O HILDEBRAND navegando no rio Amazonas / autor desconhecido - calendário da Booth Line, 1954
Três aspectos do encalhe do HILDEBRAND, quando se procedia ao desembarque dos passageiros e de parte da tripulação
Da esquerda para a direita os rebocadores PRAIA DA ADRAGA, MONSANTO e DOM LUIZ prestando assistência ao desventurado HILDEBRAND
O HILDEBRAND em operações de transbordo da carga não atingida pelas águas que inundaram os porões, vendo-se atracados o rebocador SOURE e um batelão, e junto à proa por bombordo o rebocador HERAKLES
O HILDEBRAND na altura do desmbarque de parte das bagagens dos passageiros, vendo-se ao largo o rebocador HERAKLES
A traineira OLHO MARINHO transportando passageiros para Cascais
Quatro aspectos da agonia do malogrado HILDEBRAND
A
26/09/1957 a imprensa diária noticiava, que devido ao denso nevoeiro encalhara,
ontem, de manhã, perto de Cascais em risco de se perder o paquete inglês R.M.S.
HILDEBRAND (3), tendo sido desembarcados todos os passageiros e quase todos os
tripulantes, dentre ao quais alguns tripulantes de nacionalidade portuguesa.
O
HILDEBRAND, procedente de Liverpool e com 160 passageiros a bordo, entre os
quais 19 que se destinavam a Portugal, cerca das 10 horas, próximo do cabo
Raso, entre Cascais e o Guincho, mais propriamente no lugar de Oitavos, quando
fazia a aproximação à baia de Cascais, a fim de receber piloto da barra, que o
dirigiria até ao porto de Lisboa, ficando a poucos metros de terra, numa
situação que é considerada critica e pode levar â sua perda irremediável.
O
grave desastre marítimo que teve, a nossa costa por triste cenário, e provocou,
pelo dia fora, grossa afluência de curiosos ao local fronteiro ao do encalhe,
mais exactamente, entre o restaurante Montemar e o Forte de Oitavos, não teve,
felizmente, consequências pessoais dada a “secura” do encalhe que imobilizou
repentinamente o navio sobre as rochas, a prontidão com que os socorros se
fizeram sentir e levaram mais tarde ao desembarque gradual de todos os passageiros,
e ainda, ao estado calmo do mar e à serenidade com que a bordo tudo foi
encarado entre tripulantes e passageiros.
Foi
num mar de calmaria mas com o oceano a oferecer fraca visibilidade que tudo
aconteceu. O alarme foi dado pelo sr. Agostinho Ferreira, proprietário de um
restaurante existente sobre rochas, à beira do oceano, e por sua mulher sra. D.
Maria da Conceição Brás Ferreira, os quais viram, surpreendidos, destacar-se da
névoa reinante em frente, a silhueta escura de um navio ao mesmo tempo que um
ruido seco assinalava o seu embate com as rochas.
Foram
eles que imediatamente telefonaram ao capitão do porto de Cascais, comandante
Pestana das Neves e para os Bombeiros Voluntários daquela vila,
estabelecendo-se, assim, prontamente, toda a rede de socorros que não se
fizeram esperar.
Entretanto,
só quando o nevoeiro se dissipou pode identificar-se o navio encalhado de que é
agente, em Lisboa, a firma Garland, Laidley & Co., Ltd., e que faz a
carreira regular Liverpool, Leixões, Lisboa, Funchal, Fortaleza (eventual),
Pará e Manaus, por conseguinte subindo 1.000 milhas o rio Amazonas, e ainda Trinidad
e Tobago, no regresso à Europa.
O
denso nevoeiro que se fazia sentir de véspera, não deixara que o HILDEBRAND se
fizesse ao porto de Leixões, se bem que os pilotos locais iriam tentar a
entrada, e como a névoa que já o acompanhava desde o Finisterra, não se
dissipasse, o comandante T. E. Williams, contactou o seu armador e resolveu
seguir viagem para o Tejo, cuja escala não estava prevista nesta viagem, onde
os aguardaria os passageiros de Leixões, mal sabia aquele comandante que com
isso livrava-se de um possível acidente, e iria acabar noutro bastante grave,
perdendo o seu navio.
Foi
ao passar, em frente do lugar de Oitavos que, de bordo, verificaram,
repentinamente, destacarem-se, dentre o nevoeiro, as silhuetas da fortaleza e
das rochas, mas a manobra imediata para virar de rumo e voltar para trás fez
com que o navio ficasse com a parte média da quilha assente numa rocha a 50
metros de terra. Rochas quase que formadas em “faca e agulha”.
