quarta-feira, 31 de março de 2010

A TRAINEIRA “SANTA ISABEL” SOFRE UM GRAVE ACIDENTE, SOB A PONTE MÓVEL DO PORTO DE LEIXÕES, QUANDO LARGAVA DA ENTÃO, FUTURA DOCA Nº 2

A SANTA ISABEL(2) demandando o porto de Leixões

Eu assisti ao desenrolar do acidente, precisamente no momento em que passava pela pontemóvel do porto de Leixões, e recordo-me de ter visto também na ponte, um indivíduo, que julgo que fosse o mestre ou contra-mestre, a gesticular e se bem me lembro dizia: Mas quem os mandou largar sem eu estar a bordo!? Olha o sarilho que arranjaram!

Episódio semelhante, assisti ali do cais Velho, ainda criança, na barra do Douro, ai por 1952, quando a traineira SÃO PEDRO 2º, uma das tais três ou quatro com as cores da chaminé à Boavista F.C., que vinha para passar o “defeso” e sofrer fabricos no lugar do Ouro, pouco depois de cruzar a bóia da barra teve falha de máquina, e com águas da serra, mesmo com o ferro no fundo ia descaindo, perigosamente para cima da ondulação da restinga do Cabedelo, com a reduzida tripulação em autêntico alvoroço, e um individuo, que depois disse ser o seu motorista, no cais a gesticular para que o viessem buscar para ir para bordo, resolver a avaria, e ao mesmo tempo muito aflito dizia: Porque é que não esperaram por mim!? Percebi que nem o mestre estava a bordo.

Entretanto o lugre-motor ULYSSES e o iate-motor JORQUE, que demandavam a barra, tentaram passar-lhe um cabo de reboque, só que não foram bem sucedidos, e seguiram rio acima. Valeu-lhes uma bateira com cinco camaradas, que andava por ali perto, e mais a chalandra de bordo, com dois camaradas, que a remos foram aguentando a traineira, até à chegada, sempre providencial da lancha de pilotos P9, que rebocou a SÃO PEDRO 2º para montante, e já antes do dique da Meia Laranja, o motor pegou e a traineira lá seguiu rio acima, e o seu motorista lá foi à vida dele, mais descansado.


O ACIDENTE



A SANTA ISABEL ficou semi-submersa, de proa erguida para o céu, sob a ponte móvel do porto de Leixões


27/12/1961 - Conforme foi noticiado no Domingo passado, as traineiras de pesca da sardinha da praça de Matosinhos fundearam pela primeira vez na futura doca nº 2 do porto de Leixões – aliás ainda não concluída. O facto deve-se a uma autorização especial do capitão do porto e teve a simpática finalidade de permitir que os pescadores passassem com a família a noite de Natal – o que para muitos não seria possível se as embarcações ficassem ancoradas no lugar habitual, já que devido ao mau tempo, teria que ser reforçado pessoal de quarto.

Afinal, essa nobre intenção, veio indirectamente, a dar origem a que cerca de uma centena de traineiras ficassem «aprisionadas» na doca nº 2 até ontem à tarde. Diga-se desde já que do facto não terão resultado prejuízos de maior, pois o temporal impediria, de qualquer maneira, a saída das embarcações; e, mesmo que uma ou outra se fizesse ao mar, a maré não devia ser compensadora.

Com efeito cerca das 15h00 de ontem, quando as traineiras procuravam sair da doca nº 2 para a nº 1, a caminho dos seus ancoradouros junto da rampa do Pescado, na Bacia, verificou-se um acidente: a traineira SANTA ISABEL, devido à forte ressaca, foi atirada com violência para cima da estacaria de aço da ensecadeira, que ainda divide as duas docas, por debaixo da ponte móvel de Leixões, e rodopiando ficou encalhada de proa para os Céus e a popa completamente mergulhada na água, como que rogando ao Criador, que a salvasse.

