O pico da preia-mar era às 18h30 e sendo assim, o movimento de saídas e entradas, iniciar-se-ia pelas 15h30 com os navios de menor calado. Às 13h30 o Senhor piloto-mor fez a distribuição dos oito serviços de saída por ordem de escala dos pilotos da esquadra de dentro ou de saídas e pela posição dos navios a partir de jusante. Quanto aos nove navios fundeados na bacia de Leixões, ao largo ou esperados antes do pico da maré, dado a impossibilidade da lancha P4 cruzar a barra, os respectivos pilotos iriam embarcar por Leixões, servindo-se da lancha P1 e o cabo-piloto daquela secção encarregar-se-ia da sua distribuição, principiando pelos navios mais à terra, neste caso por aqueles que se encontravam abrigados em Leixões.
Navios de saída: Vapor Estoniano MARTA, 80m/1,456tb, Gás-Ouro; lugre-motor HORISONTE, 50m/422tb, lingueta do Bicalho; vapor Português GONÇALO VELHO, 90m/1.853tb, Alfandega; vapor alemão AUGUST SCHULTZE, 92m/2.452tb, Oeste da Cabrea; vapor Inglês OTTERBURN, 80m/1.456tb, Fontinha; vapor Alemão LAHNECK, 80m/1.663tb, Cais das Pedras; vapor Norueguês BRAVO 1, 80m/1.512tb, Ribeira; JAKOB MAERSK, 92m/2,245tb. Jones.
Navios de entrada: Vapor Holandês ODYSSEUS, 70m/1.057tb; vapor Português COSTEIRO, 60m/685tb, ambos em Leixões; vapor Português MALANGE, 100m/2.328tb; vapor Francês PENTHIEVRE, 95m/2.382tb; vapor Italiano NEREIDE, 85m/1.687tb; vapor Inglês SEAMEW, 82m/1.332tb; vapor Inglês ESTRELLANO, 85m/1,963tb; vapor Dinamarquês ROBERT MAERSK, 80m/1.307tb; vapor de pesca Português INVENCIVEL SEGUNDO, 45m/238tb, todos eles fundeados ao largo da barra.
Cerca das 15h00, na Cantareira, os pilotos embarcaram nas várias lanchas ou catraias do rio, a fim de seguirem para os navios que lhes couberam por escala. Essas mesmas embarcações dos pilotos, além de auxiliarem nas manobras de desamarração dos navios de saída também iriam prestar auxílio na amarração dos navios de entrada.
O primeiro navio a largar, após realizada a consulta de pilotos para decidirem da viabilidade da barra, devido às condições de mar, foi o MARTA,
De seguida, o piloto apresentou-se ao capitão e ao imediato, fazendo-lhes ver sobre os procedimentos a ter com a manobra e da necessidade de assistência de rebocador, nomeadamente devido à corrente de enchente, vento fresco de Noroeste e pela proximidade da ponte D. Luis, o que foi aceite pelo capitão. Haviam capitães que recusavam esse prestante auxílio nas manobras de rotação, visto no porto do Douro, apesar das suas contingências, não o ser obrigatório, e em face dessa recusa os pilotos lá conduziam a manobra de desandar sem rebocador, só que por vezes resultavam incidentes. Nas amarrações de entradas não eram utilizados rebocadores, apenas na entrada da barra em ocasiões desta se encontrar apertada ou em ocasiões de águas de cheia.
Entretanto às 17h00, o mestre estivador disse ao piloto, que se quisesse já poderia ir preparando a manobra, porque as operações finais de estiva estavam quase concluídas e logo de seguida apareceu o rebocador LUSITANIA, que foi pegar à proa por bombordo. De terra foram soltos os dois cabos de proa, que foram de imediato recolhidos a bordo e com o vapor de marcha à ré devagar, ao mesmo tempo que se viravam o ferros à proa e o rebocador aguentava o vapor para não descair para cima do tabuleiro inferior da ponte, devido à forte ventania, que encanava rio acima. Terminada as lides da estiva, o barco com os estivadores e a barca das varreduras do carvão desatracaram do navio e seguiram para a lingueta do Jones, o piloto mandou recolher os dois cabos de popa e fez sinal à lancha P5 para suspender o ancorote dos pilotos espiado à popa, que felizmente não estava pegado aos ferros de proa do EVA.