Entretanto,
e enquanto a sereia de bordo soava em apelos de socorro, espalhando o alarme e
provocando a curiosidade de centenas de pessoas que logo se deslocaram até ao
local em vários meios de transporte, aproximavam-se do barco encalhado com
todas as cautelas, devido ao nevoeiro, o vapor dos pilotos da barra, que fazia
estação na baía de Cascais, o salva-vidas PATRÃO LOPES, da Estação de Socorros
a Náufragos de Paço de Arcos, e algumas traineiras de Cascais, e por terra os
Bombeiros Voluntários de Paço de Arcos, e ainda os de Cascais, e os da
Ericeira, todos munidos de material de socorros a náufragos, tendo comparecido
também, no local, o capitão interino do porto de Lisboa, comandante Horácio
Rebordão e o comandante Jaime Couceiro, inspector dos Socorros a Náufragos.
Entretanto
o nevoeiro dissipara-se, e foi então que se vislumbrou que era um grande navio,
de casco pintado de negro, e à popa as palavras HILDEBRAND – LIVERPOOL.
Como
a situação a bordo era delicada a água entrava em abundancia nos porões 1 e 2,
resolveu-se cerca do meio-dia, proceder ao desembarque dos 160 passageiros com
coletes de salvação e algumas bagagens, que se fez na melhor ordem, sob a direcção
dos oficiais de bordo, pela escada de portaló arriada até à altura do
salva-vidas PATRÃO LOPES e das traineiras OLHO MARINHO, MARIA DA SORTE e SÃO
JANUÁRIO, que haviam acostado ao HILDEBRAND para o efeito,
Os
náufragos desembarcaram mais tarde, no cais do Clube Naval de Cascais, onde
eram aguardados por funcionários da casa Garland, Laidley, que após o almoço,
os fizeram transportar para Lisboa, em autocarros.
Pouco
depois das 13 horas, dois rebocadores de alto mar, o MONSANTO, da Companhia
Colonial de Navegação, e o PRAIA DA ADRAGA, da Sociedade Geral, passaram cabos
para bordo do paquete onde se mantiveram o comandante, oficiais e tripulantes,
num total de 100 pessoas, e alguns pilotos da barra do Tejo. Presente esteve
também o salvadego DOM LUIZ, da AGPL.
A
acção do vento e das correntes marítimas foi mudando aos poucos a posição do
navio que, inicialmente, era paralela à costa e, depois, ficou oblíqua, donde a
deduzir-se que o navio ficou suspenso pelo meio e girava como um pião sobre a
agulha rochosa a que está preso a meia-nau.
Às
17 horas, já só com o comandante e seis tripulantes a bordo, os esforços para
aproveitar a praia-mar e safar o barco devidamente espiado, frustraram-se
completamente, pois o navio continuava a rodar sobre o seu eixo acabando por
ficar virado para o oceano quando ao encalhar, ficara virado à costa. Para
evitar essa situação o salvadego DOM LUIZ estabeleceu cabo para bordo para não
deixar o navio rodar.
Terá
por isso, que aguardar-se nova praia-mar o que só sucederá às 05,30 horas da
madrugada de hoje, para se proceder a nova tentativa que, a ser falhada,
equivalerá à perda do navio.
No dia seguinte ao encalhe, dia de mar raso e sol
resplandecente, Jornalistas aproveitaram a ida de uma traineira de Cascais, que
levava a bordo empregados e directores da agência Garland, Laidley, e peritos
do “Lloyd’s Register”, chamados a bordo do HILDEBRAND, que apesar de ser uma
moderna unidade mercante, não fora equipado de radar, por conservadorismo ou
teimosia do “Vestey Group”, de que fazia parte a Booth Line, em não instalar
nos navios das suas companhias de navegação tão útil equipamento, o que a
possui-lo, muito possivelmente ter-se-ia evitado o encalhe do navio, se bem que também uma das causas que deve ter levado o
navio a sair da sua rota foi de uma certa forma o nevoeiro, e segundo consta um outro elemento, este invisível e implacável, que
aparentemente tem causado vários naufrágios, naquela região, especialmente até
à década de 80, véspera do advento do GPS, que é a existência de um forte veio
de rochas magnéticas, que descendo a serra de Sintra, a céu aberto, entra no
mar na direcção do Cabo Raso, afectando fortemente os campos magnéticos das
bússolas embarcadas.
