segunda-feira, 17 de agosto de 2009

RECORDANDO OS ANTIGOS PILOTOS DA BARRA DO PORTO DE VIANA DO CASTELO


O piloto da barra era um cenobita, um marítimo, um amanuense.

Era um cenobita, porque o seu longo dia o passava isolado e só na torre de vigia. Naquele primeiro andar do edifício cilíndrico, o piloto estava vigilante e atento. Só, procurando passar o tempo de acalmia com os recursos de então: um jornal, um rádio, pouco mais. A fonia zumbia ao lado, ouvido gigantesco estendido sobre o Atlântico, a escutar as vozes rotineiras dos mestres dos barcos pesqueiros, ora os chamamentos dramáticos ou as notícias de sinistros marítimos. Com binóculos e com seu óculo colocado sobre um cavalete, o piloto fazia sondagens visuais por sobre o mar. Em sua volta, havia silêncio. O pequeno compartimento não dava para dar uns passos; na sua clausura profissional, o piloto tinha de permanecer quase estático.

Era marítimo, porque ao mar e à sua barra ele devia a sua obrigação de dirigente de barcos e navios. Quantas vezes, subitamente sacudido pela pressa duma desgraça iminente, ele tinha que saltar da sua pequena “cela” para a “vedeta”, que o esperava ali em baixo, junto ao cais, sempre pronta para galgar a barra e correr ao encontro do mar bravio, então o piloto era um homem do mar. Ele conhecia-o e por isso o respeitava. Muitas vezes o jornalista, na sua actividade profissional, levava-o ao convívio com esses homens e os seus olhos, olhando o mar lá do alto da torre nada avistavam nem percebiam de especial. Porém o rosto do piloto punha-se subitamente sério, ao ver a manobra dum pesqueiro que ia entrando a barra. De repente, o piloto descontraía-se e voltava-se para o jornalista, dizendo: «Já está» – e era então que se ficava a saber que o barco acabava de transpor e ladear um perigo mortal. Ele conhecia a barra e o mar como ninguém. Ao longe, uma onda traiçoeira, rolando sem espuma, sem ser vista, vai enrolar o barco e perdê-lo. Ele viu-a, e ficava tenso. Homem do mar, porque ali se realizava o seu trabalho. Navios que era preciso meter na doca, com a barra assoreada; um mar traiçoeiro que havia que transpor, para levar socorro, ou a sua experiência, ou uma indicação urgente; um iate estrangeiro que não conhecia a barra e até um homem que adoecia ao largo e que tinha que vir para terra.

Era um amanuense, porque o piloto tinha que fazer mapas e relatórios, tinha que escriturar livros, dar notas estatísticas. A caneta estava ali ao lado do binóculo, da fonia, da “vedeta” que o esperava no cais.

Ainda manhã cedo. Nos invernos temerosos, nos dias de sol, o piloto lá ia, silencioso e só, a caminho da sua “cela”: cenobita, marítimo e amanuense.

Fontes: O Comércio do Porto – Flagrantes do Momento. (período 1960/70).

Rui Amaro

PS – Quem souber, dê nome ao piloto, por favor. Obrigado.

4 comentários:

José Castro disse...

A mim parece-me ser a foto de um Piloto já falecido de seu nome Agostinho Vieira,que exerceu funções no porto de Viana do Castelo.

Rui Amaro disse...

Amigo José Castro
Estou-lhe muito grato pelo esclarecimento dado.
Também estou convencido que o piloto da foto é o Agostinho Vieira, e digo isto, porque encontrei nos meus alfarrábios, uma outra gravura relativa ao iate inglês PHRYNA, que em 02/12/1968 esteve em dificuldade à entrada da barra e na qual se vê aquele piloto a bordo, e em ambas as parecenças são muito próximas.
Abraço
Rui Amaro

Anónimo disse...

É de facto Agostinho Vieira, por sinal meu avô!

Rui Amaro disse...

Imensamente grato pelo seu comentário.
Pois o seu avô era um piloto a cem por cento, até tinha as funções de amanuense!
Saudações marítimo-entusiásticas
Rui Amaro