daquela estação é que navegavam para Oeste e mais ao largo é que tomavam o seu rumo.
- Algumas vezes presenciei o transatlântico inglês Caronia, 217m/34,183tb, passar ao largo da costa, rumando a Sul, a cerca de duas milhas, possivelmente em viagem de cruzeiro e ainda outros, tais como o Ibéria, Arcádia, Himalaya, Chusan, Strathmore, Willem Ruys, Oranje, etc.
- Era normal alguns dos navios bacalhoeiros das praças de Aveiro e Figueira da Foz invernarem no rio Douro, lugares de Massarelos ou Cavaco, Vale da Piedade, juntamente com os navios da praça do Porto. Outros vinham aliviar a carga, a fim de conseguírem água para demandarem os seus portos de armamento, caso do Adélia Maria, que não tendo água suficiente para o seu calado na barra de Aveiro, rumou ao rio Douro, a fim de desembarcar os pescadores, aliviar carga e aguardar melhores condições de mar e água naquela barra, que naqueles anos não se igualava à importante barra dos dias de hoje.
- O rebocador Vouga 1º, que usualmente operava no Douro/Leixões ou no tráfego costeiro de rebocagem de fragatas do seu armador ou de outros, aquando da largada ou da chegada dos bacalhoeiros, ia para o porto de Aveiro prestar assistência aos mesmos. Haviam outros rebocadores, que eram o Marialva. Neiva, Urano e o Aguila.
Rui Amaro
Farol/Capela e Estação Semafórica e Telegráfica do Monte da Luz - Postal ilustrado editado por volta de 1900.
Estação Semafórica e Telegráfica da Cantareira (torre), Estação de Pilotos e Casa da Alfândega, Ermida/farol de S. Miguel-o-Anjo (abóbada branca). A abóbada e o obelisco brancos serviam de marcas do enfiamento da barra do Douro - Postal ilustrado editado por volta de 1900.
( Pesquisar Ana Maria in SHIPS NOSTALGIA )
O rebocador Vouga 1º ao demandar a barra do Douro a 30/09/1929 - (c) foto de autor desconhecido, Col. F. Cabral.
4 comentários:
Que lindo titulo,navios a vista ,eu que cheguei a entrar no douro no lugre motor Aviz,que belesa chegar de uma viagém dos mares dos gelos ,e dos temporais com todas as saudades da famlia da térra de tudo que a nós dizia respeito.Ao ver estas fotos de lugres ,algumas infelises comé o caso do Paços brandão no fundo do rio douro chocou-me um bocado ,más sei que quando as cheias chegavam haviam sempre casos a lamentar!O Ana Maria a entrar no douro ,com as pessoas a acompanhar por térra com certesa mães ,esposas ,filhos e outros a acenar !que alegria quando tudo estáva bém e de saude ,sim porque as viagéns de bacalhau éram insuportaveis com tudo que de mau havia,más o douro no inverno normalmente éra terrivel ém espeçial nesses tempos.Muito obrigado pelas fotos e pelo Navios a vista que muito me diz...Jaime Pontes
Amigo Jaime Pontes
Grato pelo seu comentário.
Muitas vezes assisti a cenas de alegria dos familiares das equipagens dos navios bacalhoeiros à sua chegada a Leixões e Douro aí por Agosto a Outubro, particularmente à barra do Douro. Vinham de centros piscatórios desde Ancora à Fuzeta e os locais junto à barra com tanta gente dava um colorido a romaria. O armamento da praça do Porto não se comparava ao de Aveiro, mas juntavam-se navios de Aveiro e Figueira, que hibernavam no Douro, vinham aliviar carga ou esperar melhor maré naqueles portos, e por vezes também lá aparecia um ou outro arrastão daqueles portos e os da SNAB, Lisboa, (Seca de Lavadores). Lembro-me de nos anos 50, entrarem a barra 3 lugres de Aveiro, Maria Frederico e o António Ribau, ambos a reboque e o Rio Caima, sem reboque, este já entrou com vazante, possivelmente não tinham água suficiente naquele, então problemático porto e os cais da barra do Douro, pouco antes da chegada dos navios já estava cheio de familiares, não sei como aquela gente, que devia ter estado na barra de Aveiro a aguardar a chegada dos seus familiares, conseguiram chegar a tempo. Pouco antes entrara um arrastão da SNAB vindo directamente dos pesqueiros.
O Paços de Brandão, que como lugre mercante Inglês da Terra Nova sofrera um encalhe em 1922 na bacia de Leixões, tendo sido abandonado pelo armador, foi comprado pelo armador Capitão Silva Rios, que o reconstruiu em V.N.de Gaia, e em 1941 devido a um enorme ciclone e cheia no rio Douro afundou-se, tendo outros navios bacalhoeiros sofrido avarias grossas. O Aviz na cheia de 1962, uma das maiores do rio Douro, foi um dos heróis, embora outros navios fossem barra fora, ele, apesar de amarrado com correntes e dois ferros na água e ancorotes pela popa, rebentou com os cabeços em terra e foi para o meio do rio, (eu assisti, o rio já andava na estrada) onde se conservou alguns dias até as águas da cheia descerem. O arrastão do mesmo armador Invicta, na amarração de Massarelos, de tantos cabos para terra, já estava com tanta inclinação, que se aqueles não partem, acabava por adornar e afundar-se, acabando por ir barra fora. Felizmente o mar estava calmo.
Saudações marítimo-entusiásticas
Rui Amaro
Caro amigo RUI Amaro recebi seu comentário ,muito obrigado más é como digo ,a barra do douro dis-me algo não só por mim ,más também pelo meu avô ,pelo meu pai e por mim ,portanto prá dizer que desde o lugre Rio Ave ,o Aviz e o Condestavel ,sim porque também no Condestavel eu tive familiares ,portanto o Douro dis-me algo! Mesmo de rapazinho eu me lembro varias vezes de ir com minha mãe esperar meu pai ,então recordo com saudade esses momentos inesquecibeis na ponta do cais de felgueiras assenar a entrada do Aviz navio que o meu pai deu treze viagéns ,portanto muito obrigado pelo seu blogs e mantenha-se sempre de vigia aí pelo Douro para blogar sempre algo .Até sempre saudações maritimas...Jaime Pontes...
Caro Amigo
Tem sido um prazer para mim desfolhar o seu blogue.
Obrigado por mo ter dado a conhecer.
Um abraço.
Jorge Portojo
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