O autor do texto, na sua actividade, como empregado da
Garland, Laidley, de atendimento no porto de Leixões aos navios da Booth Line, ainda no inicio dos anos 60, notava que alguns navios daquele armador ainda não
possuíam equipamento de radar, salvo os novos navios ou os transferidos de outros armadores do referido grupo.
Quando os jornalistas subiam a escada de portaló, a fim de
entrevistar o comandante, foram impedidos de entrar a bordo pelo imediato Henry
John Jones, baixo e forte, a sua cara demonstrava tristeza. Não recebeu mal os
jornalistas, limitou-se a dizer que não poderiam entrar a bordo.
Questionaram-no sobre o acidente e o comandante, respondera que nada podia
dizer, apenas disse que estava muito preocupado, como era previsível, e
encontrava-se na sua cabina.
Alguns tripulantes apareceram por trás do imediato.
Apoiaram-se à amurada do navio e observavam os profissionais da imprensa.
Tinham estado toda a noite alerta, esperando e vendo a água a entrar cada vez
mais nos porões, e depois nalguns dos camarotes dos passageiros, especialmente
nos da classe de turismo.
Os jornalistas tentaram ainda mais conversa, mas o primeiro-oficial
pediu que se retirassem. Entretanto quando desciam para a traineira, um
tripulante português, de nome Antenor Dinis, de Famalicão, pediu ao mestre da
traineira que o levasse para Cascais, possivelmente para telefonar aos seus
familiares, e relatou aos jornalistas, que já havia água na casa das máquinas,
e que durante a noite havia mais água, e que o navio já estava totalmente
assente nas pedras, pelo que considerava que o navio estava perdido, e que dos
seis tripulantes portugueses cinco eram criados, apenas um era chefe de
cozinha, todos eles do norte do país.
Os técnicos do “Lloyd’s Register” tomaram conta do caso, a
fim de estudarem a maneira de desencalhar o paquete.
Durante a manhã e mesmo de madrugada, nada se fez para safar
o HILDEBRAND, que continuava com toda a carga a bordo, incluindo bagagem dos
passageiros, pois que no momento que eles haviam desembarcado, apenas tinham
levado a bagagem de camarote.
A carga geral do navio era de cerca de 2.500 toneladas. O salvadego DOM LUIZ puxava a toda força dos seus motores pelo cabo de reboque estabelecido para bordo, evitando que o mar o fizesse oscilar demasiado o navio e as pedras se encravassem mais no casco.
A carga geral do navio era de cerca de 2.500 toneladas. O salvadego DOM LUIZ puxava a toda força dos seus motores pelo cabo de reboque estabelecido para bordo, evitando que o mar o fizesse oscilar demasiado o navio e as pedras se encravassem mais no casco.
Entretanto, logo de manhã, em terra, o comandante Pestana
Neves, capitão do porto de Cascais, e o dr. Macedo de Brito, chefe da Delegação
Aduaneira, também de Cascais, juntavam os seus esforços para que tudo corresse
pelo melhor. Junto ao local do naufrágio, foram colocadas praças da
Guarda-Fiscal, a fim de o navio encalhado ser vigiado e no cais de Cascais,
também.
Na estrada, dezenas de carros alinhavam uns atrás dos outros,
e inúmeras pessoas observavam o HILDEBRAND.
Em Lisboa, de acordo com a casa Garland, Laidley e companhia
seguradora do navio, a “Lloyd’s Register”, tomava conta do caso, e os seus
técnicos começaram a estudar nova maneira de desencalhar o navio.
Às 16 horas duas traineiras começaram a trazer para terra alguma
bagagem dos passageiros, e até aquela hora nada de importante se passou. Apenas
o movimento dos empregados da “Lloyd’s”, e da agência consignatária, a gente
que se aglomerava cada vez mais nas rochas, e os estudos dos técnicos: o
capitão T. W. Williams, comandante do navio, permanecia no seu posto
acompanhado por onze tripulantes e o imediato.
Mas alguns dos passageiros que entretanto, se haviam
hospedado em hotéis de Lisboa necessitavam de partir para o estrangeiro e, portanto,
inquiriam das suas bagagens.