As lanchas de pilotos do rio eram munidas de um dispositivo à proa, que encapelava no cabo de arame com cerca de 75 braças, que era virado de bordo e de marcha avante a lancha ia suspendendo o ancorote até ficar assente à proa da lancha, devidamente amarrado com uma bossa, sendo depois desmanilhado e o cabo de arame recolhido a bordo do vapor. A Corporação de Pilotos possuía um razoável número de ancorotes, que se viam depositados na sua lingueta da Cantareira.
Acabado de virar os ferros à proa, já com o vapor distante da ponte, e de máquina à ré força toda, leme a bombordo, o rebocador passou a puxar para estibordo e quando a popa estava a pouca distancia das escadas das Padeiras, Ribeira, o piloto ordenou máquina avante força e leme todo a estibordo e já perto de vapores amarrados à margem de Gaia, vendo que não conseguia desandar, meteu máquina à ré e leme a bombordo, com o rebocador sempre a puxar para estibordo. Quando ficou de proa ao lugar da Cruz, deu um apito longo, repetido pelo LUSITANIA, que começou a puxar a direito e pouco tempo depois ao passar junto da penedia das Lobeiras de Gaia, o piloto mandou largar o cabo de reboque e meteu proa ao lugar do Guindaste Eléctrico e seguindo de máquina avante devagar, porque o GONÇALO VELHO acabava de desandar diante da Alfandega e iniciava a sua navegação para a barra, indo na sua frente o AUGUST SCHULTZE.
O vapor Português GONÇALO VELHO, Carregadores Açoreanos, amarrado no lugar das Escadas da Alfandega em1947./(c) Foto de autor desconhecido/.
Inesperadamente, diante de Massarelos, o GONÇALO VELHO foi de guinada a bombordo e largou o ferro de estibordo e pouco depois o de bombordo e máquina à ré toda a força, ficando quase atravessado ao rio e começou a silvar, içando um grupo de galhardetes indicativo de avaria no leme, Aquele vapor ficara sem governo, tendo o leme trancado a bombordo. Entretanto o JAKOB MAERSK parou a máquina e só depois do GONÇALO VELHO aproar ao vento, é que retomou a marcha. Diante do lugar do Ouro vinha de entrada o SEAMEW,
Entretanto, o AUGUST SCHULTZE acabara de cruzar a barra, tendo suportado alguns andaços de mar e de imediato rumou a Sudoeste, levando o piloto a bordo para Tenerife ou provavelmente desembarcaria na baia de Cascais para o vapor de pilotos.
O JAKOB MAERSK teve de esperar diante do lugar do Bico de Sobreiras, uma vez que o vapor ROBERT MAERSK,
Já próximo da Meia Laranja o piloto ordenou leme um pouco a bombordo e quando tinha a bóia da barra pela amura de estibordo, o vapor desgovernou para bombordo, pelo que se deu mais força na máquina e leme a estibordo, aliviando de seguida, a fim do vapor não bater na areia da restinga do Cabedelo. Ao longe, ao Noroeste, nas Longas, notava-se a ondulação a crescer, pelo que o piloto disse ao capitão para mandar retirar o pessoal do castelo da proa, porque o mar de andaço iria cair em cheio no navio e instruiu o homem do leme para aguentar o navio aproado à vaga e ao vento de Noroeste, que rugia forte. O pessoal da proa, já não tendo tempo de fugir, abrigou-se à proa na loca.
O JAKOB MAERSK, que cruzou a barra às 18h00, foi batido fortemente por enormes voltas de mar, cujo efeito se fez sentir ao nível da ponte de comando descoberta e que apesar do navio ir vazio, metia a proa debaixo de água e logo a seguir levantava a popa, vendo-se a porta do leme e o hélice a trabalhar fora de água, pelo que nessa altura se abrandava a marcha. Por mais esforço que o timoneiro tentasse aproar à vaga, o vapor ia abatendo para bombordo, ou seja para cima do cabeço da Barra, a Sul, o que se estava a tornar numa situação delicada. Nas margens, como era habitual, uma multidão de curiosos assistia, sob alguma ansiedade, à passagem dos navios na barra, havendo um ou outro fotógrafo amador, tentando obter o melhor enquadramento das imagens.
