O ERIKA BOJEN encalhado junto ao molhe sul da barra da Figueira da Foz
O capitão do ERIKA BOJEN ao centro, e o capitão do porto da Figueira da Foz à direita
25/04/1992 – A barra da
Figueira da Foz voltou a ser notícia. Desta feita a culpa não terá sido o
malfadado assoreamento, mas a falha de máquina do navio-motor ERIKA BOJEN, propriedade
de armador alemão, mas arvorando bandeira de conveniência de Antígua e Barbuda,
uma pequena ilha situada nas Caraíbas. Trata-se de um navio rio-mar do tipo “boxshape”,
muito utilizado no transporte de pasta de papel das indústrias celulósicas.
Tripulantes deixaram de ser preocupação, pois foram recolhidos. Quarenta
toneladas de combustível podem originar alguma maré negra de efeitos
imprevisíveis para uma zona de veraneio.
Tudo aconteceu cerca da
09h35, logo após o ERIKA BOJEN ter cruzado a barra de saída, e no preciso momento
em que o motor parou, obrigando a que fundeasse, com evidente dificuldade do
lado de fora da barra, aproximadamente a meio do molhe sul.
O comunicado da capitania
do porto diz que, logo que foi tomado conhecimento da avaria, foram mobilizados
todos os meios disponíveis para socorrer o navio em dificuldades. Entretanto, a
bordo, uma tripulação de seis homens – um alemão, um polaco, um português, um
chileno e dois cabo-verdianos – tentavam solucionar o problema que se mostrava
difícil, acabando o ERIKA BOJEN, devido aos vagalhões, por ser atirado para
cima do enrocamento do molhe, onde ficou prisioneiro das pedras.
Um helicóptero da Força
Aérea foi requisitado para resgatar os tripulantes, que cerca do meio-dia, já
pisavam terra firme, libertos de um pesadelo de quase três horas, cujo fim
chegou a preocupar, dada a força da agitação marítima a fustigar um casco que
amparava 499 toneladas brutas e uma carga de pasta de papel enfardada, que
havia sido carregada na Soporcel, cujo peso era 1.500 toneladas e se destinava
à Escócia.
De momento a preocupação é
a obtenção de camiões-cisterna para a trasfega do combustível (40 toneladas de
gasóleo) e, posteriormente, a contratação de rebocadores para um possível
desencalhe do navio.
Refira-se que a barra se
encontrava aberta, e que a curiosidade que o inusitado acontecimento foi
grande, de tal sorte que se iniciou uma peregrinação até à praia do Cabedelo,
onde se conseguia ver de perto o navio.
Mas há que acentuar que
todas as forças foram mobilizadas – os bombeiros municipais e voluntários, a
Cruz Vermelha e a Guarda Fiscal, e mesmo alguns soldados da paz que desfilavam
na Avenida Marginal, integrados nas manifestações do 25 de Abril, foram
desmobilizados ante o espectro de uma tragédia.
O capitão do ERIKA BOJEN
esclarecera os jornalista presentes, que o problema fora devido à falha do
motor, embora não tenha adiantado a causa da avaria, que persistiu ao longo das
horas.
Questionado sobre o
seguro, manifestou a convicção de que tudo estará sob controlo. Embora tenha de
aguardar o desenrolar dos acontecimentos. Importante – afirmou – foi que se
salvassem os tripulantes de uma situação embaraçosa.
Fez o elogio dos
subordinados:
«Toda a tripulação se
manteve sempre calma ante os acontecimentos, o que não evitou a tensão. Foi
preferível que a anomalia se detectasse à saída da barra do que no alto mar,
onde as consequências poderiam ser piores, por não haver meios de salvamento
tão facilmente mobilizados».
A Figueira da Foz, como se
sabe, é uma das mais importantes estâncias de veraneio e uma eventual maré
negra poderia comprometer a época balnear. Ainda que o capitão do porto, Tito
Sequeira, desdramatizasse o problema, adiantando que, em caso de derrame, em
oito dias tudo se solucionaria, o certo é que a questão não parece, à primeira
vista, tão simples, pese embora a experiência e competência do responsável.
Pela posição do navio
sinistrado parece facilitada a trasfega do combustível; no entanto, as
entidades da cidade-praia estão atentas ao evoluir de um quadro que pode ou não
ser lesivo, dependendo da forma como tudo se resolver. O alerta que aqui se
deixa não pretende ser pessimista, antes realista, face a exemplos anteriores
conhecidos à escala mundial.
27/04/1992 – O navio ERIKA
BOJEN, que no sábado encalhou à saída da barra, já depois de desembarcado o
piloto da barra, continua entregue ao seu destino, batido pelas vagas de uma
maré grande que vai acelerando a sua agonia. Preocupações dominantes a carga de
pasta de papel e o gasóleo, ambos elementos poluidores.