Então o dr. Macedo de Brito, chefe da Alfandega de Cascais,
resolveu pedir ao comandante do navio encalhado que procedesse à retirada da
bagagem. As traineiras OLHO MARINHO e POMBALINA, com as suas tripulações a
bordo, partiam às 16 horas, em direcção ao HILDEBRAND, e até às 19 horas foi
retirada grande parte da bagagem dos passageiros. Não toda, porque a água
entrara já em grande parte nos camarotes inferiores, inutilizando tudo.
No largo de Cascais, grande multidão se juntou, mantida a
certa distância, por agentes da Policia Marítima, enquanto os pescadores sempre
prontos a ajudar, amontoavam dezenas de malas na rampa do cais. Daí, todos os
objectos foram levados para as instalações da Alfandega, depois de anotados por
um funcionário. Entre as malas estavam máquinas de escrever; um carrinho de
bébé; roupas e peles de senhoras; sacos com tacos de golfe e até uma gaiola com
periquitos.
Estavam presentes à chegada, de toda aquela irregular
bagagem, o dr. Macedo de Brito e comandante Neves Pestana. Mais tarde, chegou
ao local o director da Alfandega de Lisboa, dr. Mário da Luz, que também acompanhou
todo o trabalho feito pelos pescadores.
São de salientar as facilidades extraordinárias que a
Alfandega de Cascais concedeu, permitindo que toda a bagagem saísse do HILDEBRAND
de forma ordenada.
No meio de toda aquela barafunda, um empregado da agência acercou-se do dr. Macedo de Brito. Trazia uma pasta consigo. Pediu-lhe o favor de deixar ir para bordo um fardo de palha, água e restos de comida para um casal de porcos. A notícia de que existiam animais a bordo confirmava-se, mas apenas existiam o cavalo e os porcos, eram dois de raça “Yorkshire”. Tanto o cavalo como os suínos destinavam-se ao norte do país. Os porcos haviam custado cerca de 500 libras (quarenta contos). Mais tarde acabaram por serem trazidos para terra.
No meio de toda aquela barafunda, um empregado da agência acercou-se do dr. Macedo de Brito. Trazia uma pasta consigo. Pediu-lhe o favor de deixar ir para bordo um fardo de palha, água e restos de comida para um casal de porcos. A notícia de que existiam animais a bordo confirmava-se, mas apenas existiam o cavalo e os porcos, eram dois de raça “Yorkshire”. Tanto o cavalo como os suínos destinavam-se ao norte do país. Os porcos haviam custado cerca de 500 libras (quarenta contos). Mais tarde acabaram por serem trazidos para terra.
A carga geral do navio é formada por cerca de sessenta
automóveis; por inúmeras caixas de bolachas, confeitarias, medicamentos,
tabaco, leite condensado, produtos químicos, tubos de aço, madeiras,
bicicletas, maços de resina, vários acessórios para máquinas, e tractores, a
qual dias mais tarde foi trazida em parte por batelões para o porto de Lisboa.
Avistamos, entre os tripulantes, que vinham do navio
encalhado, alguns portugueses. Carregam também com bagagens. Têm o ar cansado e
pesaroso de quem perdeu alguma coisa própria. Entre eles vinha o Joaquim dos
Santos Ferreira, que já no dia anterior tanto ajudara os trabalhos. Trazia na
mão uma mala preta de senhora. A mala continha joias. O comissário de bordo
havia-o encarregado daquele pequeno mas precioso volume. Sentou-se no muro
baixo de pedra e pousou a mala nos joelhos. Acendeu um cigarro e olhou para o
monte de malas. Depois começou a falar com um agente da Policia Marítima.
Um jornalista acercou-se e dialogou com ele.
- Então parece-lhe que o navio se salva?
- Não sei. Talvez sim, talvez não. Conforme. Se o tempo se
mantiver bom…
- Veio agora de bordo, não foi? Esteve lá todo o dia?
- Estive. E vou voltar para bordo. Quero lá estar sempre,
- E o comandante?
- Está perdido. Fecha-se nos seus aposentos e não quer sair
de bordo. Ainda há pouco, quando eu lhe levei de comer, estava a chorar.
De repente, como se tivesse traído o seu comandante, o nosso
compatriota levanta-se e afasta-se arrependido do que dissera.
À volta. O largo está cheio de automóveis, e dezenas de
pessoas observam os trabalhos de salvação das bagagens que, depois, seguiram em
três camionetas para Lisboa, a fim de serem entregues aos seus donos.