A bordo encontravam-se apenas 6 dos 49 homens da tripulação, que foram atirados à água e nadaram para terra, assim nada mais sofreram do que o susto e um banho forçado: São eles: David de Jesus Lapa, Mário Augusto da Fonseca, José Cândido de Oliveira Lopes, Manuel Faria Novo e Gonçalo Calheiro Braga.

Quando se deu o desastre, já tinham saído a estreita «barra» - que apresenta uma passagem livre de obstáculos com escassos 15 metros – cerca de uma vintena de traineiras, que aliás haviam deparado com grandes dificuldades, devido à força do mar. Fechando a abertura que liga as duas docas, a SANTA ISABEL obrigou a forçada inactividade uma centena de traineiras.

Durante o dia de ontem, pessoal da Administração dos Portos do Douro e Leixões, inclusivamente mergulhadores, procederam a diversos trabalhos para safar a SANTA ISABEL e libertar as outras embarcações. E a verdade é que estas, cerca das 18h00, puderam deixar a doca nº 2 e fundearem na Bacia. Sem novidade. Apenas a MONTE SINAI ficou ligeiramente pousada sobre uma das estacas, mas bastou um pequeno puxão de um rebocador que andava próximo para a safar.

A SANTA ISABEL pertence a Inocêncio Pinto Soares, da Rua de Gago Coutinho, 235, em Matosinhos, e tem como mestre Mário de Oliveira Lopes, da Rua de Silva Pinheiro, na mesma vila. Foi construída em 1959.

Durante a tarde e parte da noite de anteontem, tripulantes e trabalhadores empregados do armador da traineira procuraram retirar de lá alguns apetrechos de pesca.

Anteontem e ontem, especialmente naquele dia, que foi feriado, milhares de pessoas estiveram no local, a ver a traineira de proa apontada ao céu, enchendo a ponte móvel, sobre cujos varandins ficavam debruçados longo tempo, fazendo os seus comentários.


O SALVAMENTO


A SANTA ISABEL já encalhada junto da praia, pronta a ser varada no areal


20/01/1962 – Conforme já foi noticiado, no dia 25 do corrente mês pretérito, cerca das 14h00, quando a traineira SANTA ISABEL, de Matosinhos, saía da doca nº 2, onde juntamente com outras se acolhera para se resguardar do temporal desabrido, que então se fazia sentir, encalhou na estacaria que se encontra fixada e submersa sob a ponte móvel, onde se manteve naquela critica situação até hoje.

Pelas 07h30, acercaram-se da traineira SANTA ISABEL dois batelões, os quais suspenderam o barco à proa, serviço este realizado na maré baixa, aguardando-se, depois, a preamar que se verificou às 14h27. Na saída, colaborou também o batelão MARIETA, cuja função consistiu em que fosse permitida a posição horizontal com a elevação à superfície da ré, visto à saída daquele ponto se notar a existência de pedregulhos e dificultar os trabalhos, os quais foram superiormente dirigidos pelo comandante Lourenço Mateus, chefe dos serviços marítimos da A.P.D.L. Após o que a traineira SANTA ISABEL haver tomado a posição desejada, o rebocador VANDOMA, também da A.P.D.L., rebocou o barco sinistrado e os outros três que lhe serviam de apoio para a Bacia, onde a traineira ficou varada no areal junto ao molhe Norte, onde aguardará as reparações provisórias, a fim de entrar em carreira.


A SANTA ISABEL (1) em dia de provas de mar de alunos da Casa de pescadores de Matosinhos


Note-se que a traineira sinistrada era a segunda com aquele nome, pois anteriormente existiu uma outra do mesmo nome.

Fontes e imagens: Jornal de Noticias e o O Comércio do Porto

Rui Amaro

2 comentários:

JOSÉ MODESTO disse...

Impressionante, recordar é viver e tu sabes isso Rui.
Continua...continuamos a aprender

Miguel Lourenço disse...

Parabens Sr. Rui mais um belo registo, pena que alguns se percam no tempo e não sejam divulgados.
Obrigado por partilhar estas maravilhosas fotos.