Enquanto as condições de
mar não sofrerem evolução, o casco continua a ser castigado, de tal sorte que o
navio tem já uma inclinação de 45 graus, o que faz com que a carga se desprenda
com tal intensidade que bem se poderá dizer estar reduzida a metade à que se
encontra nos porões.
Os fardos com a maré alta
são atirados como penas para a costa, vogando ao sabor das ondas e a praia do
Cabedelo, uma das mais apetecidas dos veraneantes, está já alcatifada de pasta
de papel. Uma máquina já andou na recolha do material libertado, todavia, como
sempre acontece, a burocracia impera e como não se sabe onde será recolhida, os
trabalhos, lamentavelmente, pararam.
Todos os esforços estão a
ser desenvolvidos para que os fardos fiquem armazenados nas instalações da lota
ou noutro local com idênticas condições, urgindo uma decisão, pois, de
contrário, não se evitará que as folhas de papel sejam tragadas pelo mar
insaciável que não tem dado tréguas ao navio.
Como era de esperar, há
quem se aproveite das circunstancias para complicar e como o sol tem fustigado
a pasta de papel, esta vai-se desfazendo, com curiosos a rasgarem os fios que
seguram a carga para levarem estranhos “recuerdos” para casa. E não se pense
que se trata de tentativas isoladas, pois muitos dos curiosos e ociosos se
lembraram de colecionar o que noutras circunstancias não lhes despertaria a
mínima curiosidade.
Segundo uma fonte a que o
jornalista teve acesso, depois de uma reunião efectuada, ontem de manhã, terá
ficado decidido, se o tempo o permitir, que hoje seria feita nova tentativa
para retirar as quarenta toneladas de gasóleo que ainda se encontram nos
tanques do navio e que podem vir a ser um mundo de preocupações para uma cidade
que vive do turismo e da sua praia, que é a principal fonte de rendimento e um
suporte da economia local.
Por outro lado, os
técnicos estão, de certo modo, apreensivos quanto a recuperação do navio e de
acordo com as suas convicções, se nos próximos três dias não for possível
libertá-lo da posição de encalhamento, terá de ser considerado perdido,
acabando na Figueira da Foz a existência do ERIKA BOJEN, um navio que foi
lançado ao mar em 1978.
A tripulação, que como na
altura se acentuou, foi salva por um helicóptero da Força Aérea, está a ser
alvo de cuidados médicos, especialmente dois dos tripulantes, um deles com um
pé fracturado e outro com ferimentos na cabeça, que se lesionaram quando
lançavam as amarras para segurar o navio. Ainda que não sendo ferimentos
graves, têm de justificar alguma atenção por parte das equipas médicas. Os
restantes estão a tratar dos problemas legais para serem repatriados.
O capitão, um lobo do
mar com vinte e cinco anos de actividade, com doze como capitão, permanecerá
na cidade até que a situação esteja completamente resolvida e embora habituado
a quadros onde o dramatismo tem imperado, não deixou de dizer que «era triste
ver o seu navio naquela situação. È como se um pouco dele ali estivesse».
As próximas horas serão
decisivas, pois se esclarecerão algumas dúvidas que atormentam muito boa gente.
Estará o navio perdido ou resultarão positivas as tentativas para o colocar a
flutuar? Será a Figueira da Foz afectada pela maré negra ou tudo se processará
dentro da normalidade? Salvar-se-á parte da carga?
Nestas interrogações
estará o desfecho de um caso que apaixonou a cidade e que provocou uma grande
onda de curiosidade. Com influência nestas respostas, o mar, que insensível à
angústia vai cumprindo a sua missão destruidora. Dele se espera uma trégua para
que o clima de tensão se desanuvie.
Um elemento dos Bombeiros
Voluntários da Figueira da Foz, de nome Jorge Maia Rodrigues, de 22 anos,
sofreu ontem um traumatismo craniano, em consequência de um incidente durante a
tentativa de trasfega do combustível do navio, por ter sido atingido por um
ferro.
ERIKA BOJEN –
imo 7822471/ 81,6m/ 499tab/ 1.503dwt/ 11nós; 1978 entregue pelo estaleiro Martin
Jansen Schiffswerft & Machine Fabrik, Leer, Alemanha, a Reederei Siegfried
Bojen KG, Leer, Alemanha; 1992 ERIKA BOJEN, Reederei Siegfried Bojen KG, Leer,
Alemanha, tendo sido registado no porto Saint John’s, de Antigua e Barbuda.
A 25/08/1992 naufragou por
encalhe junto da barra da Figueira da Foz, tendo sido considerado “perda total
constructiva”, sendo os destroços vendidos pela seguradora à firma
Tramslingote, Lda, da Figueira da Foz, que o desmantelou para sucata no próprio
local do encalhe.
Fonte e imagens: Jornal de
Noticias, do Porto.
Rui Amaro
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