Ao fim do dia, vindo de Gibraltar, onde fazia estação, era
esperado o salvadego sueco HERAKLES, mais potente e apetrechado do que os
salvadegos portugueses acima referidos, a fim de recomeçarem os trabalhos de
desencalhe do HILDEBRAND, que praticamente se encontra sem energia eléctrica,
como seria de esperar. O tempo continua bom e o mar sossegado, o que permite se
empreguem todos os esforços de salvamento.
A situação do HILDEBRAND continua a perigar. Minuto a minuto
a água entra para os porões e para a casa das máquinas, fazendo com que a
inclinação do navio se pronuncie cada vez mais.
Entretanto, cerca da meia-noite chegaram a Cascais quatro
directores da Booth Line, que vêm estudar o caso e acompanhar os trabalhos de
salvamento do HILDEBRAND, que se julga sejam bastante difíceis e morosos.
O salvadego HERAKLES chegou já durante a noite, junto do
navio sinistrado e os técnicos suecos subiram a bordo e começaram de imediato a
vistoriar o navio e a planear os procedimentos para resgatar o paquete, o que
consideraram inviável, pelo que mais tarde abandonou a área. Também compareceu
o salvadego dinamarquês EM. Z. SVITZER, cujos técnicos foram da mesma opinião
dos seus colegas suecos, e também acabou por seguir o seu destino.
As condições de tempo e mar permitiram ainda descarregar
larga quantidade de mercadoria, mas o navio apesar das tentativas para o
libertar, acabou por partir pelo meio passadas umas semanas.
A 28/10/1957 foi o HILDEBRAND considerado como “perda total construtiva”
e vendido a uma empresa de sucatas espanhola para desmantelamento no local.
Entretanto, devido a uma grande tempestade, a parte da popa
do navio sinistrado foi atirada contra a penedia da costa, ficando de quilha
para cima, terminando assim a inglória vida do paquete inglês HILDEBRAND, que
no dia de Ano Novo de 1951 escalara o porto de Leixões na sua viagem inaugural
ao Amazonas.
Liverpool, 05/02/1958 – O comandante do R.M.S. HILDEBRAND
declarou no Tribunal que aceitava inteiramente a responsabilidade do acidente.
O capitão Thomas Edward Williams, comandante do HILDEBRAND,
entregou aos seus patrões um pedido de demissão. Esta notícia foi hoje revelada
ao ser recomeçado o inquérito oficial acerca da perda do navio, que principiou
na segunda-feira em Liverpool.
O capitão Richard Thomas, um dos dirigentes da The Booth
Steamship Co., Ltd., proprietária do navio, indicou que esta demissão fora
aceite em princípio. Mas não tornada efectiva em virtude do inquérito. Todavia
– disse – seja qual for o resultado do inquérito, o capitão Williams não
continuará a fazer parte do pessoal da companhia. A data em que a demissão
entrará em vigor ser-lhe-á anunciada mais tarde.
O capitão T. E. Williams, que tem 53 anos e é originário de
Liverpool, reconheceu, nas primeiras sessões do inquérito, que confiara
excessivamente nas suas possibilidades, nos momentos que precederam o acidente.
O inquérito, ordenado pelo Ministério dos Transportes, tem
por objectivo determinar a causa do acidente. As últimas testemunhas – diversos
oficiais do navio – depuseram esta manhã.
O capitão Williams declarou no tribunal que aceitava
inteiramente a responsabilidade do acidente.
H. Braddon advogado do capitão Williams, declarou, quando
recomeçaram as deliberações:
- Não resta dúvida, que o naufrágio do navio foi devido a
graves erros de navegação cometidos pelo capitão Williams.
- Este encarregou-me de lhes transmitir que aceitava a
inteira responsabilidade destes erros.
E acrescentou:
- O capitão Williams declara que tinha sob as suas ordens
oficiais competentes e comandava o navio bem equipado. Não tem qualquer crítica
a fazer com respeito aos armadores ou aos oficiais.
Braddon fez notar, contudo, que o capitão Williams não podia
ter dormido durante os três dias e três noites que precederam o acidente.
- Se bem que estes factos não pudessem justificar os erros
cometidos, explicaria como um homem tão experimentado pôde cometer qualquer
coisa quase equivalente a um acto de loucura.
Depois de ter sublinhado que o capitão organizara com
eficiência o salvamento dos passageiros e da tripulação, lembrou a sua bela
carreira, tanto em tempo de paz, como no da guerra, na qual se distinguiu tão
particularmente quando do desembarque da Normandia.