Entretanto, o vapor conseguia ultrapassar a área de rebentação, cerca de
Como entre molhes havia alguma vaga a partir, que poderia fazer desgovernar o navio, o piloto fez o enfiamento ao porto de Leixões, rumando a Lés-nordeste, contudo quando estava a cerca de meia milha, foi-lhe negada a entrada, visto no mastro do castelo de Leça, encontrar-se içada uma bandeira branca, pelo que aproou ao mar a aguardar novo sinal. O motivo dessa negação foi, que o paquete Francês KERGUELEN estava a manobrar para abandonar o porto de rumo à América do Sul e o piloto iria desembarcar entre molhes, além disso na Bacia estavam fundeados mais navios.
Saído o KERGUELEN, já com a noite a aproximar-se, foi arriada a bandeira branca e içada a vermelha e o JAKOB MAERSK, de marcha avante meia força seguiu embalado com a vaga de Noroeste, dando balanço a ambos os bordos e quando estava entre molhes, o piloto mandou parar a máquina, contudo levando algum seguimento, meteu leme a bombordo e para o vapor desandar ao ferro, é lançado o daquele bordo, ficando com uma manilha e meia na água e máquina avante meia força, continuando de leme todo a bombordo, logo que está aproado entre molhes, virou-se o ferro e o piloto deu instruções ao capitão para sair do porto de proa ao mar e ao vento. Quando se despedia, desejando os usuais votos de Boa Viagem, o capitão gratificou-o, voluntariamente com os 10$00 da praxe e entregou-lhe duas latas de cigarros, uma para ele e a outra para o pessoal da lancha P1, que o recolheu às 19h15. O agente consignatário, mais tarde fez chegar às suas mãos mais 15$00.
O JAKOB MAERSK, já ao largo, navegou para Sudoeste, a fim de rumar à barra de Vila Real de Santo António e subir o rio Guadiana até ao Pomarão, para carregar pirites destinados a Inglaterra.
Quanto ao GONÇALO VELHO, devido à avaria no leme, acabou por não largar do Douro, tendo ido em seu auxilio o rebocador VOUGA 1º, ficando amarrado no lugar do cais do Cavaco, local do incidente, a fim de reparar a avaria e sair numa próxima maré.
Em
Piloto-Mor – 1
Sotas-Piloto-Mor: Douro – 1; Leixões - 1 (este tinha poder de chefia)
Pilotos: Douro – 23; Leixões – 5
Escriturário: 1
Assalariados: Cerca de 30 (mestres, arrais, motoristas, marinheiros, lamageiros, vigias, carpinteiro e pintor).
Lanchas de pilotar: P1, P3 e P4
Lanchas das amarrações ou lamagens: P2, P5, P6 e P8
Lancha da assistência ou do Piloto-Mor: P7
Catraias a remos das amarrações ou lamagens: 5
Caícas de apoio às lanchas e catraias: 4
Em 1938 surgiu o rebocador COMANDANTE AFONSO DE CARVALHO, 24,35m/93,05tb, construído em madeira pelos Estaleiros do Ouro, António Gomes Martins. Fos., Lda., que serviu muito pouco ou mesmo nada as tarefas de pilotagem. No entanto a 15/02/1941 colaborou no desencalhe do paquete Brasileiro CUYABÁ, 125m/6.489tb, na Bacia do porto de Leixões e em algumas tarefas de rebocagem do tráfego local, tendo sido vendido em 1941 para a Sapec. Setúbal, a fim de fazer face à difícil situação financeira da corporação, motivada pela falha de navegação, sobretudo estrangeira devido às consequências da guerra.
O cenário descrito acima, só é devida ao meu envolvimento desde criança no meio da pilotagem do Douro e Leixões, escutando as conversas dos serviços de velhos pilotos e seus assalariados, dentre eles dois meus tios, e muito particularmente de meu pai, que foi o meu mestre nestas coisas e que me deixou muita documentação escrita sobre a sua actividade de piloto da barra. As minhas idas nas lanchas das amarrações e nas lanchas de pilotar, tanto no Douro como em Leixões, assim como alguns embarques com meu pai, nomeadamente nas mudanças e ainda pela minha interessada observação das manobras dos navios em ambos os portos também contribuíram para a referida descrição.
Os nomes das embarcações referenciados apenas foram inseridos nos três textos, a fim de melhor descrever a ideia e o cenário do que era a movimentação marítima nas barras do Douro e Leixões em dias de nevoeiro, mar agitado, ventos, correntes de águas, etc. Todas elas existiam à época, e possivelmente em outras ocasiões terão sido protagonistas de situações semelhantes.
Rui Amaro
1 comentário:
Viva Rui!
Excelente trabalho, relato de tempos passados, que dá prazer ler e aprender.
Reimar
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