O advogado de Horace Goulden, segundo-oficial do navio e
oficial de navegação à altura do encalhe, indicou, por sua vez, que se o seu
constituinte cometera erros tinha sido apenas durante a manhã daquele dia e
nada tinha a ver com o desastre.
Lançou a responsabilidade do acidente sobre o capitão, visto
que este deixou o navio seguir a rota, depois de ter sido identificada a sereia
do Cabo Raso.
O Inquérito foi encerrado a seguir e o comissário dos naufrágios
que o presidia, em nome do ministro dos Transportes e da Aviação, anunciou que
daria a sentença no dia seguinte â tarde ou sexta-feira de manhã. Entretanto, a
comissão de inquérito deverá decidir a causa do naufrágio e se o capitão
Williams é responsável e se há mais alguém sobre quem possa cair parte da
responsabilidade.
A comissão decidirá também qual o futuro do capitão Williams
e é provável que lhe seja retirada a carta de capitão. Em virtude da sua bela
carreira e atendendo a que tem apenas 53 anos de idade, Braddon pediu à
comissão para autorizar o capitão a continuar a navegar, baixando de posto na
hierarquia marítima.
Liverpool, 06/02/1958 – O tribunal sentenciou o capitão T. E.
Williams como único culpado do encalhe e perda do paquete HILDEBRAND, baixando
de posto para o de primeiro-oficial (imediato) durante 12 meses a contar da
data do acidente, 25/09/1957, contudo chamou a atenção da Booth Line para a
falta de instalação de radar nos navios da sua frota, pois é cada vez maior o numero de navios equipados com
radar, e talvez seja pertinente observar que o HILDEBRAND, apesar de ser um
moderno navio, não possuía radar, e o tribunal afirmou que se tem tornado
evidente que é política do seu armador não dotar os seus navios com radar, pois
se o HILDEBRAND o possuísse, e usado correctamente, decerto tinha localizado a
linha de costa e o desastre teria sido evitado.
Se
não estou em erro, parece-me que o capitão T. E. Williams, após a sentença
acabou por abandonar a vida marítima por seu voto próprio.
R.M.S. HILDEBRAND (3), imo
1185721/ 133,8m/ 7.734tb/ 2xturbinas a vapor/ 2x caldeiras/ 1.200nhp/ 15nós;
12/12/1951 entregue por Cammel Laird & Co., Ltd., Birkenhead, Mersey, for
The Booth Steamship Co.. Ltd., (Booth Line), Liverpool; 1953 representou a
Booth Line na “Coronation Spithead Revue”. Navio-gémeo
R.M.S. HUBERT (4)
Fontes:
Jornal de Noticias, O Comércio do Porto, Correio da Manhã, O Século Ilustrado,
Port Cities, Liverpool: Wreck Report for HILDEBRAND, 1957.
Imagens: Booth Line, Imprensa Diária e Colecção F. Cabral, Porto.
Rui Amaro
ATTENTION. If there is anyone who
thinks they have “copyrights” of any images/photos posted on this blog, should
contact me immediately, in order I remove them, but will be sadness. However I
appeal for your comprehension and authorizing the continuation of the same on
NAVIOS Á VISTA, which will be very much appreciated.
ATENÇÃO: Se houver alguém que se ache com direitos sobre
as imagens postadas neste blogue, deve-o comunicar de imediato. a fim da(s)
mesma(s) ser(em) retirada(s), o que será uma pena, contudo rogo a sua
compreensão e autorização para a continuação da(s) mesma(s) em NAVIOS Á VISTA,
o que muito se agradece.
3 comentários:
Caro Rui Amaro, excelente registo do fim trágico do HILDEBRAND, primeiro navio de que me lembro, fui vê-lo com os meus Pais, era muito pequeno mas fiquei impressionado com o navio.
Tinha 7 anos e estive no local do naufrágio perto de Oitavos em Cascais, lembro-me da silhueta do navio, preto, meio inclinado, mas acima de tudo dos estranhos e pequenos carros depositados na berma direita da estrada na direção do Guincho, os Nash Metropolitan da British Leyland, mais tarde conhecidos como os carros do Hildebrand.
JOSÉ MANUEL MENDES MARQUES
Tambem me lembro deste naufragio tinha dez anos despertou me a atençao precisamente os
estranhos carros como diz o sr Cristino, vim agora consultar o Google por ver um no filme
Misse Meadows na Netflix,como é emocionante recordar embora neste caso uma recordação
pouco feliz
04-08-2022 12:15
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